Estudo mundial encontra fatores genéticos que explicam a causa da esquizofrenia
Pesquisa conta com colaboração de brasileiros e pode ser útil para melhorar diagnóstico e tratamento da doença
A explicação da causa da esquizofrenia teve um grande avanço. Com base em um estudo mundial inédito, pesquisadores analisaram milhares de amostras de genomas humanos e observaram 120 variações genéticas que podem estar associadas diretamente com a doença psiquiátrica. Grande parte dessas variações, segundo estimativas, pode representar até 24% para o desenvolvimento do distúrbio.
A pesquisa foi publicada na prestigiosa revista Nature e foi realizada pelo PGC (Consórcio de Genômica Psiquiátrica, na sigla em inglês). A investigação contou com milhares de pesquisadores ao redor do mundo. No Brasil, um grupo de psiquiatras e biomédicos da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) fez parte do estudo.
Em razão do caráter global, a pesquisa teve o feito inédito de compilar o maior número de amostras globais de genomas humanos para análise voltada à esquizofrenia. No total, mais de 300 mil dessas amostras compuseram o grupo experimental (que tem a doença) e o controle (que não tem esse diagnóstico).
A maior parte do estudo se concentrou na análise de variantes comuns, aquelas que são normais de acontecer na população e, por isso, não são consideradas mutações.
“Essas variantes comuns diferem em uma única base do DNA, que é formado por quatro bases —adenina, timina, guanina e citosina. Essas bases se intercalam por toda a sequência genética, mas em alguns pontos específicos do nosso genoma essas localizações podem variar de pessoa para pessoa. Então, enquanto naquela mesma posição eu tenho uma adenina, alguém pode ter guanina. É isso que faz com que elas sejam diferentes”, afirma Sintia Belangero, professora do departamento de morfologia e genética da Unifesp e uma das pesquisadoras principais do artigo.
Esse tipo de análise voltada para variantes comuns consiste principalmente em associá-las com algum traço que os pesquisadores desejam investigar —nesse caso, foi a esquizofrenia—, comparando entre os grupos controle e experimental que compõem o estudo.
“Pega-se uma varredura do genoma, considerando milhões ou milhares de variantes, e associa uma a uma dessas variantes ao fenótipo”, explica Belangero.
A partir daí, foi possível observar as regiões do genoma envolvidas com a doença. O estudo encontrou, no total, 287 dessas regiões para a esquizofrenia.
Após isso, os pesquisadores ainda realizaram outras análises nessas regiões a fim de identificar quais genes que realmente teriam associação com a origem da doença, a fim de precisar mais os fatores relacionados ao distúrbio. “Região é como se fossem bairros, e os genes são as ruas”, exemplifica a pesquisadora.
Uma das metodologias feitas para essa parte da pesquisa é chamada de randomização mendeliana, em que é feito um mapeamento fino que permite tanto observar as regiões quanto “inferir causalidade, ou seja, qual dos genes têm uma relação causal com a doença”.
Com técnicas como essas, os pesquisadores conseguiram identificar os 120 genes que realmente têm uma associação forte com a esquizofrenia e que podem explicar até 24% da sua etiologia (causa de uma doença).
“Em média, 80% da causa da esquizofrenia é atribuída a questões genéticas. Um forte contribuinte são essas variantes comuns que foram investigadas no estudo e, por meio de cálculos, chegou-se à estimativa de que elas abrangem até 24% desse total de 80%”, diz a professora.
As ferramentas de que o estudo lançou mão também possibilitaram identificar que os 120 genes atuam principalmente nos neurônios, importantes células do cérebro. Essa descoberta, segundo Belangero, evidencia ainda mais a relação entre os genes e a esquizofrenia já que eles são expressos basicamente em células cerebrais podem reforçar a associação com a doença psiquiátrica.
No entanto, além das variantes comuns, uma parte do estudo também investigou a questão daquelas consideradas variantes raras, ou seja, que são mutações.
Nesse caso, foi necessário realizar sequenciamento de DNA dos genomas, um método diferente daquele de associação realizado para as alterações comuns.
Foi por meio dessa análise que os cientistas encontraram outro ponto interessante: as mutações associadas à esquizofrenia eram semelhantes às vistas no autismo.
“Esses genes que encontramos nesse artigo já foram descritos como envolvidos com o autismo, fazendo com que esse seja mais um indício de que a esquizofrenia tem um compartilhamento genético com essa outra doença”, afirma Belangero.
As descobertas feitas pela pesquisa, além de serem um importante avanço para entender as causas da esquizofrenia, podem ser úteis no futuro para a prática médica. Atualmente, diz Belangero, não existem exames médicos para apoiar diagnósticos de doenças psiquiátricas, fazendo com que seja “muito importante entender mais e mais da etiologia [desses distúrbios] para um dia nos aproximarmos de um diagnóstico mais preciso”.
Outro ponto é que investigações para entender a causa de uma doença podem ajudar no avanço da chamada medicina personalizada em que o tratamento é mutável a depender do quadro de cada paciente.
“Embora a esquizofrenia seja tratável, isso não funciona para todo mundo. Então, se conhecermos bem a genética de uma pessoa, é possível desenvolver tratamentos individualizados e personalizados”, complementa a professora.
Nem tudo é só genética
O fator genético é o mais importante para explicar a causa da esquizofrenia, mas não só. “A esquizofrenia é uma doença complexa, ou seja, ela tem fatores genéticos e ambientais envolvidos”, afirma Belangero. É justamente por essa razão que não é possível fincar que as descobertas feitas no estudo são os únicos fatores para alguém desenvolver a esquizofrenia.
Os aspectos ambientais, por exemplo, envolvem diversos tipos, como desenvolvimento da pessoa durante a infância, contexto urbano em que vive e, principalmente, o uso excessivo de maconha.
Mesmo que eles sejam importantes para entender outro lado da causa da doença, Belangero ressalta que eles continuam secundários. “Os fatores ambientais para esquizofrenia são importantes, mas sabemos que a maior contribuição mesmo é genética”, conclui.