Policiais torturados na invasão do Capitólio cobram punição para o mandante da ação
Audiência no Congresso ilustra o grau de ódio que uma expressiva minoria de americanos sente pelo resto da população
O depoimento de policiais espancados e feridos pela turba terrorista que invadiu o Capitólio no dia 6 de janeiro foi um dos momentos mais dramáticos em décadas de audiências no Congresso.
Seria preciso voltar aos anos 1950, no frenesi da chamada Caça às Bruxas —quando o corrupto senador e cruzado anticomunista Joe McCarthy forçou americanos a denunciar colegas e amigos sob ameaça de perseguição— para assistir à explosão de indignação despertada pela audiência da terça-feira (27).
O país, é claro, viveu outros momentos de alta tensão dramatizados no Congresso, como a Guerra do Vietnã e o 11 de setembro. Mas as quatro horas de relatos feitos por quatro entre dezenas de policiais torturados pelos invasores ilustraram, como nenhum outro momento da história recente, o grau de ódio que uma expressiva minoria de americanos sente pela maioria dos americanos.
A percepção do horror vivido dentro do Capitólio em janeiro foi retardada por dois fatores. Os parlamentares e assessores que se preparavam para a sessão que certificaria a vitória de Joe Biden foram poupados de violência física pela ação heróica da polícia do Capitólio, logo reforçada por um magro contingente da polícia metropolitana de Washington, enquanto o criminoso na Casa Branca atrasava o envio da Guarda Nacional. E os policiais atacados não foram liberados para falar à imprensa durante a fase inicial das investigações.
Além disso, milhares de horas de vídeos gravados durante a invasão não haviam sido divulgados. Mais de 500 invasores foram presos e vão ser levados a julgamento, o que fez o FBI e o Departamento de Justiça decidirem atrasar a divulgação das imagens. Um consórcio de empresas de jornalismo entrou na Justiça para forçar o governo federal a liberar o material e, à medida que eles vão sendo exibidos, a escala de violência homicida se revela bem mais grave. É quase um milagre um só policial ter morrido vítima direta do ataque.
Vídeos inéditos foram mostrados na audiência no Congresso entre os depoimentos. São chocantes, mas nada provoca um frio maior na espinha do que ouvir a descrição dos próprios policiais.
“Você vai morrer de joelhos”, ouviu um deles, enquanto era espancado e, ao cair, um dos terroristas tentou cega-lo. “Vamos matá-lo com a arma dele”, ouviu outro, que foi eletrocutado tantas vezes por cargas de taser, enquanto era ouvido gritando por clemência, que acabou inconsciente. Em seguida, sofreu um ataque de coração e foi diagnosticado com concussões cerebrais.
Harry Dunn, um policial negro, disse que, até o 6 de janeiro, nunca havia sido chamado de “nigger”, o pior insulto racial, usando seu uniforme. E fez a analogia: quando um pistoleiro de aluguel mata alguém, não é o único a enfrentar a Justiça. O mandante também vai preso. Dunn cobrou dos deputados a identidade e a punição do mandante, numa óbvia referência a Donald Trump.
O policial Daniel Hodges explicou que é importante referir-se aos seus torturadores como terroristas. Ele leu para os parlamentares a definição legal de terrorista doméstico nos EUA. Mais de 9.000 pessoas participaram da invasão. Sim, centenas deles podem ser qualificados como terroristas domésticos.
Depois de ouvir as descrições do linchamento sofrido pelos policiais, um deputado perguntou a Harry Dunn, “isto é a América?” Dunn respondeu, resignado: “Suponho que sim. Mas não devia ser.”