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Gelo no mar da Antártida atinge nível mais baixo em quatro décadas

O gelo marítimo em volta da Antártida caiu para o nível mais baixo visto em…

O gelo marítimo em volta da Antártida caiu para o nível mais baixo visto em quatro décadas de observações, como revela uma nova análise de imagens de satélite.

Na terça-feira (22), o gelo cobria 1,94 milhão km² em volta da costa da Antártida, menos que o recorde anterior de 2,1 milhões km², observado no início de março de 2017. A informação vem de uma análise do Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo, de Boulder, Colorado.

“É realmente sem precedentes”, disse Marilyn N. Raphael, professora de geografia na UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles) e estudiosa do gelo marítimo antártico. Para ela, temperaturas oceânicas mais elevadas podem ter contribuído, “mas há outros fatores que vamos procurar desvendar nos próximos meses”.

A extensão do gelo marítimo antártico é altamente variável de ano a ano, mas ao todo vem aumentando ligeiramente, em média, desde o final da década de 1970, quando começaram a ser feitas observações por satélite. Contrastando com isso, a extensão do gelo marítimo do Ártico, que está esquentando num ritmo três vezes maior que outras regiões, diminuiu mais de 10% por década nesse mesmo período.

As duas regiões são diferentes. O oceano Ártico cobre altas latitudes, incluindo o polo Norte, e é cercado por massas terrestres. No hemisfério sul, a Antártida cobre o polo. O oceano Antártico, que cerca o continente, começa em latitudes muito mais baixas e é aberto ao norte.

Enquanto o aquecimento acelerado do Ártico é o grande responsável pelo encolhimento do gelo marítimo dessa região, o efeito da mudança climática sobre o gelo marítimo antártico é muito menos claro.

O cientista climático Edward Blanchard-Wrigglesworth, da Universidade de Washington, disse que muitos cientistas preveem que o aquecimento global acabe provocando uma redução no gelo marítimo antártico. No momento, porém, segundo ele, “é realmente difícil vincular as duas coisas, especialmente em termos de eventos únicos como este”.

Em vez disso, há um grupo complexo de fatores em ação no tocante ao gelo marítimo antártico. Padrões atmosféricos de grande escala, com frequência ocorrendo longe do continente, além de ventos e correntes marítimas locais, todos podem aumentar ou reduzir a área coberta por gelo marinho.

Por exemplo, disse Blanchard-Wrigglesworth, algumas pesquisas sugerem que um El Niño forte em 2015 e 2016, quando as temperaturas oceânicas superficiais no Pacífico tropical se elevaram acima do normal, resultaram numa queda nítida da área coberta por gelo marítimo em 2016.

Ted Scambos, pesquisador sênior do Centro de Observação e Ciência da Terra da Universidade de Colorado, disse em email que temperaturas marítimas superficiais mais altas que o normal em algumas áreas em volta da Antártida podem ter contribuído para o mínimo atual.

Para Raphael, os ventos também podem ter tido um efeito, especialmente na região do mar de Amundsen, no lado ocidental do continente. Uma região de baixa pressão atmosférica que se desenvolve regularmente sobre o mar foi especialmente forte este ano, ela disse, e isso resultou em ventos mais fortes que podem ter impelido mais gelo mais para o norte, para águas mais quentes, onde teria se derretido mais rapidamente.

Embora a extensão total do gelo marítimo tenha aumentado apenas ligeiramente desde o final dos anos 1970, o aumento começou a acelerar em 2000, e em 2014 o gelo atingiu sua extensão recorde. Mas então aconteceu algo inesperado, disse Raphael. Nos três anos seguintes houve uma queda drástica, e em 2017 a extensão de gelo chegou ao nível mais baixo já visto.

Desde então a extensão de gelo voltou a crescer, disse a cientista, e em 2020 havia voltado para mais ou menos o nível médio.

Normalmente, ela disse, os níveis teriam continuado na média ou acima da média por vários anos. Mas a nova queda acentuada deste ano ocorreu antes disso. “Foi muito rápida”, ela comentou.

“É isso que torna este encolhimento incomum”, ela prosseguiu. Após 2017 “o gelo voltou ao normal, mas não permaneceu assim”.

Blanchard-Wrigglesworth disse que para entender porque a extensão de gelo está tão baixa agora, cientistas terão que analisar como as condições podem ter se modificado no ano passado. “Não me surpreenderá se descobrirmos que este encolhimento é fruto de mudanças nos ventos nos últimos três a seis meses”, ele disse.

A baixa extensão do gelo marítimo tem sido notável no mar de Weddell, ao leste da península Antártida, que, devido à sua corrente circular, conserva muito mais gelo de ano a ano que outras partes da costa antártica.

Um grupo de cientistas e exploradores encontrou condições de gelo relativamente brandas este mês quando se aventurou no mar para procurar os restos do Endurance, o navio do explorador Ernest Shackleton que afundou durante uma expedição na Antártida em 1915.

A área coberta por gelo pode diminuir ainda mais este ano, dependendo do clima, mas deve voltar a aumentar em breve quando as temperaturas começarem a cair, com a chegada do outono e inverno antárticos. A área coberta por gelo alcança um máximo a cada ano por volta do final de setembro. A máxima média ao longo de quatro décadas tem sido de mais de 18 milhões de quilômetros quadrados.

Segundo Blanchard-Wrigglesworth, eventos como este e o nível recorde baixo anterior oferecem a cientistas uma oportunidade de entender melhor a conexão entre mudança climática e o gelo marítimo da Antártida.

“Uma nova pergunta válida para pesquisa é se estes são os primeiros indícios de uma inversão nas tendências de longo prazo”, ele disse.