Tragédia

Justiça francesa absolve Air France e Airbus por acidente com 228 mortes

As duas empresas eram julgadas por homicídio culposo das vítimas da tragédia

A Justiça francesa absolveu, nesta segunda-feira, a Air France e a Airbus pelo acidente com o voo 447. A companhia aérea e a fabricante da aeronave enfrentavam a acusação de homicídio culposo, quando não há intenção de matar, pelo acidente que deixou 228 mortos. Quase 14 anos depois da tragédia, o tribunal considerou que, apesar de cometerem “falhas”, não se “pôde demostrar (…) nenhuma relação de causalidade segura” com o acidente. Foram nove semanas de audiências, encerradas em 7 de dezembro do ano passado.

— Esperávamos um julgamento imparcial, não foi o caso. Estamos enojados — reagiu Danièle Lamy, presidente da associação Entraide et Solidarité AF447 (Cooperação e Solidariedade AF447), que representa os parentes das vítimas. — O que resta desses 14 anos de espera é desespero, consternação e raiva.Pouco depois das 13h30 (8h30m em Brasília), os parentes das vítimas, as equipes da Air France e da Airbus e jornalistas chegaram à grande sala de audiência. O anúncio da absolução fez com que parentes das vítimas ficassem de pé, enquanto o presidente da corte continuou a leitura da decisão em um silêncio sepulcral.

— Disseram que são “responsáveis, mas não culpados”. E é verdade que estávamos esperando a palavra “culpado” — lamentou Alain Jakubowicz, advogado de partes civis do julgamento.

Jakubowicz enfatizou que as duas companhias “são responsáveis por esta tragédia”:

— Deve ser lembrado que a Airbus e a Air France são responsáveis ​​por esta tragédia. São civilmente responsáveis por este drama e não penalmente. Nós vamos analisar o julgamento e ver o que faremos. Mas, em todo caso, o que se deve recordar é o que digo às famílias, às famílias enlutadas, às famílias que não compreendem, às famílias a quem devemos explicar — este é o nosso papel como auxiliares da Justiça, como advogados — essas finas nuances entre a perda da oportunidade, o grau de certeza, a responsabilidade, a responsabilidade penal. Pensando neste instante nas vítimas e nos familiares que nós assistimos, eu lembro a responsabilidade da Air France a da Airbus.

Imprudência ou negligência

Para o tribunal, a Airbus cometeu “quatro imprudências ou negligências”, em particular por não ter substituído os modelos de sondas Pitot chamadas “AA”, que pareciam congelar com maior frequência, nos aviões A330 e A340, e por “reter informações”.

A Air France cometeu duas “imprudências”, relacionadas com os métodos de divulgação de uma nota informativa dirigida aos seus pilotos sobre as falhas das sondas.

Na esfera criminal, no entanto, segundo o tribunal, “uma relação de causalidade provável não é suficiente para tipificar um crime. Neste caso, como se trata de falhas, não foi possível demonstrar nenhum nexo de causalidade com o acidente”.

A Air France “toma nota do julgamento”, de acordo com um comunicado. “A empresa sempre lembrará a memória das vítimas deste terrível acidente e exprime sua mais profunda solidariedade a todos os seus entes queridos.” A Airbus considerou que a decisão judicial foi “coerente” com a decisão proferida no final da investigação em 2019. O grupo também expressa a sua “compaixão” aos familiares das vítimas, e “reafirma (o seu) total empenho (.. .) em termos de segurança da aviação”.

Queda no Oceano Atlântico

O avião caiu no dia 1º de junho de 2009 no Oceano Atlântico, horas após ter decolado na capital fluminense. Com 228 mortos – todos os 216 passageiros, além dos 12 tripulantes – o acidente foi o mais letal da história da aviação comercial francesa. Os destroços da aeronave foram encontrados apenas dois anos depois da queda, a 3.900 metros de profundidade.

A bordo do avião, um A330 com a matrícula F-GZCP, viajavam pessoas de 33 nacionalidades: 61 franceses, 58 brasileiros e 28 alemães, assim como italianos (9), espanhóis (2) e um argentino, entre outros.

O conteúdo das caixas-pretas confirmou que o acidente foi motivado pelo congelamento das sondas de velocidade no momento em que o avião estava em voo de cruzeiro, em uma zona com condições meteorológicas adversas denominada Zona de Convergência Intertropical. O problema levou os aparelhos a emitirem informações incorretas sobre altitude, o que fez com que os pilotos perdessem o controle do avião.

Depois, investigações revelaram que danos semelhantes nas sondas haviam ocorrido antes do acidente, o que despertou questionamentos sobre a postura das empresas frente aos erros, e se ela poderia ter influenciado na queda do voo 447. De outubro a dezembro do ano passado, esse papel da companhia aérea e da fabricante foram analisados no julgamento.

Os destaques do julgamento do voo 447

Em 10 de outubro de 2022, a ampla sala de audiências do Tribunal de Paris foi dividida em duas partes: à esquerda, posicionam-se os familiares e amigos das vítimas; e, à direita, os funcionários e especialistas da Airbus e da Air France.

No início do julgamento, após a presidente do tribunal, Sylvie Daunis, ler cada um dos nomes dos 228 mortos, a diretora-geral da Air France, Anne Rigail, e o presidente-executivo da Airbus, Guillaume Faury, expressaram “compaixão”, “respeito” e “consideração” pelos familiares das vítimas. Ambos sustentam que as empresas não cometeram falhas. As falam despertaram fortes reações dos parentes, com exclamações de “vergonha de vocês!” repercutindo pela audiência.

Dia após dia, especialistas reconstituíram, segundo a segundo, os últimos 4 minutos e 23 segundos do voo a partir do congelamento das sondas Pitot. As últimas palavras dos pilotos e os ruídos da cabine, retirados das caixas-pretas, são reproduzidos a portas fechadas em 17 de outubro.

“Eles estavam na incompreensão total”, relata, na saída, Corinne Soulas, que perdeu a filha, abalada e emocionada como todos os presentes. A cada audiência, os testemunhos tentam desvendar as ações dos pilotos naquela noite. E as panes das sondas Pitot, que haviam se multiplicado nos meses anteriores à tragédia, fazem com que a reação da Airbus e da Air France à época passe a ser examinada, assim como a das autoridades de controle.

Em 9 de novembro, chega o momento dos interrogatórios. O ex-chefe dos pilotos, Pascal Weil, representa a Air France e defende a inocência da empresa, recusando-se a culpar os pilotos, ou a Airbus. Depois dele, ocorre o testemunho de Christophe Cail, ex-piloto de testes, que afirma que a Airbus, na época, avaliou corretamente o risco e que o acidente estaria ligado a “erros” da tripulação.

“O senhor teria feito melhor?”, pergunta o advogado das partes civis, Alain Jakubowicz, durante a audiência agitada. “Eu penso que teria feito melhor”, diz Cail.

A partir de 23 de novembro, dezenas de familiares das vítimas testemunham, prestando homenagens a seus entes queridos falecidos, relatando os danos irreparáveis de suas perdas violentas. Muitos relembram um longo caminho de luto, agravado pela midiatização mundial da catástrofe, a ausência de corpos a enterrar, as etapas do processo judicial.

Duas irmãs e um irmão de um dos três pilotos do voo, David Robert, prestam homenagem a um homem “exemplar”, que “fez de tudo para salvar o avião”. “Não são apenas 228 vidas, mas pelo menos o dobro, talvez o triplo, que tivemos a vida devastada”, afirma Gwénola Roger, que perdeu o noivo, Nicolas Toulliou.

Na manhã de 7 de dezembro, os dois representantes do Ministério Público se levantam. Evocando na introdução um “drama incomparável”, eles desenvolvem, em seguida, uma reunião dos fatos durante cinco horas. No meio da tarde, eles concluem: “nós não estamos em condições de requerer a condenação da Air France e da Airbus”.

A decisão escandaliza as partes civis, que reagem com aplausos irônicos. “Para que serve a Justiça?”, ouve-se claramente. A defesa solicita o arquivamento do caso, e o processo termina em 8 de dezembro.