Crise climática pode fazer desaparecer de cidades até países inteiros
Uma tela totalmente azul, salpicada por alguns pontinhos. É esse o resultado quando se busca Tuvalu no…
Uma tela totalmente azul, salpicada por alguns pontinhos. É esse o resultado quando se busca Tuvalu no Google Maps. O país é formado por nove ilhas, no meio do Pacífico, e tem uma população menor do que muitos bairros brasileiros: não chega a 12 mil habitantes, que estão na linha de frente da crise climática.
Esse arquipélago, formado ao longo de milhões de anos por corais e erupções vulcânicas, está, em média, a menos de 2 metros acima do nível do mar. É um lugar que pode sumir se o mundo não reduzir as emissões de gases de efeito estufa, fazendo com que o nível do mar aumente e as previsões mais catastróficas dos cientistas se concretizem.
“Eu quero que a minha cultura se mantenha. Quero que a minha língua sobreviva. Quero que os meus filhos cresçam lá. Não quero que eles migrem para outros lugares porque Tuvalu é a minha casa”, diz o jovem ativista Bernard Ewekia, 25. Ele, que prefere ser chamado de Kato, faz parte do Fridays for Future, movimento mundial encabeçado pela sueca Greta Thunberg.
“Nós estamos sofrendo com as mudanças climáticas agora mesmo, todos os dias. Todos os dias nós vemos o avanço do nível do mar que chega por baixo da terra”, conta.
Além da erosão nas praias, que vão fazendo as ilhas ficarem cada vez menores, o oceano também invade a terra firme pelo subsolo. Isso causa enchentes e apodrece plantações, que não resistem à água salgada. Com uma economia baseada na pesca e na agricultura de subsistência, as ondas também podem levar o modo de vida dessas pessoas.
Para escancarar essa situação, o ministro de relações exteriores do país, Simon Kofe, discursou em um palanque dentro do mar. A gravação do pronunciamento foi exibida em novembro na COP26, a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas).
“Nós não podemos esperar por discursos quando o nível do mar está subindo ao nosso redor o tempo todo”, afirmou. “Nós estamos afundando, mas todo mundo também está”.
Tuvalu não é a única vítima em potencial do avanço dos oceanos. “Existem muitos países insulares —principalmente no Pacífico, mas também no Caribe— onde um aumento do nível do mar de, digamos, 1,7 a 2 metros pode fazer ou que o país desapareça por completo, porque são ilhas relativamente rasas e pequenas, ou com que a vida se torne absolutamente inviável, basicamente fazendo desaparecer uma nação por completo”, explica o professor do Instituto de Física da USP, Paulo Artaxo, que faz parte do IPCC (Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas) da ONU.
O nível do mar aumenta por dois motivos: o primeiro é a dilatação da água, que ganha mais volume à medida que o planeta e os oceanos esquentam. A outra causa é o derretimento das geleiras continentais.
“O gelo que está armazenado nos Andes, nos Himalaias ou na Groenlândia, ao derreter, ele escoa para o oceano e aumenta o nível do mar significativamente”, aponta o pesquisador. Este é um fenômeno irreversível: uma vez que um quilômetro cúbico de gelo da Groenlândia derrete, não existe nenhuma maneira conhecida pela ciência para congelar essa água e levá-la de novo ao lugar de onde veio.
Segundo Artaxo, o mar já subiu, em média, 24 centímetros desde o início do século passado. O que pode parecer pouco, mas essa taxa está acelerando. “Hoje, nós já temos um crescimento da ordem de três a quatro centímetros a cada década, o que é muita coisa”.
“Essas ressacas, essas grandes tempestades estão aumentando de frequência e de intensidade, inclusive destruindo infraestrutura em áreas costeiras, como a gente vê nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco. Tem enormes áreas que estão sendo destruídas pelo aumento de grandes tempestades associadas com o mar”, diz.
As Filipinas são hoje o quarto país mais vulnerável à crise do clima, segundo um ranking da ONG Germanwatch. A capital, Manila, uma cidade de 1,7 milhões de habitantes, pode sumir em 30 anos por causa do aumento do nível do mar.
“Só de ter medo de me afogar no meu próprio quarto já é uma ansiedade climática e um trauma que ninguém deveria experimentar”, conta a ativista filipina Mitzi Jonelle Tan. “Ninguém deveria crescer em um mundo onde se tem medo de não ter um futuro”.
O que deixa a situação ainda mais trágica é a maioria dos lugares atingidos pelo aumento do nível do mar são países em desenvolvimento, que não têm dinheiro suficiente para lidar com o tamanho do estrago.
“A falta de capacidade econômica é um fator de vulnerabilidade, porque significa que o país não vai ter infraestrutura urbana, civil, para conter os eventos climáticos extremos”, afirma a advogada ambiental Caroline Prolo, uma das negociadoras que representam os países menos desenvolvidos na ONU.
Ela explica que isso acaba sendo um freio ao desenvolvimento destas nações e dá como exemplo o Haiti. “Nem dá tempo, muitas vezes, [do Haiti] se recuperar de um evento desses e já tem um outro acontecendo. Então, um problema desses países é que eles estão sempre tendo que se reconstruir a partir desses fenômenos”.
Um acordo firmado na COP26, em Glasgow, determinou que o fundo para adaptação às mudanças climáticas vai ser dobrado. Esse foi considerado um dos principais avanços desta edição da conferência –ainda que financiamento seja um processo longo, burocrático e complicado.