EUROPA

Premiê da Itália anuncia renúncia, mas presidente rejeita

Mario Draghi cede a impacto da crise detonada por implosão em aliança, mas cenário político na Itália ainda é incerto

Premiê da Itália anuncia renúncia, mas presidente rejeita (Foto: Reprodução - Youtube)

A Itália vive nesta quinta-feira (14) mais um episódio da série de reviravoltas que caracterizam a política do país nas últimas décadas. O primeiro-ministro Mario Draghi anunciou sua renúncia movido pela crise detonada pelo Movimento 5 Estrelas (M5S), um dos partidos que compõem a coalizão governista.

A legenda decidiu não apoiar um decreto no Senado que tinha a validade de um voto de confiança ao governo. Logo depois da votação, Draghi foi ao Palácio Quirinale, em Roma, para se encontrar com o presidente Sergio Mattarella, cuja função constitucional inclui indicar os rumos do país para tentar resolver imbróglios como o que vinha se desenhando há semanas e agora chega ao ápice.

Draghi saiu do Quirinale com uma reunião marcada com seu gabinete de ministros. A pauta era a apresentação de seu pedido de demissão, que seria formalizado horas depois no palácio presidencial. O enredo se complicou, contudo, quando o presidente Mattarella divulgou comunicado em que afirma ter rejeitado a renúncia do premiê e o aconselha a se apresentar ao Parlamento italiano.

Ainda que a coalizão que levou Draghi ao poder há 17 meses de fato se imploda com a saída do M5S, o ex-líder do Banco Central Europeu, de 74 anos, ainda tem maioria parlamentar. Isso significa que, caso queira permanecer no cargo, terá apoio do Legislativo. Draghi, porém, vinha dizendo que não faria sentido seguir como chefe de governo sem a aliança com um dos principais partidos da coalizão.

Aprovado no Parlamento por 172 votos a 39 —sem a participação dos deputados do M5S—, o voto de confiança desta quinta-feira foi usado para agilizar a liberação de um pacote de € 17 bilhões, chamado de Ajuda, com medidas para aliviar o impacto do aumento dos preços de matérias-primas e da energia.

O placar da votação indica ainda que a permanência de Draghi no governo nunca esteve ameaçada por falta de apoio parlamentar. Pelo contrário: sua coalizão reúne quase todos os partidos representados no Parlamento, com exceção da sigla de ultradireita Irmãos da Itália, que permaneceu na oposição.

Mesmo assim, o voto de confiança se tornou um ponto focal e uma espécie de termômetro da unidade da coalizão —em parte porque os partidos já começam a se movimentar para a eleição nacional prevista para o início de 2023.

A antecipação do pleito, porém, é um dos possíveis desdobramentos das decisões desta quinta-feira —e certamente o mais drástico deles. Isso porque se for este o caminho indicado por Mattarella caso Draghi não fique no cargo, a nova eleição deve ocorrer perto do último trimestre do ano, período em que o Legislativo italiano tradicionalmente se concentra em aprovar o Orçamento do ano seguinte. Um pleito nacional nesse período, além de forçar mudanças no calendário, assemelharia a Itália a Portugal, que viveu no ano passado uma crise política por motivos parecidos.

Outro cenário possível é a formação de um governo-ponte. Nessa configuração, outro nome indicado pelo presidente assumiria a chefia do governo desde que a maior parte dos parlamentares desse aval à nomeação. A imprensa italiana já ventila nomes como o de Giuliano Amato, presidente da Corte Constitucional.

Uma terceira opção passa pela capacidade de persuasão de Mattarella e sua influência sobre Draghi. O presidente pode convencer o premiê a manter o governo de união nacional estabelecido quando a Itália tentava solucionar outra de suas crises.

“Draghi vai ter que fazer um rearranjo de forças para constituir um gabinete de transição que se se segure até as eleições do ano que vem. É a alternativa mais provável”, afirma Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper.

Liderado pelo ex-premiê Giuseppe Conte, o M5S vinha pressionando Draghi com ultimatos e ameaças de abandono da coalizão. O partido se consolidou como um dos mais votados na última eleição, mas desde então sofreu diversas deserções, perdeu apoio público e, como consequência, peso político. Nas pesquisas de intenção de voto para 2023, ​ocupa um amargo quarto lugar na preferência dos eleitores.

Ainda não está claro qual será o papel do M5S em qualquer uma das três possibilidades. A sigla que vem forçando as cordas que sustentam a coalizão continua ocupando três ministérios no governo Draghi —Agricultura, Juventude e Relações com Parlamento.

Também é cedo para afirmar quão prejudicado fica o vínculo entre o premiê e o partido. Para Consentino, Draghi continua se agarrando ao 5 Estrelas em busca de legitimidade e para evitar que, no futuro, o partido volte-se contra seu governo.

Draghi ascendeu ao poder em fevereiro de 2021, convidado pelo presidente Mattarella para liderar uma coalizão heterogênea em nome da união nacional. Sua missão era realizar as principais reformas exigidas pela maior parcela de fundos de recuperação pós-pandemia da União Europeia, um pacote no valor aproximado de € 200 bilhões.

Desde então, o governo se viu envolvido na Guerra da Ucrânia —e Draghi buscou negociar ativamente com Volodimir Zelenski e Vladimir Putin. O apoio de Draghi a Kiev ganhou um voto de confiança parlamentar em junho, apesar das críticas de Conte de que a política arriscava iniciar uma corrida armamentista.

Em seu governo, Draghi também lidou com a campanha de vacinação contra a Covid-19, depois de a Itália ter sido um dos primeiros símbolos da tragédia provocada pelas mortes na pandemia.