Presidente do Cazaquistão manda ‘atirar para matar’ manifestantes
O presidente do Cazaquistão, Kassim-Jomart Tokaiev, afirmou nesta sexta (7) que deu ordem para “atirar…
O presidente do Cazaquistão, Kassim-Jomart Tokaiev, afirmou nesta sexta (7) que deu ordem para “atirar para matar sem aviso prévio” qualquer manifestante que proteste contra seu governo, como forma de tentar encerrar a crise que engolfou a ex-república soviética nesta semana.
Desde domingo (2), atos contra aumento no preço de um combustível usado no país, o GLP (gás liquefeito de petróleo), espiralaram para uma revolta nacional. Segundo o governo, 26 ativistas, chamados por ele de “bandidos terroristas”, foram mortos, além de 18 policiais.
O número de feridos é incerto, mas deve passar de mil. Na quarta (5), dia em que o caldo entornou com ataques a prédios públicos e invasões nas principais cidades do país, inclusive a maior, Almati, o governo desligou a infraestrutura da internet e da telefonia móvel.
Assim, os relatos de violência são muito esparsos e confusos. Nesta noite de quinta para sexta, a agência russa Tass reportou tiroteios em Almati, por exemplo, mas aparentemente não há mais as cenas de descontrole com multidão na rua pelo país.
“Terroristas continuam destruindo propriedade e usando armas contra civis. Eu dei a ordem para forças de segurança de atirar para matar sem aviso prévio”, disse Tokaiev em um pronunciamento na TV estatal.
Ele insistiu que ouviria as “demandas pacíficas”, lembrando que mandou congelar os preços dos combustíveis por seis meses, mas que não negociaria com terroristas. “Estamos lidando com bandidos armados e treinados, localmente e no exterior. Eles têm de ser destruídos, e o serão brevemente”, afirmou.
Tokaiev agradeceu o presidente Vladimir Putin, da Rússia, por ter atendido seu pedido de ajuda e organizado a primeira missão militar da OTSC (Organização do Tratado de Segurança Coletivo), uma aliança militar de países ex-soviéticos criada em 1999 por Moscou que nunca tinha tido maior valia prática.
Cerca de 2.500 soldados, a maioria russos mas também de países como Belarus e Armênia, devem desembarcar entre sexta e sábado no Cazaquistão para apoiar o governo —as primeiras tropas começaram a ser deslocadas na quinta, um dia depois do pedido de Tokaiev.
Eles deverão auxiliar diretamente a proteger a infraestrutura energética do país, produtor relevante de petróleo e gás, onde há grande participação de empresas americanas. O país também é o maior exportador de urânio no mundo, e a interrupção da internet prejudicou o mercado de bitcoins, já que o Cazaquistão concentra 18% da chamada mineração da moeda virtual.
Para Putin, que começa nesta sexta a enfrentar uma batalha diplomática acerca de seu envio de 100 mil homens às fronteiras ucranianas para forçar Kiev a negociar uma solução para a guerra civil no leste do país e tentar evitar que o vizinho adira à Otan (clube militar ocidental), a crise trouxe risco e oportunidade.
Risco porque a situação pode sair do controle, desgastando Moscou e dividindo sua atenção no momento chave da crise europeia. Mas é uma oportunidade porque uma solução rápida consolidará mais um aliado sob sua firme influência, como ocorreu na crise da Belarus de 2020, e uma posição de força ante o Ocidente.
Ambas as hipóteses alimentam teorias conspiratórias acerca da natureza dos protestos, que em sua origem lembram os atos de 2013 no Brasil. A pouca informação dificulta o trabalho de entender isso, mas há sinais de que talvez haja a divisão citada por Tokaiev entre manifestantes.
Segundo divulgou na sexta a Rádio Azattiq, braço da ocidental Rádio Liberdade, na cidade de Aktobe ativistas pela melhoria na economia protegeram a estação de trem local contra homens armados na noite de quinta.
O autocrata Tokaiev falou em 20 mil “bandidos” agindo de forma concertada no país, e não é impossível que alguém tenha tentado sequestrar os protestos espontâneos que começaram quando o governo liberou o preço do GLP. Quem foi e com qual objetivo é a questão.
Para o líder dissidente Mukhtar Abliazov, não há dúvidas sobre a versão de que o Kremlin está por trás da crise. Ele afirmou que Putin, que já havia resgatado de uma crise o governo do Quirguistão no ano passado, quer “recriar uma espécie de União Soviética” na Ásia Central, em entrevista à agência Reuters, em Paris.
Na linha contrária, o cientista político Serguei Markov, ex-assessor de Putin nos anos 2000, publicou nas suas redes sociais que o presidente russo sai ganhando porque foi provocado por quem queria tirar sua energia da questão ucraniana.
Do ponto de vista doméstico, Tokaiev por ora parece ter consolidado sua posição. Sucessor do longevo ditador Nursultan Nazarbaiev, que aos 81 anos vive como o “pai da nação” e tinha grande poder até aqui, o presidente retirou o antecessor do poderoso Conselho de Segurança do país.
Para Abliazov, isso foi jogo de cena, já que os manifestantes se queixavam também da influência do ex-ditador. Uma estátua dele foi, inclusive, derrubada na cidade de Taldikorgan, no melhor estilo dissolução da União Soviética (1922-1991).