Duelo Trump x Biden nesta terça é apontado como decisivo para o mundo
Analistas, eleitores e os próprios candidatos veem disputa como existencial; pleito é comparado à eleição de Roosevelt, que inaugurou a era do New Deal, e até de Lincoln, que deu início à Guerra de Secessão
A disputa pela Casa Branca entre o republicano Donald Trump e o democrata Joe Biden será a eleição americana mais importante das últimas décadas. Cientistas políticos, eleitores e os próprios candidatos afirmam que o resultado da votação, que termina nesta terça-feira, trará consequências mais definidoras para o futuro dos Estados Unidos do que todas as disputas anteriores dos últimos 60 anos.
— Esta é certamente a eleição mais importante dos EUA em tempos recentes, porque ela não diz respeito tanto a pessoas quanto a sistemas. Os americanos estão escolhendo entre o Estado de Direito e o desmando de um homem, entre democracia e autoritarismo — disse Timothy Snyder, professor de História na Universidade Yale.
O autor dos best-sellers “Na contramão da liberdade” e “Sobre a tirania”acredita que, se Trump perder, tentará ficar no poder, e isso é “território novo para os americanos”:
— Esta eleição será um teste para os americanos porque ela será provavelmente apenas o começo e não o fim de uma disputa por poder.
Risco à estabilidade global
A análise de que estas eleições marcam um momento crítico na História americana é compartilhada por Alan Abramowitz, especialista em eleições da Universidade Emory. Para ele, o pleito terá um impacto excepcional no sistema democrático da maior economia do mundo:
— Esta é a eleição mais importante dos últimos 60 anos com certeza.
O cientista político Ian Bremmer afirma que esta eleição é a mais importante dos últimos 150 anos, mas acredita que a principal razão disso tem menos a ver com o futuro da democracia do que com temas conjunturais, como a pandemia da Covid-19.
— Esta é certamente a eleição mais importante de nossas vidas — diz o presidente da consultoria de risco político Eurasia, que acredita que as eleições de 1876 tiveram impacto profundo por terem dado início ao processo de segregação do Sul dos EUA.
As diferentes abordagens em relação à pandemia — Bremmer acredita que Biden imporia a obrigatoriedade de máscaras nacionalmente e negociaria um pacote de ajuda financeira maior do que o republicano — já significariam que a eleição será mais definidora do futuro do país do que disputas anteriores.
A legitimidade das eleições também deve ser contestada por boa parte dos eleitores, independentemente de quem ganhe. Em Washington, edifícios já instalam tapumes para proteção caso ocorram protestos. Isso também traz caráter inédito à disputa atual.
— As pessoas acham que vão roubar as eleições. Estão planejando ter observadores informais, podemos ver violência, instabilidade social, Trump pode não entregar o poder, Trump pode contestar as eleições. O próprio processo eleitoral é incerto neste ambiente — afirmou Bremmer.
Em janeiro deste ano, a Eurasia classificou as eleições nos EUA como o maior risco à estabilidade mundial:
— Nunca tivemos um risco interno nos EUA como o número um em 23 anos da empresa. Isso já é bastante — disse Bremmer, lamentando que o sistema político americano tenha deixado de ser uma inspiração para o mundo.
O declínio da confiança nas instituições americanas foi posto no centro das discussões sobre a excepcionalidade das eleições deste ano. Bremmer concorda que houve erosão das instituições nacionais, incluindo da mídia, da burocracia estatal e do Legislativo, que teriam ficado mais corruptas e menos transparentes. Ainda assim, o analista diz que situar a disputa em termos de sobrevivência da democracia nos EUA é um exagero.
— Não gosto quando escrevem que este pode ser o fim da democracia americana, que podemos nos tornar uma república de bananas, que haverá violência por todo o país, que estamos perto do autoritarismo, que tudo entrará em colapso. Nada disso é verdade.
‘A maior de nossa vidas’
Os eleitores também apostam em uma eleição sem precedentes. A grande maioria dos americanos, 70%, acredita que esta é a eleição mais importante de suas vidas, de acordo com pesquisa da YouGov. Quanto mais velhos, mais eles têm certeza da excepcionalidade: 82% daqueles com mais de 55 anos afirmam que esta é a eleição mais importante de suas vidas. Proporções similares de republicanos e democratas sustentam a afirmação.
Entre os apoiadores do presidente, o principal motivo para temer pelo futuro do país é o medo de uma ameaça socialista caso Joe Biden seja eleito.
— Nós sentimos que o processo democrático está desequilibrado, está direcionando todos para uma versão mais comunista dos EUA e nós não somos comunistas, somos um país livre e queremos manter nossa liberdade — disse Linda Stein, que protestava do lado de fora de um comício do ex-presidente Barack Obama na última terça-feira em Orlando, na Flórida.
Muitos eleitores de Trump veem nos democratas pessoas que rejeitam a cultura e a História do país.
— Trump é a favor dos Estados Unidos. Todos os outros caras são contra. Obama é contra os EUA. Todos eles são. Odeiam os EUA — diz Hank Smith, 84, eleitor de Woxall, Pensilvânia, para quem Biden é uma marionete do partido. — É bom que Trump ganhe, ou teremos encrenca. Os democratas são todos socialistas.
Os próprios candidatos, do seu lado, colocaram a disputa em termos existenciais.
— Está é a eleição mais importante de nossas vidas — disse Biden em 12 de outubro, em Ohio. — Não porque estou concorrendo, mas pelo que está em jogo. O próximo presidente determinará não só como serão os próximos quatro anos, mas como será a próxima década ou além, por existirem diferenças tão fundamentais entre nós.
A escolha de palavras de Donald Trump não foi tão diferente da de seu rival.
— Tudo que conquistamos corre perigo. Esta é a eleição mais importante na História do nosso país — disse o presidente no final de agosto, na Convenção Republicana. — Nunca antes os eleitores foram colocados diante de duas escolhas mais claras, entre dois partidos, duas visões, duas filosofias, duas agendas. Esta eleição vai decidir se salvamos o sonho americano ou se permitiremos que uma agenda socialista possa demolir o nosso estimado destino.
Justamente pelo fato de ser do interesse das campanhas defender que este é um momento definidor para os EUA é que David Karol, especialista em instituições políticas da Universidade de Maryland, é cético sobre o significado extraordinário da disputa.
— As pessoas dizem isso em todas as campanhas. A razão pela qual mais pessoas estão dizendo isso agora é porque muitos dos opositores de Trump acreditam que ele tem tendências autoritárias, que não está comprometido com o Estado de Direito — diz o professor, que concorda em parte e diz que há motivos válidos para preocupação, apesar de não querer ser alarmista.
As eleições de 1860, que levaram Abraham Lincoln ao poder e resultaram na Guerra Civil e no fim da escravidão; de 1932, que elegeram Franklin Delano Roosevelt e deram início a uma nova era na política socioeconômica com o New Deal, além de levarem os EUA à aliança contra o nazifascismo que consolidou sua liderança global; e de 1964, depois das quais Lyndon Johnson sancionou a Lei do Direito de Voto, procurando reduzir travas que até então coibiam o voto dos negros, foram tão importantes quanto as atuais para Karol.
O professor, no entanto, acredita que Trump não conseguiria levar adiante muitos de seus projetos.
— Se o presidente for reeleito, certamente não terá a maioria no Congresso que Lyndon Johnson teve para conseguir implementar sua agenda.
Apesar das ressalvas, o professor concorda que há muito em jogo nestas eleições.
— Só o fato de que tenho que olhar para a História para procurar outros exemplos sugere que esta é uma eleição muito importante, mesmo que provavelmente não seja a mais importante da História americana.