Governo já vê Taleban em 80% do Afeganistão, e solução política fica distante
O governo do Afeganistão já admite que não tem como controlar 80% de seu território,…
O governo do Afeganistão já admite que não tem como controlar 80% de seu território, que caiu em mãos do Taleban e de senhores da guerra tribais aliados ao grupo fundamentalista islâmico que governou a maior parte do país de 1996 a 2001.
A estimativa, feita à Folha por um alto funcionário do Ministério das Relações Exteriores em Cabul, supera os 65% de controle taleban sugeridos pela União Europeia na terça (10).
O desmoronamento do governo do presidente Ashraf Ghani está em ritmo acelerado desde o domingo retrasado, quando o Taleban lançou a maior ofensiva em anos, na esteira da retirada americana do país —onde permanecia desde a invasão de 2001 que derrubou o grupo.
Taleban toma nona capital do Afeganistão
Nesta quarta (11), os talebans tomaram a nona capital provincial desde a sexta-feira (6). Com a queda de Faizabad, o grupo consolida sua tática atacar e controlar primeiramente o norte do país.
Isso tem uma razão. A base do Taleban é a etnia pashtun, majoritária (40%) entre os 37 milhões de afegãos. Ela se espalha por todo o território, mas é minoritária nas áreas ao norte, dominadas por tadjiques e uzbeques étnicos.
Apesar de serem apenas 9 de 34 capitais tomadas, os territórios ao redor das outras estão sob controle taleban: até aqui, o grupo evitava ataques a centros urbanos. O prêmio final, Cabul, poderia cair em até 90 dias, segundo a agência Reuters disse ter ouvido de um agente de inteligência americano.
Nos anos no poder, o Taleban nunca conseguiu conquistar as áreas completamente, justamente pelas lealdades tribais e de sangue.
Não por acaso, quando o grupo foi atacado por ter protegido a rede Al Qaeda enquanto ela engendrava os ataques do 11 de setembro de 2001 nos EUA, os opositores retinham 10% do território sob o nome de Aliança do Norte.
Taleban inspira medo de represálias no Afeganistão
Segundo o funcionário contou, ainda não há planos de evacuação de servidores públicos de Cabul, mas o temor de que eles sejam vítimas de represálias talebans já fez alguns deles debandarem da capital. Ele afirma que a tensão está insuportável, e que o otimismo oficial não encontra eco nos ministérios.
Enquanto o Taleban avança, as potências estrangeiras com um pé na região se reuniram em Doha (Qatar) para discutir a situação: representantes dos EUA, Rússia, China e Paquistão estiveram presentes.
O Departamento de Estado americano afirmou em comunicado que as conversas estão “dolorosamente lentas” e que é evidente que o Taleban quer ganhar militarmente o poder. O mesmo foi dito pelo enviado afegão a Doha, o ex-chanceler Abdullah Abdullah, em entrevista à TV Al Jazeera.
O maior sinal disso veio do Paquistão, país que fomentou a criação do grupo nas suas áreas tribaissem lei junto à fronteira afegã, visando ter um aliado a mais contra a rival China nos anos 1990.
O Taleban triunfou na guerra civil que engolfou o país em 1992, após a confusão da vitória de rebeldes islâmicos contra a União Soviética em 1989 ter tornado o governo inviável.
Também nesta quarta, o premiê paquistanês, Imran Khan, afirmou que não existe solução política para o vizinho enquanto Ghani estiver no poder. Islamabad nega, mas é amplamente sabido que o governo mantém ligação com os talebans.
O problema de Ghani é sua ilegitimidade aos olhos de muitos afegãos, não apenas os talebans. Ele foi eleito em 2014 após o principal aliado dos americanos no país, Hamid Karzai, tornar-se excessivamente tóxico.
Ghani, um economista que estudou nos EUA e trabalhou no Banco Mundial até voltar ao seu país em 2001, é um tecnocrata sem influência na intrincada política tribal do país. Ele foi o segundo colocado no pleito, ficando atrás de Abdullah, e reverteu a vantagem naquilo que muito viram como uma fraude.
Em 2019, sua reeleição foi igualmente contestada, e ele só conseguiu tomar posse por mais cinco anos em março de 2020.
Para o Taleban, ele é um mero marionete ocidental, e o fato de que os EUA deixaram o país depois do combinado com o governo de Donald Trump exime o grupo de cumprir a promessa de negociar embutida no acordo de paz do ano passado.
O presidente afegão, faz o que pode, amparado por um Exército que por ora ainda lhe é leal. Nesta quarta, ele encerrou uma visita à ameaçada cidade de Mazar-i-Sharif, a principal do noroeste do país que agora está cercada pelo Taleban.
Tentou convencer líderes tribais a não aderir aos fundamentalistas, até pelo temor da volta das práticas brutais de seu regime, o que parece difícil.
O Taleban também faz seus movimentos. Seu negociador-chefe, mulá Abdul Ghani Baradar, teve uma reunião secreta em Doha com o enviado americano, Zalmay Kahalilzad, da qual nada transpareceu até aqui.
Em Washington, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, afirmou que o governo de Joe Biden manterá seu prazo de 31 de agosto para encerrar a presença militar no país, ainda que concorde que a situação de segurança está deteriorada.
Não tendo sido convidada para conversar em Doha, mas presente em Cabul por ter se oferecido como a força garantidora do aeroporto da capital, a Turquia lançou seu dado na crise. Em entrevista à CNN Türk, o presidente Recep Tayyip Erdogan disse estar disposto a negociar diretamente com o Taleban.
A questão que fica é qual seria o papel de Ghani nesse processo. Os turcos, assim como iranianos e chineses, têm diversos interesses econômicos e investimentos feitos nos anos de domínio pró-Ocidente no Afeganistão.