CRISE NO PERU

Congresso do Peru aceita renúncia de presidente empossado há uma semana

Com a escolha de um novo líder, o Peru acumulará quatro presidentes nesta gestão, iniciada em 2016

O Congresso do Peru aceitou, no fim da tarde deste domingo (15), o pedido de renúncia de Manuel Merino de Lama por 120 votos contra 1, apenas seis dias depois de ter decidido que o então líder do Parlamento ocupasse o posto do então presidente Martín Vizcarra, afastado do cargo na última segunda-feira (9).

A crise institucional no Peru, assim, agrava-se, e o Legislativo agora deve decidir qual dos congressistas ocupará o cargo de presidente do país até o fim do atual mandato, em 28 de julho de 2021. Com a escolha de um novo líder, o Peru acumulará quatro presidentes nesta gestão, iniciada em 2016.

Quem estava à frente do Congresso desde segunda-feira era Luiz Valdez, do mesmo partido que Merino, o Ação Popular. Valdez, porém, também renunciou.

Assim, o Congresso passou a ser liderado provisoriamente por Rocío Silva Santisteban, da Frente Ampla (centro-esquerda), que presidia a sessão deste domingo. Até 1h30 desta segunda-feira (23h30 de domingo em Lima), os congressistas ainda não haviam definido quem assumiria o cargo interinamente.

O nome de Rocío para a Presidência foi rejeitado por seus colegas, e outro postulante seria proposto.

Ainda havia a possibilidade de Vizcarra retornar ao poder, por meio do Tribunal Constitucional, que analisará nesta segunda (16) a apelação apresentada pelo ex-mandatário e pode considerar a moção de vacância inconstitucional.

Merino renunciou sob pressão do presidente do Congresso, Luiz Valdez, e de vários partidos, incluído o próprio, o centro-direitista Ação Popular, devido às intensas manifestações ocorridas ao longo da última semana.

A crise deste domingo foi causada pelas manifestações que vêm ocorrendo no país. Na madrugada de sábado (14), dois jovens foram mortos em confronto com a polícia -Jack Pintado Sanchez, 24, e Inti Sotelo, 22-, o que causou aumento de tensão nas ruas. Horas depois, 13 dos 18 ministros também empossados nos últimos dias renunciaram.

Merino, então, fez um breve pronunciamento à nação: “Neste momento em que o país atravessa uma das maiores crises políticas recentes, quero apresentar minha renúncia ao cargo de presidente da República e invoco a unidade de todos os peruanos”.

Depois da renúncia, o ex-presidente Martín Vizcarra afirmou: “Todos os peruanos devemos estar preocupados com o que está ocorrendo, e por isso as pessoas saíram às ruas. A renúncia de Merino de Lama pode ser um passo para recuperar nossa democracia”.

Além dos mortos, a violenta noite de sábado também terminou com mais de 90 manifestantes feridos e 20 pessoas cujo paradeiro é desconhecido, segundo a secretaria de Direitos Humanos. De acordo com a Associação Nacional de Jornalistas, também foram registradas agressões a 30 profissionais da imprensa.

Os manifestantes que foram às ruas peruanas levaram cartazes em que afirmam que a vacância de Vizcarra foi “um golpe” e que “Merino não é meu presidente”.

Além de gás lacrimogêneo, as forças de segurança usaram tanques do Exército para vigiar as ruas do centro, bloqueadas para o trânsito. A capital do país, Lima, está sob toque de recolher devido à pandemia de coronavírus, mas os manifestantes não estão respeitando a medida e continuam nas ruas.

A ONG Anistia Internacional chamou a atenção para os abusos na repressão dos protestos, dizendo em um comunicado que o “uso excessivo da força não é necessário” nesse caso, uma vez que as manifestações têm sido pacíficas.

A OEA (Organização dos Estados Americanos) afirmou que enviará uma missão na semana que vem a Lima, a pedido do novo governo peruano, para avaliar a situação de tensão social e política que vive o país.

Na quarta-feira (11), a OEA pediu que o Tribunal Constitucional do Peru se pronunciasse sobre a legalidade do processo contra Vizcarra. Em comunicado, afirmou que “reitera que compete ao Tribunal Constitucional do Peru pronunciar-se sobre a legalidade e a legitimidade das decisões institucionais adotadas”.

Solicitou também que sejam garantidas as condições para as eleições presidenciais convocadas para 11 de abril do ano que vem.

As pesquisas de intenção de voto mostram que a maior porcentagem corresponde aos que não têm preferência por nenhum candidato. Segundo levantamento do Instituto de Estudos Peruanos, essa opção é escolhida por 27% dos eleitores. Em segundo lugar está o ex-jogador de futebol George Forsyth, prefeito da cidade de La Victoria (23%). Depois dele vêm a esquerdista Verónika Mendoza (9,15%) e Keiko Fujimori (8%), filha do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000).

A atual instabilidade política começou a se desenhar com as eleições de 2016. O pleito terminou com uma vitória apertada de Pedro Pablo Kuczynski ante Keiko Fujimori, líder do partido Força Popular.
Desde o começo de sua gestão, PPK, como ele é conhecido, teve dificuldades para governar, porque o Congresso tinha uma maioria fujimorista determinada a colocar obstáculos à sua governabilidade.

Depois de uma sequência de afastamentos de ministros e do primeiro-ministro, a bancada fujimorista começou a propor a destituição do próprio PPK devido à então suposta ligação dele com o escândalo da Odebrecht -hoje, PPK está em prisão domiciliar e enfrenta processo devido ao caso.
PPK se livrou da primeira moção de vacância ao prometer um indulto a Fujimori, preso por corrupção e por crimes de lesa humanidade, perdão que depois foi revertido pela Justiça.

Depois, o Congresso marcou uma nova votação para seu afastamento, mas PPK renunciou antes. O cargo, então, ficou com um de seus vice-presidentes, Martín Vizcarra, que atuava então como embaixador no Canadá.

Vizcarra enfrentou os mesmos problemas que PPK na relação com o Legislativo e acabou usando um recurso legal da Constituição para destituí-lo. Em janeiro deste ano, um novo Congresso foi eleito, com os partidos fragmentados e o fujimorismo tendo perdido a maioria.

Isso, porém, não significou uma melhora nas condições de governabilidade. Surgiram contra Vizcarra duas acusações de corrupção, que estão sendo investigadas pela Procuradoria.

Uma diz respeito ao favorecimento em contratações pelo governo de um músico e compositor amigo seu, Richard Swing. A outra se refere a um suposto suborno que teria sido recebido por Vizcarra quando foi governador do estado de Moquegua (2011-2014).

Vizcarra escapou do primeiro pedido de impeachment, há dois meses, mas não do segundo. Ao apresentar sua defesa, na manhã da última segunda-feira (9), o então presidente mostrou-se agressivo com os parlamentares, afirmando que a maioria deles enfrentava também processos de corrupção e que nem por isso estavam sendo afastados.

A irritação dos parlamentares com Vizcarra foi se mostrando evidente, e ele acabou sendo destituído.