Meio ambiente

Floresta tropical tem declínio de mais de 70% de populações de aves em 40 anos

Nos últimos anos, os cientistas têm buscado compreender como as mudanças climáticas e a devastação ambiental afetam diretamente as plantas e animais

Foto: Reprodução - Pixabay

Uma área protegida de floresta tropical viu mais de 70% das suas populações de aves declinarem nos últimos 44 anos. Isso, segundo os cientistas, é efeito, em parte, das mudanças climáticas.

Nos últimos anos, os cientistas têm buscado compreender como as mudanças climáticas e a devastação ambiental afetam diretamente as plantas e animais.

Além dos efeitos no aumento do nível do mar e da temperatura nos oceanos, as diferenças anuais nos regimes de chuvas mais intensas e secas mais prolongadas têm efeito direto sobre os ecossistemas, alterando algumas relações nas comunidades ecológicas.

Os pesquisadores acompanharam nas últimas quatro décadas 57 espécies de aves encontradas no Parque Nacional Soberanía, em Las Cumbres, no Panamá. Do total, 40 (70,2%) espécies tiveram uma queda em suas populações, 15 (26,3%) não mudaram e apenas duas (3,5%) tiveram um aumento.

A queda foi superior a 50% em 35 das 40 espécies com declínio, e um grupo de pelo menos nove espécies teve uma redução populacional superior a 90%, incluindo espécies mais frequentes em áreas de florestas jovens ou em bosques em encostas de montanhas.

O estudo foi publicado no último dia 4 na revista especializada PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences), liderado pelos pesquisadores Henry Pollock e Jeffrey Brawn, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.

Para fazer a análise, os pesquisadores compararam os registros vocais, visuais e os animais encontrados em redes de captura (técnica para coleta de aves) de junho de 1977 a setembro de 2020 em uma área de cerca de 600 hectares do Parque Nacional Soberanía, cuja área total é de mais de 22 mil hectares.

Com o monitoramento, foram registrados dados de mais de 15 mil aves incluídas em 150 espécies distintas, das quais 57 possuíam dados de frequência populacional. A mudança proporcional ajustada por ano (isto é, a diferença total nas populações dividida por 43 anos) indicou um declínio na frequência e abundância de diferentes grupos de aves, cujos hábitos alimentares e comportamento são fundamentalmente distintos.

“Um dos motivos que nos levaram a pensar que os dados são mesmo robustos é que a diferença [populacional] foi observada em diferentes espécies de aves, com diferentes tamanhos corporais, que comem coisas diferentes, então isso só pode ser explicado por uma mudança profunda no ecossistema, não é algo individual”, explica Henry Pollock, primeiro autor do estudo.

As maiores diferenças anuais observadas foram em pássaros nectívoros (como beijas-flores), terrícolas frugívoros, frugívoros de sub-bosque e aquáticos (como martim-pescador), seguidos por insetívoros e onívoros.

Uma das hipóteses para as mudanças populacionais ao longo de quatro décadas seriam os impactos diretos de seca (efeito El Niño) e chuva excessiva (La Niña), eventos climáticos que têm acontecido com mais frequência nos últimos anos graças ao aquecimento global.

“Algumas espécies de aves podem se reproduzir menos, ou gerar menos filhotes, em anos mais secos, e isso acaba afetando a demografia no médio e longo prazo. Com isso ocorrendo de maneira mais frequente, é uma possibilidade que esse fenômeno foi generalizado para os diferentes grupos”, afirma Jeffrey Brawn, professor e chefe do departamento Levenick em Sustentabilidade na Universidade de Illinois.

Apesar da redução nas aves no parque, os cientistas afirmam que não houve uma mudança significativa na área florestal nos últimos anos, justamente por ser uma área protegida. A única mudança que ocorreu foi uma antiga rodovia que era pavimentada e utilizada pelo exército militar americano durante os anos de ocupação no Panamá deixou de ser cuidada e acabou sendo “dominada” novamente pela floresta.

“Nesse ambiente limítrofe com a rodovia, era mais comum observar espécies que preferem áreas abertas, e essas espécies com certeza tiveram um impacto pois elas não são mais vistas. Mas em geral, as espécies não se extinguiram, elas só desapareceram do local”, diz Pollock.

O estudo, porém, possui algumas limitações, e não deve ser extrapolado para toda a diversidade de aves que habitam florestas tropicais no planeta. “Nossa pesquisa, apesar de ter grande relevância por serem raros os estudos de longo prazo em florestas tropicais, ocorreu em uma única área de cerca de 22 mil hectares, e certamente locais mais extensos, como áreas preservadas da Amazônia, podem não exibir o mesmo problema”, diz o jovem pesquisador.

Para Brawn, os efeitos observados no monitoramento de longo prazo do parque panamenho podem refletir como políticas públicas que afetam a biodiversidade têm papel hoje nos ecossistemas. “[O avanço do desmatamento] na Amazônia brasileira me deixa acordado à noite. Certamente, se pensarmos que as florestas tropicais são os grandes repositórios de biodiversidade, precisamos pensar o que fazemos agora para, daqui a cem anos, não nos perguntarem ‘o que estavam pensando?'”, diz.