ESTADOS UNIDOS

Insultados, mas fiéis: quem são os latinos que fazem campanha de Trump

O grupo Latinos for Trump, criado em 2016, vem ganhando força nas ruas: meta é alcançar 50%de votos do grupo

Latinos que apoiam a reeleição de Donald Trump Foto: REUTERS/Tom Brenner/File Photo

A Goya Foods, marca popular de alimentos consumida principalmente pela comunidade latina nos EUA, causou um estardalhaço em julho, quando seu CEO, Robert Unanue, declarou publicamente que o país era “abençoado” por ter Donald Trump como presidente. Enquanto parte da comunidade aderiu ao boicote aos produtos da empresa, a filha do presidente e o próprio Trump saíram em defesa de Unanue, de origem espanhola, em suas redes sociais — o que infringe a lei americana. Mas, a despeito dos comentários depreciativos por parte do presidente, principalmente em sua campanha de 2016, quando se referiu aos mexicanos como “estupradores” e “criminosos”, nem todos os latinos estão contra Trump.

O grupo Latinos for Trump, criado em 2016, é um exemplo de apoio que vem ganhando força nas ruas apesar das restrições da pandemia do coronavírus. Bianca Gracia, presidente do grupo, conta que a ideia nasceu na internet, pouco antes das eleições que deram vitória ao presidente. Desde então, o grupo ganhou força e passou a angariar eleitores fora das redes, em comícios e carreatas.

— Sempre votei com os democratas porque minha mãe dizia que nós, latinos, somos democratas. Até que vi Trump falando sobre os problemas reais da nossa comunidade, sobre a enorme burocracia e a taxação das pequenas empresas, sobre os veteranos de guerra. Com um discurso claro e forte. E me dei conta que até então os democratas não haviam resolvido nenhum dos nossos problemas — conta a empresária, de origem mexicana e 48 anos, que minimiza os insultos desferidos pelo republicano durante a campanha. — São os democratas que não entendem nossa comunidade e nossos valores. Priorizamos Deus, família, trabalho e educação.

Apesar da percepção atual de que os latinos tendem a votar mais em democratas, eles foram essenciais na eleição de vários presidentes republicanos, como George W. Bush e Ronald Reagan, lembra Geraldo Cadava, autor do livro “Os hispânicos republicanos”, lançado este ano, e professor de História da Universidade de Northwestern. Mesmo assim, aponta, e apesar de sua relevância cultural e numérica, a comunidade foi, via de regra, deixada de lado durante as campanhas.

— Meu avô, de 90 anos e que nasceu no Panamá, é um republicano. Ouvi suas histórias sobre a política latina e o conservadorismo hispânico ao longo de toda a vida. E entendi que é importante levar em consideração, de maneira séria, os latinos como atores políticos — afirma ao GLOBO. — Acredito que a identidade política é um processo histórico, construído de acordo com as circunstâncias familiares de cada um, suas conexões pessoais e suas ideias do que é certo ou errado. Não acredito que nenhum grupo seja naturalmente de um partido ou de outro.

Apesar da repetição da expressão “voto latino” a cada quatro anos, há particularidades dentro da comunidade: os de origem mexicana se preocupam com questões como a imigração e fronteira; os cubano-americanos e de origem venezuelana, com a luta contra o socialismo e as relações entre Cuba e EUA, por exemplo. Mas há demandas unificadas, lembra Cadava, como educação, empregos, saúde, imigração e a relação dos EUA com a América Latina.

Dentre as personalidades que fazem parte do conselho consultor do Latinos for Trump estão Jeannette Nuñez, vice-governadora da Flórida, e a modelo Katrina Campins, participante da primeira temporada de O Aprendiz, reality show apresentado e coproduzido pelo magnata Donald Trump no início do século. Em seu Twitter, Campins anunciou ontem que havia sido escolhida para representar a Flórida na Convenção Republicana, na semana que vem. Gracia, no entanto, afirma que o grupo é independente, sem apoio de Trump ou do partido.

— Somos um grupo espontâneo e orgânico. Trump sabe do movimento, porque enviamos relatórios de nossos eventos e dos próximos passos. Mas é apenas isso, uma coisa informal — diz, afirmando que a meta nesta eleição é conseguir o voto de 50% dos latinos. — Estamos investindo nos jovens, mas também temos apoio até das ‘abuelitas’, que nunca haviam votado.Vamos nas cidades pequenas, com alto-falantes, eles se aproximam querendo informações de como se registrar para votar.

Fator Kamala

Para Cadava, hoje os latinos que votam em Trump o fazem por serem republicanos, apesar do presidente:

— Não acredito que os latinos republicanos se sintam mais incluídos no partido agora do que há 30 anos. Os governos de Reagan, Richard Nixon ou Bush os levaram mais a sério e fizeram mais para incorporar latinos em altos quadros da legenda. Mas eles se mantêm leais porque é o partido do qual fazem parte há anos. Mesmo que não amem Trump, votarão pelo partido.

Pelo menos 65% dos eleitores que se declaram hispânicos apoiaram Hillary Clinton, em 2016, enquanto Trump teve o apoio de 29%, uma porcentagem bem maior que os 10% que indicavam as pesquisas à época, quando o então candidato chegou a prometer deportar os 11 milhões de imigrantes em situação irregular no país e construir um muro na fronteira com o México. Mas, se Hillary não conseguiu cativar o voto latino tanto quanto Barack Obama, que teve o apoio de 72% deles em 2012, um número recorde foi às urnas naquele ano: cerca de 13 milhões.

De acordo com uma sondagem desta semana da NBC News com o Wall Street Journal, neste ano 57% dos latinos apoiam o candidato democrata Joe Biden, contra 31% que votariam em Trump.

Para Mark López, diretor de Migração Global e Demografia do Pew Research Center, os latinos podem ter um grande impacto na eleição mas, pelo menos até agora, as pesquisas indicam que eles não estão acompanhando a disputa tão de perto quanto outros grupos.

— É mais provável que digam que a eleição, até agora, tem sido desinteressante.

Tudo pode mudar, no entanto, com o anúncio do nome da senadora Kamala Harris, de origem indiana e jamaicana, como vice de Biden. Outra pesquisa, do Centro de Participação Eleitoral, mostrou que os eleitores latinos em estados cruciais na disputa, como a Flórida, expressaram uma onda de apoio à chapa democrata após o anúncio, um aumento que chegou a 15 pontos percentuais.