SUPERANDO ADVERSIDADES

Coronavírus faz cliente procurar sexo com máscara em Amsterdã

O mercado não tem números precisos, mas chegam a 200 mil por ano os clientes que irrigam um setor legalizado e estritamente regulado, com tributação alta e modelos de negócio diversos

“Os clientes agora querem fazer sexo de máscara e sem contato físico. Trazem as próprias toalhas. A tempestade chegou aqui”, queixou-se Eni (nome fictício), na terça-feira (10). O tempo fechou sobre o mais famoso e organizado mercado de prostituição do mundo, o Distrito da Luz Vermelha, em Amsterdã (Holanda), depois de a Itália decretar quarentena em todo o país por causa do coronavírus.

A medida espalhou o medo de contágio pelo Ocidente e atingiu em cheio um negócio que depende fundamentalmente de proximidade física.

De um dia para outro, rarearam os turistas que apinhavam a região do canal Achterburgwal, com suas 288 vitrines nas quais até 400 mulheres (cerca de 15%, transexuais) se oferecem diariamente, emolduradas por neon vermelho -de onde vem o nome do bairro, embora hoje em dia a cor da luz possa ser trocada à escolha, em um interruptor digital.

O mercado não tem números precisos, mas chegam a 200 mil por ano os clientes que irrigam um setor legalizado e estritamente regulado, com tributação alta e modelos de negócio diversos.

As prostitutas (ou trabalhadoras do sexo, como preferem) das vitrines são autônomas. Alugam quartos de empresas licenciadas e responsáveis por garantir higiene, ausência de drogas e estrutura mínima – botão de emergência nas salas e presença de segurança durante o funcionamento, entre outras exigências.

Há desde firmas familiares, com duas ou três janelas, até companhias com 50 vitrines. O aluguel varia com a rua, a visibilidade (térreo ou andares superiores), o período do dia e o tempo de ocupação. No dia em que a tempestade chegou, Eni alugara uma das 14 vitrines da My Red Light, ONG sem fins lucrativos criada há três anos por um grupo dedicado a estudar políticas públicas para trabalhadores do sexo.

Pelo turno do dia (das 10h às 19h), o mais barato, pagou € 90 (cerca de R$ 500). Das 20h às 5h, o preço quase dobra (€ 170), e no horário nobre (das 16h às 3h) custa € 225. Ou custava.

Com a escassez de clientes, a My Red Light reduziu os preços ao longo da semana, relata o porta-voz da ONG, Lyle Muns, 26. Pagar os custos e sair com lucro exige cerca de duas horas de atendimento -sem tabelamento, os programas costumam partir de € 50 por sessão de 15 minutos e encarecer de acordo com o serviço combinado. Naquela terça, Eni contou que duas de suas colegas de turno não atenderam nem um só cliente.

Apesar do avanço da pandemia pela Europa, a atividade continuava permitida, desde que profissional e cliente não tivessem sintomas da doença, diz Muns. Há oito anos garoto de programa (atividade que pretende deixar neste ano, em que termina seu mestrado em ciências sociais), ele atende em casa a clientes que agenda pela internet, o que reduz custos, mas aumenta a insegurança.

Uma solução tem sido discutida entre a categoria e o poder público municipal, que quer reduzir o número de casas de sexo no bairro central. Em outra área da cidade, uma nova zona teria quartos reservados online e alugados por hora, o que atenderia melhor a esse modelo de trabalho.

O esquema de trabalho é mais flexível, mas os garotos de programa avulsos se enquadram na mesma categoria de autônomo e seguem a mesma regra tributária, que cobra dos trabalhadores do sexo a mais alta alíquota de IVA: 21% sobre o preço do serviço.

Como não dão nota fiscal, devem informar o faturamento ao fisco e recolher o tributo mensalmente. A mesma alíquota é cobrada de agências de acompanhantes e clubes privês (que, em vez de alugar quartos, cobram porcentagem da receita dos programas).

Ainda que tenha direitos e deveres estabelecidos em lei, a categoria está mais vulnerável a uma crise provocada pelo coronavírus, diz Muns. “Qualquer autônomo pode fazer seguro que cubra perda abrupta de renda. Mas é impossível para trabalhador do sexo”, diz.

Se no curto prazo há muita incerteza para os ocupantes do Distrito da Luz Vermelha, o executivo da ONG diz que é preciso olhar mais longe. Como em outros serviços, o mercado do sexo está migrando para a internet, o que aumenta o risco de perder proteção da saúde e da segurança públicas e da legislação trabalhista.

Para Muns, a solução é criar um novo centro erótico digital regulamentando um “Airbnb sexual”. “É nessa direção que o setor se move. A era de outro das ruas acabou.”