AMÉRICA LATINA

Presidente da Argentina demite ministro que criticou Cristina Kirchner

Embaixador do país no Brasil assumirá vaga do ministro demitido

Presidente da Argentina demite ministro que criticou Cristina Kirchner (Foto: Instagram)

O presidente argentino, Alberto Fernández, cedeu à pressão de sua vice-presidente, Cristina Kirchner, ao demitir na noite de sábado o ministro do Desenvolvimento Produtivo, Matías Kulfas, um dirigente de sua máxima confiança. Kulfas será substituído por Daniel Scioli, atual embaixador no Brasil.

A demissão de Kulfas, que também tinha a confiança dos empresários argentinos, foi decidida depois que alguns jornalistas receberam um informe em off, enviado do seu ministério, afirmando que “funcionários de Cristina” teriam “montado sob medida para [a empresa] Techint” a licitação para fornecimento de suprimentos essenciais para o Gasoduto Néstor Kirchner, destinado a transportar a produção do campo de Vaca Morta, na Patagônia. A isso, segundo o informe, se devia o atraso na construção do gasoduto, já que os suprimentos em questão não são fabricados na Argentina.

Declarações semelhantes foram dadas por Kulfas em entrevista a uma rádio. A sugestão de corrupção na licitação do gasoduto pela estatal Energía Argentina, controlada pelos kirchneristas, atiçou as tensões entre o presidente e sua vice, depois que ambos dividiram o palco em um evento na sexta-feira para comemorar o centenário da petroleira YPF, privatizada na década de 1990 e que voltou a ser estatizada em 2012.

O encontro foi visto como um passo para reconstruir as relações entre os dois, depois de três meses sem aparecerem juntos em meio a divergências sobre a política econômica. Cristina defende uma orientação mais expansionista e criticou o acordo firmado neste ano para a renegociação da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI). No governo que reúne peronistas tradicionais e kirchneristas, Kulfas era um antigo crítico da ala ligada a Cristina, que foi presidente entre 2007 e 2015.

“É eticamente condenável falar, em off, em detrimento de outras pessoas. Não endosso esses procedimentos e compartilho o desconforto expresso por Cristina Kirchner”, tuitou o presidente antes de pedir a renúncia do ministro.

Antes, também no Twitter, Cristina considerou “muito injusto e, sobretudo, muito doloroso que esse tipo de ataque seja realizado por funcionários do governo da Frente de Todos. O pior de tudo: sem mostrar seus rostos, mentindo e usando jornalistas”.

A denúncia de Kulfas foi refutada em comunicado da estatal Energía Argentina, retuitado por Fernández e Kirchner.

Daniel Scioli, que assumirá o Ministério do Desenvolvimento Produtivo, foi nomeado embaixador no Brasil por Fernández em 2019 com a tarefa de aparar as arestas entre os dois governos, dada a animosidade entre o presidente argentino e seu colega brasileiro Jair Bolsonaro. Em entrevista em maio ao GLOBO, Scioli disse que sua gestão da embaixada foi reconhecida na Argentina, onde é cotado para disputar a Presidência em 2023 ou para ser vice de Fernández se o presidente concorrer à reeleição.

— O Brasil garantiu que a Argentina receberia a energia (elétrica) que precisasse neste ano, nos apoiou no Fundo Monetário Internacional. Chegamos a um acordo sobre a Tarifa Externa Comum (TEC, que taxa produtos de fora do Mercosul), quando tudo parecia que iria por água abaixo — disse ele na entrevista.

Ex-governador da província de Buenos Aires, Scioli é tido como conciliador e capaz de fazer uma ponte entre o grupo de Fernández e o de Cristina. Ele foi vice-presidente de Néstor Kirchner (2003-2007) e, em 2015, foi o candidato presidencial do peronismo, mas acabou derrotado na votação por Mauricio Macri.