Saúde

‘É errado pensar que o obeso se empanturra. Basta exceder 100 calorias por dia para ganhar 4,5 quilos no ano’, diz médica

A especialista em obesidade da Universidade de Oxford, Cecilia Lindgren, fala do papel da genética no ganho de peso e na falta de importância na conta de calorias

Foto: Reprodução

Toda vez que a geneticista Cecilia Lindgren faz uma palestra sobre obesidade, ela conta que alguém na plateia levanta a mão para sugerir que a solução é simples e fácil: comer menos. Depois, mais um voluntário de plantão costuma acrescentar um comentário pejorativo: gente gorda é simplesmente gente preguiçosa, sem força de vontade para não se empanturrar de besteiras. Lindgren, diretora do Big Data Institute da Universidade de Oxford, Reino Unido, reprova essa ideia geral que as pessoas têm sobre quem é obeso.

Através de estudos, sua equipe identificou uma infinidade de variantes genéticas associadas a uma maior predisposição ao acúmulo de gordura em diferentes partes do corpo. Somados a outros fatores como o ambiente que a pessoa frequenta, esses genes podem determinar o aparecimento da famosa “barriga de pochete” ou “barriga de cerveja”, explica Lindgren. A geneticista viajou até Reiquiavique, na Islândia, no dia 19 de maio, para dar uma conferência na sede da empresa local deCODE Genetics, ao qual o jornal “EL PAÍS” participou a convite da farmacêutica americana Amgen.

Veja as questões levantadas na entrevista com a pesquisadora:

Você acredita que a obesidade não é o resultado da falta de vontade de uma pessoa?

Não é.

Também não é uma escolha?

Não. Acho que ninguém escolheria ser obeso. Estudos genéticos nos dizem que a obesidade é regulada por sentimentos de saciedade e fome. Vivemos em um ambiente com excesso de calorias. Se você está com muita fome e não está satisfeito quando come, você vai comer mais em todas as horas. Há um equívoco de que são pessoas que apenas se sentam e se empanturram. Sempre há fotos de pessoas muito gordas comendo cinco hambúrgueres do McDonald’s, mas a verdade é que basta comer um excesso de 100 calorias por dia para ganhar cerca de 4,5 quilos por ano. Não parece muito, mas se você fizer isso por alguns anos, de repente estará em uma condição de obesidade. Então não acho que seja uma escolha.

Quantas variantes genéticas estão associadas à obesidade?

Atualmente conhecemos cerca de 3.000.

Então, não existe um gene da obesidade?

Não, não existe apenas um. O pesquisador Stephen O’Rahilly, da Universidade de Cambridge, investigou doenças causadas por apenas uma ou duas mutações graves em um gene, doenças nas quais os pacientes não conseguem parar de comer. É chamado de hiperfagia e é devido à interrupção da regulação neuroendócrina da saciedade e da fome. E é isso que vemos em outras pessoas, embora não seja de forma tão expressiva. Na minha equipe encontramos duas variantes em cerca de 6.400 pessoas no Reino Unido e cada variante representa um excesso entre 7 e 10 quilos no peso de um adulto.

É um número alto?

Falamos de um grande efeito em muitas pessoas. É importante ressaltar que não somos vítimas do nosso DNA, mas nascemos com uma predisposição. É essencial que essas pessoas saibam por que precisam se atentar nos cuidados para manter uma vida saudável.

Na sua área fala-se do ambiente obesogênico. O que é exatamente?

Um ambiente obesogênico é aquele em que há comida em todos os lugares e em todos os momentos. É um alimento não saudável e está sempre à mão, o que significa que se você está com fome, você acaba comendo mais. Na década de 1960, havia álcool e tabaco nas mesas dos quartos. Hoje nunca faríamos isso, porque sabemos que é um erro. Nos anos 2000 havia batatas fritas e bagels nas mesas. Agora as pessoas estão cada vez mais conscientes e há cada vez mais frutas e água mineral. Estão começando a entender que você não precisa ter comida em todos os lugares e em todos os momentos.

Comer 500 calorias de bananas é o mesmo que comer 500 calorias de sorvete?

Um grande cientista em Cambridge, Giles Yeo , escreveu um livro chamado “Por que as calorias não contam”. Eu não concordo completamente, mas está certo que se você colocar 500 calorias de banana em um prato e 500 calorias de sorvete em outro prato, as bananas pesariam cerca de cinco vezes mais que o sorvete. Eles não contam apenas as calorias, mas a quantidade de comida que você vai comer. Se você comer todas essas bananas, ficará satisfeito por muito mais tempo. Se você comer 500 calorias de sorvete, uma hora depois sentirá fome novamente. É muito rico em calorias, mas não sacia. Nos alimentos, o peso, a quantidade de fibras, a consistência e outros fatores também importam.

Obesidade infantil

À medida que as crianças ricas ficam mais magras, as crianças pobres ficam mais gordas. A lacuna na obesidade infantil está crescendo?

Depende dos países. A razão pela qual estou preocupado com a obesidade infantil é porque, como adulto, é difícil quebrar o ciclo e voltar ao peso ideal. E há uma grande discriminação contra pessoas com sobrepeso e obesidade. Um quarto dos profissionais de saúde acha que as pessoas obesas merecem menos tratamento. E um quarto dos professores acredita que as crianças obesas são menos inteligentes, por isso dão notas mais baixas, mesmo que se saiam bem nas provas e testes.

O índice de massa corporal desempenha um papel importante na condição socioeconômico?

Sim, existe uma forte correlação entre o nível socioeconômico e o índice de massa corporal. Crianças pobres são mais propensas a serem obesas. As pessoas pobres muitas vezes têm dificuldade de acesso a alimentos adequados. É muito caro comprar cereais, frutas e legumes, em comparação com a compra de alimentos altamente calóricos.

Se você tem pouca renda, você é mais propenso a ser obeso. E se você é obeso, é mais provável que tenha uma renda baixa?

Eu teria cuidado e diria que existe uma correlação, não que uma variável seja a causa da outra.

Um estudo com 120.000 participantes no Reino Unido, publicado em 2016, afirmou que pessoas com excesso de peso, especialmente mulheres, estão em desvantagem; e que as pessoas altas, especialmente os homens, levam vantagem. Qual a sua consideração?