Conheça a jovem verde que lidera a corrida para suceder Merkel
Escolhida para concorrer pelo Partido Verde, Annalena Baerbock supera concorrentes homens mais experientes em pesquisas recentes
Ela já ganhou medalhas de bronze como atleta de cama elástica, conquistou recentemente a prata na política e acaba de largar para o topo do pódio. Nas eleições federais alemãs, em setembro, Annalena Baerbock quer suceder a primeira-ministra Angela Merkel na chefia do maior país europeu.
“Eu venho do esporte: se não tiver a pretensão de vencer o favorito quando for vice-campeão, não preciso nem competir”, resumiu a recém-apontada candidata da Aliança 90/Os Verdes a chanceler (o equivalente alemão a primeiro-ministro). Além de ambição, ela tem os números a seu favor.
Em pesquisa do instituto Forsa realizada na última quarta (21) para emissoras de TV, 28% dos alemães disseram que votariam nela se a eleição fosse neste domingo.
Única mulher entre os principais concorrentes ao governo, Annalena, 40, superou na sondagem seus dois rivais à direita e à esquerda, ambos políticos homens, mais velhos e experientes —o conservador Amir Laschet, 60, da União (CDU-CSU), e o social-democrata Olaf Scholz, 62, do SPD.
No levantamento, eles receberam 21% e 13% das intenções de voto, respectivamente.
O desempenho dos Verdes mostra que, apesar do prestígio e da popularidade de Merkel, a política e a sociedade mudaram nos 16 anos em que ela chefiou a Alemanha. A mudança climática passou a ser uma das principais preocupações europeias —mais de 9 entre 10 a citaram como prioritária no Eurobarometro em 2020—, aproximando o eleitorado das plataformas ambientalistas.
Em paralelo, os Verdes souberam amadurecer internamente, superando fraturas internas, ampliando sua plataforma para temas econômicos e sociais e avançando de forma pragmática.
Conectados em toda a Europa, estão em coligações governistas de seis países (Áustria, Bélgica, Finlândia, Irlanda, Luxemburgo e Suécia) e conquistaram 73 dos 705 assentos na última eleição para o Parlamento Europeu, uma fatia 50% maior que a do mandato anterior.
Na Alemanha, a sigla ultrapassou seu apelo aos eleitores mais jovens e, desde 2004, conquistou com força a faixa entre 49 e 59 anos. De 9% dos votos na eleição de 2017, os Verdes saltaram para mais de 20%, ultrapassando o SPD e se consolidando como segunda força partidária.
Uma diferença cada vez menor em relação à líder União levou os Verdes a indicarem pela primeira vez em seus 41 anos de história um candidato a premiê. Ainda faltam cinco meses para o pleito, mas se a ex-atleta mantiver a vantagem, ela se tornará a mais jovem primeira-ministra da história do país.
Conheça sete aspectos que devem influenciar a campanha.
1. Mentalidade esportiva
A atuação em competições de cama elástica na infância e na adolescência não é apenas um detalhe interessante na biografia de Annalena (pronuncia-se analina), mas um aspecto essencial de sua formação.
Comparações entre os dois campos são recorrentes em suas entrevistas, em geral revelando ambição, foco e tolerância à pressão. “O esporte competitivo me ensinou uma coisa: se você se contenta de não ter conquistado medalhas, geralmente é eliminado na fase preliminar. Portanto, estou ansiosa por uma intensa campanha eleitoral”, disse ela após sua indicação.
No ano passado, ao comentar as eleições deste ano, ela afirmou sentir uma “tensão positiva”. “É como no esporte: há muito a ganhar e muito a perder. Você não deve competir sem uma certa tensão básica.”
Além dos saltos, Annalena jogou futebol quando fez intercâmbio nos EUA, aos 16 anos, e diz que o esporte foi fundamental para se integrar quando não dominava o inglês. “É por isso que o esporte continua sendo uma questão social tão central para mim, porque é extremamente importante para a coesão.”
2. De pais para filhas
Filha de um engenheiro mecânico e de uma pedagoga que atuava em assistência social, Annalena cresceu em uma fazenda de beterrabas sacarinas na Baixa Saxônia, com duas irmãs e seus tios e dois primos. Essa infância “entre pessoas realistas e diretas”, diz ela, moldou sua preferência pela franqueza.
Dos pais veio também o exemplo ativista. Eles a levavam a manifestações, como os atos antinucleares de Gorleben, e na escola ela se mobilizou para cancelar festas de Carnaval em protesto à guerra do Iraque.
Seu plano, porém, era ser correspondente de guerra. Colaborou para o jornal Hannoversche Allgemeine Zeitung, para a Rádio da Alemanha do Norte e para a Agência de Imprensa Alemã, até que estágios na entidade de direitos humanos Conselho da Europa e no Parlamento Europeu a fizeram mudar de rumo.
Aos Verdes ela se associou em 2005. Demorou para formalizar a adesão porque acreditava ser necessário concordar com todos os pontos e com todas as vírgulas do programa. “Mas percebi que era possível ter ideias próprias e até mudar o partido, mesmo como um membro comum.”
Família e política continuaram ligadas em sua vida adulta: casou-se com o consultor político Daniel Holefleisch e teve duas filhas, nascidas em 2011 e 2015 e personagens frequentes de seus discursos.
No ano passado, ao criticar a política de educação, contou ter sofrido para conciliar trabalho em casa e maternidade, com escolas e creches fechadas durante a pandemia. Ao falar sobre metas climáticas, contou que sua filha mais nova era um bebê e estava em seu colo na sala em que Laurent Fabius, então ministro das Relações Exteriores da França, fez o anúncio formal do Acordo Climático de Paris.
Annalena tinha então 35 anos. Sua caçula terá essa mesma idade em 2050, ano para o qual o acordo estabeleceu suas metas. “Talvez então ela tenha filhos pequenos e eu serei avó. Nessa altura, precisaremos ter criado uma prosperidade sustentável.”
3. O papel da mulher
O fato de ser a única candidata entre homens pode parecer pouco relevante em um país governado há 16 anos por uma mulher, mas a participação feminina nos cargos com poder de decisão está longe de ser uma questão superada na Alemanha.
Menos de um terço dos deputados são mulheres e são raríssimos os postos de principal executivo ou membro de conselho ocupados por elas em corporações, diz Barbara Unmüssig, presidente da Fundação Heinrich Böll, um centro de estudos ligado ao Partido Verde.
Analistas dizem que Annalena deve atrair votos de várias gerações de alemãs, e pesquisas mostram uma afinidade das eleitoras com a coligação verde, que é manifestadamente feminista —a cota de candidatas verdes a deputadas, por exemplo, é de 60%, e uma mulher sempre participa da presidência do partido.
“Ela representa uma geração de mulheres que já não mais discute a importância de ampliar seu acesso ao poder, mas, sim, se considera capaz de obter e exercer esse poder e trabalha para isso”, afirma Unmüssig.
4. Paixão e técnica
Características complementares parecem explicar por que uma política até então quase desconhecida se tornou uma forte concorrente a governar o principal país europeu: Annalena é ao mesmo tempo uma oradora eloquente e uma workaholic obcecada por detalhes, segundo quem convive com ela.
São algumas das qualidades que a fizeram conquistar a quase unanimidade em sua sigla, de acordo com Unmüssig. Em 2018, quando foi eleita pela primeira vez para a presidência do Partido Verde, obteve 64% dos votos. Em 2019, foi reeleita, com 97,1%, um recorde na história da agremiação.
“Annalena é apaixonada e envolvente, mas também inspira seriedade e é capaz de escutar e ficar em silêncio quando precisa”, descreve a presidente da Fundação Heinrich Böll, que já trabalhou ao lado dela.
Ulf Poschardt, editor-chefe do grupo Welt —que edita o jornal de centro-direita Die Welt—, a comparou com a primeira-ministra Angela Merkel: “Mais obstinada, mais dura e também mais reservada do que a maioria das pessoas supõe”. Colegas de partido a descrevem como alguém que prefere críticas honestas e propostas de ação a elogios bajuladores ou discursos vagos. “É uma mulher combativa e focada que sabe exatamente o que queremos”, afirmou seu par na presidência do partido, Robert Habeck.
5. Nem de direita nem de esquerda
Alguns rotulam o Partido Verde alemão como centro-esquerda, e Annalena já foi descrita como centrista, mas a candidata a primeira-ministra considera ultrapassada e inadequada essa régua. Suas políticas, diz ela, são “progressistas, baseadas na ideia de uma sociedade aberta, diversificada e sustentável”.
Habeck, copresidente da sigla, escreveu em 2016 que o eixo político esquerda-direita está caminhando para um novo espectro que mede o quanto o partido é mais ou menos permeável à sociedade. Para a candidata a premiê, essa é uma das vantagens do Partido Verde na eleição de setembro. “Nossa sociedade é mais progressista do que sua política”, disse ela.
6. A inexperiência como virtude
“Defendo a renovação. Outros defendem o status quo”, disse Annalena após aceitar a indicação. É um bordão que deve ser repetido sempre que os adversários a atacarem por não ter experiência de governo.
Outro argumento é o de que mesmo políticos muito experientes, como a própria Merkel ou o rival Laschet, têm sido criticados por uma gestão errática no combate à Covid-19, enquanto líderes há menos tempo no poder como Jacinda Ardern, na Nova Zelândia, mostraram-se prontas a agir e foram bem-sucedidos.
“E ela não estará sozinha. O partido tem quadros com experiência de governo em vários níveis”, afirma Unmüssig. Os Verdes estão atualmente nas coligações governantes de 11 dos 16 estados alemães e já fizeram parte do governo federal de 1998 a 2005, como parceiros minoritários dos sociais-democratas.
Mas ela também fez a lição de casa, segundo a presidente da Fundação Heinrich Böll. “Candidatos verdes constantemente são questionados sobre ‘como’ pretendem implantar seu programa de governo. Annalena sabe exatamente o que responder. Ela passou os últimos dois anos se reunindo com empresários, sindicatos, mineiros e discutindo como é possível avançar no combate a mudanças climáticas sem comprometer emprego e crescimento econômico”.
7. O fantasma elitista
Os Verdes deixaram para trás na última década o rótulo de radical e antissistema e se tornaram canal de expressão de uma boa parcela das elites urbanas, da qual Annalena é quase um avatar: pró-União Europeia, fluente em inglês, bem formada e cosmopolita.
A guinada ampliou seu alcance, mas escancarou uma vidraça para a extrema direita, que acusa as políticas de proteção ambiental de atender apenas às classes altas e prejudicarem os mais pobres e o setor rural. “As pessoas que votam nos Verdes podem pagar por um alívio à sua consciência culpada, porque são os que mais prejudicam o ambiente”, atacou o deputado da ultradireitista AfD Karsten Hilse.
Annalena, porém, está atenta a esse risco desde os protestos dos coletes amarelos na França, após a criação de um imposto sobre combustíveis, em 2018. “Não podemos salvar o clima à custa da justiça social. Olhamos para os coletes amarelos com muito cuidado para não cairmos na mesma armadilha.”
Embora a proteção ao clima seja cláusula pétrea do programa dos Verdes, ela prometeu políticas que ofereçam alternativas a comunidades rurais, trabalhadores da indústria e famílias de baixa renda.
O objetivo do partido é descolar da imagem de representante dos “vencedores da globalização”, interna e externamente. A sigla ainda é predominantemente branca, mas 15% de seus delegados descendem de imigrantes, a segunda maior fatia, depois da legenda A Esquerda.
Mais igualdade social é também um tema de conflito entre eleitores das Alemanhas ocidental (onde ela nasceu e se criou) e oriental (onde vive hoje com sua família). “Temos que criar condições de vida iguais. Assistência médica, piscinas, creches e escolas, ligações de ônibus e trem, redes de fibra ótica —se pararmos de investir aqui, corre-se o risco de uma próxima cisão”, diz. Essas disparidades, segundo ela, estão na raiz do crescimento do que os Verdes consideram seus principais inimigos: os extremistas de direita. Combater a imagem de elitista é, por isso, mais que estratégia eleitoral, afirmam seus partidários.
Por fim, os Verdes devem ter na política de defesa e segurança um de seus principais pontos de atrito com os conservadores, segundo Thorsten Benner, diretor do centro de estudos independente GPPi (sigla de Global Public Policy Institute), de Berlim. “Depois de 16 anos na oposição, os verdes agora têm algumas das melhores vozes da Alemanha sobre política externa e não têm falta de ideias”, afirma.
“Mas no cerne da política de segurança, eles estão fundamentalmente fora de sintonia com os principais aliados da Alemanha”, escreveu Benner em análise sobre a campanha.