Tragédia

Para sobreviventes, terremoto na Turquia e na Síria parecia ‘apocalipse’ e ‘juízo final’

Surpreendidos pelos fortes tremores no meio da madrugada, cidadãos relatam desespero com tragédia

Em um hospital no noroeste da Síria, Usama Abdelhamid não consegue conter as lágrimas: o prédio onde morava com sua família desabou no meio da noite desta segunda-feira após um violento terremoto de 7,8 graus de magnitude atingir o sudeste da Turquia e o norte da Síria, deixando milhares de mortos e feridos.

Morador da cidade síria de Azmarin, na fronteira com a Turquia, Abdelhamid sobreviveu milagrosamente ao sismo graças ao socorro de outros cidadãos que também escaparam da tragédia. Ele e sua família estavam sob os escombros do prédio de quatro andares, mas seu filho conseguiu sair e gritar por ajuda. Nenhum de seus vizinhos resistiu ao desabamento.

— Dormíamos quando sentimos um forte tremor de terra — contou à AFP. — Corremos para a porta do nosso apartamento no terceiro andar. Quando abrimos, todo o prédio desabou — relatou após ser atendido no hospital al-Rahma, na cidade de Darkush, na província de Idlib.

O hospital onde Abdelhamid foi encaminhado está superlotado. Ambulâncias chegam com feridos a todo momento, sobretudo crianças, segundo relatos de um correspondente da AFP. Pelo menos 30 corpos sem vida foram levados à unidade.

— A situação é muito grave, muitas pessoas continuam debaixo dos escombros de prédios residenciais — disse o cirurgião Majid Ibrahim à AFP.

Mohamed Barakat, pai de quatro filhos, ocupa um dos leitos do hospital com ferimentos no rosto e uma fratura na perna, após ter sido atingido por um muro.

— Saímos de casa porque a planta é baixa e antiga. Mas as paredes dos prédios vizinhos começaram a cair sobre nós quando estávamos na rua — contou ele à AFP.

Pânico na Turquia

Tulin Akkaya tentava organizar seus pensamentos após ter sido acordada repentinamente pelo pior terremoto na Turquia desde 1999. Após o segundo tremor, ela fugiu para a rua.

— Estou muito assustada. Senti [o tremor] muito forte porque moro no último andar — disse a dona de casa de 30 anos. — Saímos correndo em pânico. Agora não posso voltar a meu apartamento, não sei o que acontecerá depois — acrescentou a mulher.

Muitos imóveis ficaram em ruínas em sua cidade, Diyarbakir, no sudeste do país, que acolhe muitas das milhões de pessoas que fogem da guerra e da pobreza na Síria. As mesmas cenas de devastação se repetiram nas principais cidades da fronteira de ambos os países, uma região remota, pouco desenvolvida e densamente populosa, o que aumenta os imensos desafios das equipes de resgate tanto na Turquia quanto na Síria.

As autoridades registraram mais de cem abalos secundários nas primeiras horas após o tremor inicial e alertaram que outros episódios são esperados nos próximos dias.

“Apocalipse”

Quando o segundo tremor mais forte atingiu a região, cidadãos que haviam resistido ao primeiro abalo retornavam às suas casas para recolher os seus pertences e encontrar um local seguro para passar a noite, que se anunciava fria. O serviço meteorológico prevê chuvas e neve no sudeste da Turquia no decorrer da semana. A maior parte das cidades na fronteira entre os dois países ficou sem gás e eletricidade.

— É uma região sísmica, por isso estou acostumada aos tremores — declarou a repórter Melisa Salman, que vive em Kahramanmaras, epicentro do terremoto na Turquia, a cerca de 60 km da fronteira síria. — Mas é a primeira vez que vivemos algo assim. Pensamos que fosse o Apocalipse — relatou, acrescentando à jornalista: — Estamos do lado de fora desde as 4h30 da madrugada. Está chovendo, mas ninguém se atreve a voltar para casa por medo de novas réplicas.

Apesar de a terra não parar de tremer, as equipes de resgate, muitas vezes auxiliadas pela população local, continuam as buscas por vítimas. Uma menina de seis anos foi resgatada após horas de trabalho dos socorristas ajudados por seu pai. No total, três crianças foram resgatadas entre os escombros de um edifício completamente em ruínas em Kahramanmaras.

— Consegui salvar três pessoas, mas também encontrei dois corpos. Não posso voltar para casa. Fico aqui caso precisem de mim — disse Halis Aktemur, de 35 anos, que ofereceu ajuda para as equipes de resgate que trabalham nas ruínas de um edifício em Diyarbakir, na Turquia.

Alguns estabelecimentos, como estádios e espaços para eventos, estão acolhendo pessoas que não conseguiram voltar para casa em Diyarbakir, informou um corresponde da AFP na região.

“Juízo final”

Assim que Anas Habache, de 37 anos, começou a sentir o tremor, foi procurar o filho e gritou para a esposa grávida correr até a porta de seu apartamento, no terceiro e último andar de um prédio em Aleppo, província da Síria cuja cidade homônima abriga os mais antigos castelos medievais do mundo.

— Descemos as escadas como loucos e, quando chegamos à rua, vimos dezenas de famílias assustadas — contou. — Alguns rezavam de joelhos, outros choravam, como se fosse o dia do juízo final — acrescentou, dizendo nunca ter sentido nada igual nos últimos anos de guerra no país.

— Isso foi muito pior do que as bombas e as balas — descreveu Habache à AFP.

Considerada Patrimônio Mundial em Perigo da Unesco, por causa da guerra civil na região, diversos monumentos históricos e edifícios nos arredores da cidade antiga de Aleppo tiveram suas estruturas parcial ou totalmente destruídas com o terremoto. A extensão dos estragos ainda está sendo contabilizada pelas autoridades.