Medo de recessão nos EUA faz sentido? Analistas respondem
Redução nos juros dos EUA e mesmo desaceleração da economia americana podem impactar positivamente a inflação no Brasil; entenda
Uma “segunda-feira sangrenta”. Essa foi a avaliação de analistas após o derretimento dos mercados globais, que começou pela Ásia, onde o Nikkei, em Tóquio, desabou 12,4%, o maior tombo diário desde 1987. As quedas se espalharam pela Europa e chegaram às Américas, refletindo a preocupação de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) errou na mão com os juros, o que levaria a maior economia do mundo a uma recessão.
Com isso, aumentaram as apostas de um corte de juros maior pelo Fed em setembro, ou até mesmo antes, em uma reunião extraordinária. Entre economistas e integrantes da equipe econômica do Ministério da Fazenda, a avaliação é que a redução dos juros nos EUA — ou mesmo um cenário de desaceleração da economia americana — vai aliviar a pressão sobre a inflação no Brasil.
Aqui, o Ibovespa começou o dia caindo mais de 2%, para terminar em queda de 0,46%, aos 125.270 pontos. Já o dólar comercial, que chegou a ser negociado a R$ 5,86 pela manhã, encerrou o dia cotado a R$ 5,74, uma alta de 0,56%.
Em Nova York, o índice Dow Jones recuou 2,6%, enquanto o S&P 500 caiu 3% e a Nasdaq perdeu 3,43%. O VIX, que mede a volatilidade dos mercados e é conhecido como “índice do medo”, chegou a bater 65,73 pontos ontem, o maior nível desde março de 2020, quando começou a pandemia. O VIX encerrou aos 38,57 pontos.
Fed Perdeu o momento?
Na quinta e na sexta-feira passadas, dados da economia americana jogaram um balde de água fria na expectativa do chamado “pouso suave”.
O índice de atividade industrial ficou abaixo do previsto, e os dados de emprego ficaram muito abaixo do esperado — abertura de 114 mil vagas, contra uma expectativa de 235 mil. Com isso, analistas começaram a se perguntar se os Estados Unidos estariam prestes a entrar em recessão.
— Antes, o mercado estava centrado na desaceleração da China. Mais recentemente, houve dados mais fracos na Europa e cresceram as evidências de um enfraquecimento no mercado de trabalho nos EUA. A queda das Bolsas no mundo é por uma razão importante: o medo de uma economia mundial perdendo força — afirma André Duarte, economista internacional da Occam Brasil.
Após a divulgação dos dados de emprego, os bancos JPMorgan e Citi apontaram a possibilidade de um corte maior de juros em setembro, de 0,5 ponto percentual, não mais de 0,25. A leitura é que o Fed talvez tenha se atrasado ao iniciar sua flexibilização.
— Esse é o grande questionamento, se o Fed perdeu ou não o momento de cortar os juros. Até agora a economia continua pujante, sem inflação descontrolada, apesar de um pouco mais alta, mas vemos esses dados ruins da economia americana ao mesmo tempo em que não começou a redução dos juros — diz Eduardo Grübler, gestor de multimercados da AMW, a asset da Warren.
E os efeitos no Brasil? Para Marco Antonio Caruso, economista do Santander, a situação “embaralha as cartas”, pois um arrefecimento da atividade global vai aliviar as pressões sobre a inflação:
— Você tem um contraponto: o real desvalorizado leva à inflação mais alta. Mas, com risco de recessão e tranco mais forte na atividade global, esse movimento tende a ser desinflacionário.
Para o presidente do Bradesco, Marcelo Noronha, no entanto, um corte de juros nos Estados Unidos ajudaria o Brasil a não ter elevar sua taxa básica, a Selic. Ele considerou a reação dos mercados a uma possível recessão americana “extremada”:
— A economia americana continua crescendo forte. Por aqui, vemos um cenário de taxa de juros mais constante e não trabalhamos com alta da Selic. A possibilidade de queda de juros nos Estados Unidos pode ajudar o Brasil para que não suba juros.
País atrairia recursos
Em Brasília, a equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acompanha o mercado. Em um primeiro momento, a avaliação é que ontem houve “exageros” e que o saldo deve ser positivo para o Brasil, já que aumentaram as possibilidades de o Fed reduzir os juros.
Um integrante da pasta considera que a queda de juros já pode começar em um ritmo mais forte, de 0,50 ponto. Mas considera pouco provável a convocação de uma reunião extraordinária este mês.
Outro membro da equipe de Haddad avalia que episódios como o desta segunda-feira mostram o peso que o cenário externo tem sobre os preços dos ativos domésticos, retirando um pouco da pressão sobre a conjuntura fiscal no país.
Uma queda mais forte dos juros americanos tende a enfraquecer o dólar globalmente, favorecendo moedas de países emergentes, como o Brasil. Além disso, como a Taxa Selic permanece em um patamar elevado, de 10,50% o país voltaria a atrair recursos externos, o que ajuda o câmbio local e reduz a pressão sobre a inflação.
Tudo isso pode afastar um cenário de alta da Selic, algo que entrou no radar do mercado após um comunicado mais duro do Comitê de Política Monetária (Copom), do BC, na semana passada. O texto citava o câmbio como um dos riscos para a inflação. A ata do Copom será divulgada hoje, mas não vai refletir as últimas turbulências, posteriores à reunião.