Em seu primeiro discurso como rei, Charles III declara amor ao filho rebelde Harry
Em seu primeiro discurso como rei nesta sexta-feira, Charles III prometeu se inspirar em sua mãe, Elizabeth…
Em seu primeiro discurso como rei nesta sexta-feira, Charles III prometeu se inspirar em sua mãe, Elizabeth II, e declarou seu amor ao filho rebelde, o príncipe Harry. São os primeiros passos naquele que deve ser seu maior desafio: superar sua impopularidade para guiar a monarquia de Reino Unido cuja imagem e percepção de si foram por sete décadas indissociáveis daquela que comandava sua Coroa.
Em uma fala pré-gravada, Charles disse que sua “querida mãe” foi uma “inspiração e exemplo” para si e seus parentes, que devem a ela “a dívida mais profunda que uma família pode ter com sua mãe”. Afirmou também se inspirar na monarca para “renovar” sua promessa de serviço ao povo britânico:
— Sua dedicação e devoção como soberana nunca se abalou por tempos de mudança e progresso, por tempos de alegria e celebração, e por temos de tristeza e perda — disse ele. — Nos últimos 70 anos, vimos nossa sociedade se transformar em uma de muitas culturas e fés. As instituições de Estado mudaram. Mas, frente a todas as mudanças e desafios, nossa nação (…) prosperou e floresceu. Nossos valores permaneceram e devem permanecer constantes.
Após 73 anos de espera, mais do que qualquer outro monarca na História britânica, Charles prometeu “solenemente, durante o tempo restante que Deus me der, respeitar os princípios constitucionais no coração” do Reino Unido:
— E onde quer que você more, seja no Reino Unido, na Comunidade Britânica ou em territórios pelo mundo, e independentemente de sua história ou crenças, eu me empenharei para servir com lealdade, respeito e amor, como tenho feito por toda a minha vida — disse Charles, reconhecendo que sua vida vai mudar daqui para frente.
Enquanto Charles aguardava para chegar ao trono, o império britânico se esfacelou e as atrocidades cometidas em nome da monarquia em colônias distantes tornam-se um passado cada vez mais difícil de acobertar. Escândalos familiares abalaram a confiança e 15 primeiros-ministros foram e vieram. Nove de cada dez pessoas vivas nasceram no planeta durante a mais recente era elizabetana.
Dar continuidade à Coroa e separá-la da monarca, ou indicar como pretende fazê-lo quando o luto der lugar à rotina, seria um desafio para qualquer um, mas a baixa popularidade de Charles não deve ajudá-lo muito: segundo uma pesquisa feita pelo instituto YouGov no segundo trimestre, era aprovado por apenas 42% da população britânica.
A popularidade de sua mãe era de 75%. A de seu filho mais velho, William, 66%. A sua frente também aparecem sua nora, Catherine, sua irmã, Anne, e sua sobrinha mais velha, Zara. A pesquisa foi feita antes de Charles ser de fato promovido, e a expectativa é que a comoção nacional dê um impulso à sua imagem, ao menos temporariamente.
Os números, ainda assim, servem de alerta: não é à toa que há anos especula-se que Charles poderia abrir mão do trono em benefício de William. Com seus 40 anos recém-completados, três filhos pequenos e um casamento aparentemente estável, o novo rei não poupou palavras ao seu primogênito:
— Com Catherine ao seu lado, nossos novos príncipe e princesa de Gales vão, eu sei, continuar a inspirar e guiar nossos debates nacionais, ajudar a trazer o marginal para os holofotes onde ajuda vital pode ser dada — disse ele.
Entendidos de família real creditam os boatos de que a Coroa poderia pular uma geração a tabloides mal informados, já que abdicação era uma palavra impronunciável para a família: Elizabeth II nunca teria se conformado por completo com a decisão de seu tio, Edward VIII, que renunciou da Coroa. A responsabilidade caiu no colo de seu irmão caçula, George VI, da sua sobrinha e, agora, de seu sobrinho-neto.
A seu filho mais novo, Harry, Charles III destinou apenas uma pequena, mais significativa, frase:
— Quero expressar meu amor por Harry e Meghan enquanto continuam a construir suas vidas no exterior.
A relação do caçula com seu pai é notoriamente frágil desde 2020, quando o príncipe e sua mulher anunciaram que abandonariam suas funções reais e se mudaram para os Estados Unidos. Os atritos pioraram após uma explosiva entrevista no ano passado à apresentadora Oprah Winfrey, acusando integrantes da família real de racismo.
Harry disse abertamente que sua relação com o pai e o irmão desandou desde então, e Meghan nem sequer viajou a Balmoral junto com o marido para se despedir de Elizabeth II.
Um parente-problema ainda pior é seu irmão caçula, o príncipe Andrew, ignorado no discurso. Em fevereiro, o terceiro dos quatro filhos de Elizabeth II chegou a um acordo multimilionário com a advogada Virginia Giuffre, que o acusava de abuso sexual. A violação teria acontecido há mais de duas décadas, quando a mulher tinha apenas 17 anos.
Andrew já havia anunciado sua retirada da vida pública em 2019, quando o escândalo envolvendo seu amigo, o empresário Jeffrey Epstein, eclodiu. Declarado culpado de pedofilia por um tribunal da Flórida, o americano cometeu suicídio em uma prisão de Nova York há três anos, quando aguardava um novo julgamento por tráfico e abuso de menores. Giuffre afirma ter sido uma das vítimas de Epstein.
A imagem pública do novo rei não é ruim só por deslizes dos outros. Sua reputação do novo rei nunca se recuperou por completo de seu conturbado casamento com Diana Spencer e do affair que teve enquanto casado com Camilla Parker-Bowles. Em 1992 veio a separação, quatro anos depois veio o divórcio. Em 1997, o acidente de carro que matou Diana em um túnel parisiense inviabilizou a reconstrução da imagem de Charles na era dos tablóides.
Vinte e cinco anos depois, a memória da princesa do povo ainda o persegue. Talvez assombre ainda mais Camilla, com quem Charles se casou em 2005 — sinal de uma sociedade que, mesmo após sete décadas sob o reinado de uma monarca, não superou por completo o machismo. Apenas quatro em cada dez britânicos veem a nova rainha consorte com bons olhos.
— Eu conto com a ajuda amorosa de minha querida mulher, Camila — disse Charles nesta sexta. — Em reconhecimento de seu serviço público leal desde nosso casamento há 17 anos, ela se torna minha rainha consorte.
Antes da ascensão, houve quem especulasse que a tarefa principal de Charles seria manter o trono aquecido para William — este sim uma imagem da renovação da Coroa com seus 40 anos recém-completados e três filhos pequenos. Mesmo que este seja o único legado dos anos carlotistas, será a custo de bastante trabalho.