Extinção pode atingir 50% das espécies de áreas críticas do planeta
Mudanças climáticas já tornam algumas áreas inabitáveis, principalmente nos países em desenvolvimento, reduzindo a segurança alimentar e os recursos hídricos disponíveis para a população
Da bacia do Congo ao Himalaia Oriental, passando por Madagascar e pela Amazônia, a situação é igualmente crítica: sem novos esforços para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, metade das espécies das regiões com maior biodiversidade do planeta podem ser extintas até 2080. A estimativa é do relatório “Vida selvagem em um mundo cada vez mais quente”, do WWF, que identificou como os eventos climáticos extremos registrados hoje podem, a médio prazo, transformar-se em situações comuns.
Segundo a ONG, as mudanças climáticas já tornam algumas áreas inabitáveis, principalmente nos países em desenvolvimento, reduzindo a segurança alimentar e os recursos hídricos disponíveis para a população.
A comunidade científica reivindica que chefes de Estado e governo limitem o aumento da temperatura a até 2°C. Entretanto, as metas assumidas pelos países no Acordo de Paris não são suficientemente ambiciosas — se forem seguidas à risca, os termômetros avançarão 3,2°C, deixando em torno de 37% de todos os grupos de espécies vulneráveis à extinção nas 35 áreas consideradas prioritárias pelo WWF, como a Amazônia.
Já a manutenção das tendências atuais de crescimento econômico levaria a um avanço de 4,5°C, culminando na extinção de 50% das espécies. Se as recomendações da comunidade científica forem atendidas, restringindo o aquecimento global a 2°C, 25% das espécies poderiam desaparecer.
Coordenador de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, André Nahur considera que o cenário traçado pelos autores do estudo pode ser ainda pior:
— O relatório mostra apenas os estragos que podem ser causados por fatores relacionados ao clima, sem considerar outros que podem ser induzidos pelo homem, como a caça ou o desmatamento, além das doenças — ressalta. — A Amazônia é uma das regiões mais críticas devido à sua diversidade biológica: seus ecossistemas abrigam em torno de 10% de todas as espécies conhecidas.
Plantas na Amazônia
Nahur assinala que boa parte das mais de 80 mil espécies de plantas presentes na Amazônia só existem naquela região. A flora é fundamental para regular o clima do planeta e os ciclos de água do país, além de sustentar a fauna da floresta e fornecer alimentos, abrigo e até medicamentos para as pessoas, incluindo as 350 etnias indígenas que vivem lá.
Para sobreviver às mudanças climáticas, as espécies podem ser forçadas a mudar de lugar, em busca de um espaço que atenda suas demandas, como a disponibilidade de alimentos. O habitat adequado, porém, pode ter sido ocupado por atividades econômicas, ou, então, está afastado por barreiras como cadeias de montanhas.
Os pesquisadores reivindicam a restauração de corredores biológicos, que contribuam para a dispersão das espécies, e a conservação de “refúgios climáticos”, que são as áreas que podem permanecer como habitat adequado mesmo com a mudança da temperatura. Aves e mamíferos que desejam escapar do aumento das temperaturas na Amazônia se deslocam para os Andes, uma área mais fria. Por isso, deve-se assegurar a existência de uma ligação entre estas localidades.
— Precisamos garantir uma conectividade entre os ecossistemas para que as espécies possam migrar. Do contrário, o risco de extinção é muito maior — alerta Nahur, lembrando que, segundo projeções de climatologistas, uma fração da Amazônia pode passar por um processo de savanização nas próximas décadas, alterando definitivamente as feições do bioma.
Os ambientalistas ressaltam que as investidas contra a biodiversidade provocam efeitos adversos sobre a política e a economia mundiais.
— A perda de espécies e florestas compromete a oferta de água e alimentos, especialmente em regiões carentes — explica Nahur. — Sempre que há uma disputa por bens econômicos, ocorre uma repercussão na esfera política.
Ou, segundo trecho do relatório, “existem implicações econômicas e sociais evidentes — a extinção local de espécies emblemáticas pode acabar com possíveis oportunidades de turismo, enquanto o desaparecimento de uma planta endêmica (só existente naquela região) que não consegue acompanhar a rápida mudança do clima pode levar com ela um potencial avanço na medicina”.
Preocupação com o ártico
O relatório do WWF sublinha que as temperaturas do Ártico estão aumentando duas vezes mais rápido do que as taxas médias globais. Fenômenos como a redução do gelo marinho e a elevação do nível do mar possibilitarão, nas próximas duas décadas, a ocorrência de verões sem gelo e o avanço de indústrias naquele território.
Uma das prioridades mencionadas pela ONG no relatório é a criação da Área de Conservação Marinha Nacional de Lancaster Sound no Canadá, que poderia transformar-se em um patrimônio mundial e, assim, livrar-se da exploração por atividades econômicas: “Também estamos investigando como o habitat do gelo marinho dos ursos polares deve mudar nos próximos anos, e o que podemos fazer a respeito”, anuncia o documento.