VATICANO

Novos cardeais reafirmam legado de reformas sob rumores de renúncia do papa

Cerimônias envoltas em burburinhos deixam interrogações sobre futuro da Igreja Católica

Novos cardeais reafirmam legado de reformas sob rumores de renúncia do papa (Foto: Reprodução/Vatican News)

O consistório que, neste sábado (27), oficializa a posse de 20 novos cardeais era para ser um evento corriqueiro do Vaticano ou, como o próprio nome diz, ordinário. Tem sido realizado mais ou menos anualmente com o objetivo principal de preencher vagas livres, quase sempre deixadas por quem morre.

Mas a oitava edição coordenada pelo papa Francisco está longe de ser banal. A cerimônia e os eventos que a sucedem até terça-feira (30) estão envoltos em ineditismos, pontos de interrogação e burburinhos.

Os ritos tradicionais acontecem durante a tarde (11h em Brasília) na Basílica de São Pedro, onde o papa fará a entrega do chapéu vermelho aos novatos do colégio cardinalício, que passa a ter 226 integrantes. Desse total, 132 são chamados também de eleitores, ou seja, têm direito a voto no conclave para a escolha do próximo papa.

Dos 20 novos cardeais, 16 têm menos de 80 anos e, por isso, podem ser eleitores. Cinco, a maioria, vêm da Ásia, e há também três sul-americanos (dos quais dois brasileiros) e dois africanos.

A internacionalização do colégio cardinalício —cada vez menos eurocêntrico, ainda que o continente continue a concentrar 41% dos eleitores— é ilustrada pela inauguração do título em países como Timor Leste, Singapura e Paraguai, que passam a ser representados pela primeira vez.

“Com Francisco, há uma mudança de paradigma. Ele quer pôr fim à imagem de que algumas sedes são cardinalícias pelo fato de serem importantes do ponto de vista econômico ou político”, afirma o padre Adelson Araújo dos Santos, professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma. “Os novos cardeais confirmam toda a linha do seu pontificado, de abertura da Igreja para horizontes mais distantes.”

O mesmo pode ser dito sobre a escolha de dom Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus, considerado o primeiro “cardeal da Amazônia”, como vem sendo chamado. Ex-secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ele vê sua nomeação ser considerada uma continuidade da atenção que o papa tem dedicado aos temas ecológicos.

“Ele representa muito bem aquilo que o Sínodo da Amazônia [2019] quis refletir, tanto do ponto de vista da evangelização, quanto da defesa do ecossistema e das populações mais vulneráveis por consequência de políticas predatórias”, diz o padre Adelson, nascido em Manaus e jesuíta como Francisco.

O outro brasileiro que chega para o colégio cardinalício é dom Paulo Cezar Costa, arcebispo de Brasília desde 2020, mesmo ano em que passou a integrar, no Vaticano, a Pontifícia Comissão para a América Latina, cargo que o aproximou do papa. No total, o Brasil passa a ter oito cardeais, sendo seis eleitores.

Além de considerar a origem geográfica, o papa argentino tem preferido indicar religiosos para o cardinalato não como uma espécie de passo natural da carreira eclesiástica, mas como forma de prestigiar e ampliar a atuação pastoral, de proximidade com os fiéis.

Além de alterar o perfil da Cúria Romana, as nomeações de Francisco, desde 2014, somam uma maioria suficiente que induz a pensar que o resultado do próximo conclave possa refletir sua linha de atuação, prolongando os efeitos do seu papado. Dos 132 eleitores, 83 foram escolhidos pelo atual pontífice.

É justamente a iminência desse conclave, sobre o qual Francisco tem falado abertamente, que alimenta rumores em torno dos eventos dos próximos dias. Depois da cerimônia de posse, o argentino viaja à cidade italiana de Áquila. Lá, visitará o túmulo do papa Celestino 5º, o primeiro a renunciar espontaneamente, em 1294, depois de menos de quatro meses de pontificado. De volta ao Vaticano, o líder católico vai acompanhar uma assembleia a portas fechadas com todos os cardeais, convocados de forma extraordinária.

Oficialmente, o motivo é para que os cardeais reflitam sobre a nova Constituição da Santa Sé, o que é visto com estranheza por parte dos analistas. “Foi uma surpresa. Pode ser que o papa queira mesmo tornar mais conhecido o documento que organiza a vida cotidiana da Santa Sé, mas fazer isso depois de seis meses e em evento fechado, sem a participação de outros religiosos…”, diz, com suspeitas, a vaticanista espanhola Ángeles Conde.

Há quem diga que uma de suas intenções é promover o encontro de todos os cardeais eleitores, muitos dos quais nunca estiveram juntos. “Em vista de um futuro conclave, os cardeais que vão escolher o papa precisam se conhecer e entender quem são os melhores candidatos, até porque o próximo será um deles”, afirma Agostino Giovagnoli, professor da Universidade Católica do Sacro Cuore, em Milão. “É um encontro fora do comum. Tem muita curiosidade porque não estão claros nem o programa nem a intenção do papa.”

Há também quem cogite a apresentação de um pedido de renúncia, cenário que passou a rondar o Vaticano devido ao estado de saúde de Francisco, com problemas no joelho que o fizeram circular em cadeira de rodas recentemente.

No fim de julho, ao retornar do Canadá, o argentino, em conversa com jornalistas, afirmou que a denúncia é “uma escolha normal”, mas que ainda não faz parte de seus planos. “A porta está aberta! Mas ainda não bati nessa porta. Porém não significa que eu não possa começar a pensar nisso depois de amanhã.”

Quem são os cardeais brasileiros?

1. Dom Geraldo Majella Agnelo, 88
Arcebispo emérito de Salvador // Nomeado em 2001// Não eleitor

2. Dom Odilo Scherer, 72
Arcebispo de São Paulo // Nomeado em 2007 // Eleitor

3. Dom Raymundo Damasceno Assis, 85
Arcebispo emérito de Aparecida // Nomeado em 2010 // Não eleitor

4. Dom João Braz de Aviz, 75
Prefeito da Vida Consagrada // Nomeado em 2012 // Eleitor

5. Dom Orani João Tempesta, 72
Arcebispo do Rio de Janeiro // Nomeado em 2014 // Eleitor

6. Dom Sérgio da Rocha, 62
Arcebispo de Salvador // Nomeado em 2016 // Eleitor

7. Dom Leonardo Steiner, 71
Arcebispo de Manaus // Nomeado em 2022 // Eleitor

8. Dom Paulo Cezar Costa, 55
Arcebispo de Brasília // Nomeado em 2022 // Eleitor