Parlamento britânico convoca Mark Zuckerberg para falar sobre a Cambridge Analytica
Empresa, que foi contratada pela campanha eleitoral do presidente Donald Trump, é acusada de recolher dados de 50 milhões de usuários da rede social com a intenção de influenciar a eleição presidencial nos Estados Unidos
Uma comissão parlamentar britânica solicitou ao fundador e presidente do Facebook, Mark Zuckeberg, que compareça para esclarecer o uso ilícito de informação pessoal de usuários da rede social supostamente empregado pela empresa de análise de dados Cambridge Analytica, contratada pela campanha eleitoral do presidente Donald Trump em 2016 e acusada de recolher dados de 50 milhões de usuários do Facebook com a intenção de influenciar a eleição presidencial nos Estados Unidos naquele ano. A chefe da Comissão de Informação do Reino Unido, Elizabeth Denham, anunciou na noite de segunda-feira que pretende conseguir um mandado de busca para coletar informações nos escritórios da companhia.
Empresários da companhia foram filmados pelo canal britânico Channel 4 News em um encontro no qual sugerem formas de sabotar e difamar políticos, incluindo pagamento de propina e contratação de prostitutas para seduzi-los. As imagens registradas prejudicam a perspectiva de defesa da Cambridge Analytica, que negou “energicamente” as acusações de roubo de dados. Legisladores americanos e europeus exigiram uma explicação sobre como a empresa de consultoria obteve acesso aos dados em 2014 e por que o Facebook falhou em informar seus usuários, acendendo um amplo debate sobre privacidade do consumidor.
— Estamos buscando saber se o Facebook garantiu e guardou informações pessoais na plataforma e se, quando eles descobriram sobre a perda dos dados, eles agiram robustamente e se as pessoas foram informadas ou não — disse Denham à BBC Radio. — Precisamos olhar as bases de dados, precisamos olhar os servidores e entender como o uso de dados foi processado — disse a comissária.
A emissora Channel 4 exibiu o vídeo produzido para uma reportagem que levou meses de apuração na noite de segunda-feira, dias após os jornais “The New York Times” e “The Observer of London” publicarem que a empresa tinha coletado dados de usuários sem autorização com o objetivo de desenvolver técnicas para mapear o comportamento de eleitores americanos.
Com uma câmera escondida, a reportagem capturou o momento em que o diretor-executivo da Cambridge Analytica, Alexander Nix, sugere táticas para prejudicar os políticos, indicando que há muitas estratégias para “cavar fundo”. Ele diz que é preciso “oferecer um acordo que seja muito bom para ser verdade e garantir que o vídeo esteja gravando”.
Então, Nix sugere “enviar algumas meninas para perto da casa dos candidatos”, acrescentando que ucranianas “são muito bonitas, e acho que trabalham muito bem”.
— Só estou dando exemplos do que pode ser feito e do que foi feito — afirmou Nix. — Temos uma longa história em trabalhar nos bastidores.
O repórter do Channel 4 News, que não foi identificado, se passou por um funcionário de uma família rica do Sri Lanka que queria ajudar a promover políticos aliados. Em uma série de encontros entre novembro e janeiro, marcados secretamente, Nix e outros executivos da Cambridge Analytica se vangloriaram ao dizer que contratam empresas de fachada e ex-espiões em nome de clientes políticos.
— Muitos de nossos clientes não querem ser vistos trabalhando com uma empresa estrangeira — disse Nix ao repórter, segundo o “NYT”. — Podemos criar identidades e sites falsos, podemos se estudantes fazendo projetos de pesquisas ligados a universidades, podemos ser turistas. Há muitas opções para as quais podemos olhar.
Cambridge Analytica nega
A Cambridge Analytica disse em comunicado, após a exibição do vídeo, que a reportagem foi “editada e roteirizada para deturpar grosseiramente a natureza daquelas conversas e como a companhia conduz seu negócio”. A empresa disse que foi o repórter que levantou a ideia de sabotar políticos, e que os executivos “brincaram sobre as perguntas e encorajaram ativamente o cliente em potencial para abandonar suas intenções”:
“Eles (os executivos) saíram com grandes preocupações e não se encontraram com ele novamente”, indicou a companhia de análise de dados.
O Facebook disse que os dados foram coletados pelo pesquisador britânico Aleksandr Kogan, que criou um aplicativo na plataforma que foi baixado por 270 mil pessoas, fornecendo acesso não apenas a informações pessoais, mas também de amigos. A rede social disse que Kogan violou políticas de privacidade ao conceder os dados à Cambridge Analytica.
Desde o início do escândalo na última sexta-feira, a companhia de Mark Zuckerberg suspendeu os trabalhos da Cambridge Analytica e sua matriz, a empresa britânica de marketing Strategic Communication Laboratories (SCL). O Facebook chegou a contratar auditores da empresa Stroz Friedberg para investigar e determinar se a Cambridge Analytica ainda detém os dados.
“Auditores da Stroz Friedberg estavam no local do escritório da Cambridge Analytica em Londres esta noite”, disse o Facebook na segunda-feira. “A pedido do Escritório da Comissária de Informação do Reino Unido, que anunciou estar buscando um mandado de busca para uma investigação no local, os auditores da Stroz Friedberg saíram”.
Multa de até US$ 700 mil
A Comissão de Informação pode impor multas de até US$ 700 mil, mas busca ganhar mais força para penalizar a companhia em até 4% de seu volume de negócios globais quando nova legislação sobre proteção de dados entrar em vigor em maio.
Filial americana da SCL, a Cambridge Analytica foi criada em 2013 e se promove como fonte de pesquisa sobre consumo, publicidade-alvo e outros serviços de dados para clientes corporativos e políticos. Segundo o “NYT”, a companhia foi criada com apoio de US$ 15 milhões do bilionário republicano Robert Mercer, nome depois escolhido pela Casa Branca para assessorar Steve Bannon, ex-estrategista da campanha de Trump.
A companhia havia sido contratada pela campanha de Trump enquanto era candidato pelo Partido Republicano em 2016, e é conhecida por ter fornecido soluções de coleta de dados e identificação de público-alvo no Reino durante a campanha do grupo a favor da saída do Reino Unido da União Europeia antes do referendo de junho de 2016.
Além dos Estados Unidos, o grupo SCL já realizou trabalhos em outros países durante eleições, incluindo em regiões como Caribe e África, onde leis de privacidade são frouxas ou quase inexistentes e políticos contratam a SCL para implementar técnicas de público-alvo com base em dados.