Covid-19 provocou apagão em tratamento de saúde mental, indica OMS
Pandemia afetou serviços em 93% em 130 países, enquanto demanda cresceu; governos devem se prevenir para próximos meses, diz entidade
Luto, isolamento, perda de renda e medo durante a pandemia do novo coronavírus trouxeram novos problemas de saúde mental e agravaram os que já existiam, num momento em que o atendimento era reduzido ou interrompido em 93% dos países do mundo, indica pesquisa divulgada nesta segunda (5) pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
O relatório não traz resultados por país, mas a interrupção em ao menos algum serviço de atendimento à saúde mental atingiu 100% entre os países das Américas.
“Este foi um aspecto esquecido da primeira onda, e os governos precisam se preparar para evitar mais sofrimento nos próximos meses”, afirmou a diretora do departamento de Saúde Mental e Uso de Substâncias da OMS, Dévora Kestel.
Níveis elevados de uso de álcool e drogas, insônia e ansiedade estão entre os problemas específicos que ficaram sem atenção. Nos casos mais graves, a interrupção no tratamento eleva casos de suicídio ou mortes por overdose de opióides, afirmou Kestel.
Embora não haja dados quantitativos sobre vítimas, mais de um terço dos países (35%) relatou interrupções nas intervenções de emergência, incluindo aquelas para pessoas que tiveram convulsões prolongadas, síndromes de abstinência por uso de substâncias graves e delírio, que geralmente indicam condição médica séria.
Na Itália, médicos divulgaram um alerta de que, desde março, houve 71 casos de suicídio e 46 tentativas que foram relacionadas aos efeitos da pandemia.
Com o fechamento das escolas na maioria absoluta dos países, serviços de saúde mental nas redes de ensino foram os mais afetados. Impacto no atendimento a crianças e adolescentes foi relatada por 78% dos países, em 7 em cada 10 deles tiveram interrupção total dos serviços antes realizados nas escolas.
Além dos efeitos indiretos na saúde mental, a infecção pelo Sars-Cov-2 também causa complicações neurológicas e mentais, como delírio, agitação e derrame, aponta a entidade.
Há também impacto econômico. Segundo a OMS, cerca de US$ 1 trilhão (cerca de R$ 5,7 trilhões) era perdido anualmente apenas com depressão e ansiedade antes da pandemia de Covid-19.
A pesquisa foi realizada de junho a agosto de 2020, entre 130 países nas seis regiões da OMS. Kestel afirmou que, como o levantamento foi feito por meio de questionários respondidos pelos ministérios da saúde, os resultados podem revelar um quadro parcial.
“A abrangências das informações depende de quanta informação cada governo central tem sobre as diferentes regiões e serviços”, disse ela.
Os países foram questionados sobre dez tipos de atendimento, incluindo tratamento em hospitais psiquiátricos para pacientes internos e externos, serviços ambulatoriais, internação psiquiátrica e neurológica, tratamento de transtornos por uso de substâncias e atenção primária à saúde.
Atendimento remoto foi uma solução adotada para compensar o impacto nos serviços, mas ela se concentrou nos países mais desenvolvidos.
Mais de 80% dos países de alta renda relataram a oferta de telemedicina e teleterapia para preencher lacunas na saúde mental; nos de baixa renda, menos de 50% implantaram a opção.
Uma das dificuldades para evitar novas falhas nos próximos meses, segundo Kestel, é que apenas 17% dos países relataram financiamento adicional para tratamentos de saúde mental e o apoio psicossocial como resposta aos impactos da Covid-19.
Antes da pandemia, já havia “subfinanciamento crônico”, segundo a OMS: os países gastavam menos de 2% de suas verbas de saúde para prevenir ou tratar distúrbios mentais. A área recebia também menos de 1% da ajuda internacional destinada à saúde.
Segundo a OMS, estudos mostram que cada US$ 1 gasto em tratamento de depressão e ansiedade produz um ganho de US$ 5, ao reduzir perdas de produtividade e evitar problemas mais sérios.
No próximo sábado (10), a OMS fará um evento online para estimular mais investimentos em saúde mental como resposta aos danos da pandemia de Covid-19.
Entre os participantes estão o goleiro brasileiro Alisson Becker, do Liverpool, Talinda Bennington, víuva do vocalista do Linkin Park, Chester Bennington, e a mãe de Lady Gaga, Cynthia Germanotta, presidente da fundação Born This Way, criada em 2012 pela cantora para “apoiar o bem-estar mental e emocional dos jovens”.