GUERRA NUCLEAR

Putin mobiliza reservistas na Rússia e faz ameaça nuclear: “isso não é um blefe”

Presidente russo alega que contraofensiva ucraniana é na verdade guiada por países da Otan

Em pronunciamento pela TV na manhã desta quarta-feira, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou uma “mobilização parcial” dos russos em idade de combater para se juntar à guerra na Ucrânia. Ele acusou a Otan, a aliança militar liderada pelos EUA, de estar no comando das forças ucranianas e, diante do que chamou de “chantagem nuclear” das potências ocidentais, fez uma ameaça velada de uso de armas atômicas, dizendo estar disposto a usar “todos os meios” em defesa do seu país.

A mobilização de reservistas, que vinha sendo evitada pelo Kremlin, foi anunciada em meio à contraofensiva da Ucrânia para retomar territórios ocupados pela Rússia, que foi possível graças aos armamentos fornecidos a Kiev pelos Estados Unidos e seus aliados europeus.

O pronunciamento de 20 minutos, gravado durante uma reunião na terça-feira com o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, foi o primeiro em rede nacional de Putin desde o que fez ao anunciar em 24 de fevereiro a “operação militar especial” na Ucrânia — o governo russo nunca declarou uma guerra formal contra o país vizinho, o que teria implicado a mobilização de todas as forças da reserva.

Em sua fala, o presidente russo se referiu a “provocações” ucranianas nos arredores da usina nuclear de Zaporíjia, no Sul da Ucrânia, ocupada desde março pelas forças de Moscou, e à “chantagem nuclear” das potências da Otan para alertar:

— Chantagem nuclear tem sido usada, e não estamos falando apenas do bombardeio da usina de Zaporíjia, mas também de pronunciamentos de altos representantes da Otan sobre a possibilidade de usarem armas de destruição em massa contra a Rússia — disse Putin, que acusou as potências ocidentais de pretenderem “enfraquecer, dividir e, no final das contas, destruir” seu país, superando “todos os limites em sua política agressiva”: — Gostaria de recordar aos que fazem esse tipo de declaração que nosso país também tem vários meios de destruição, alguns deles mais modernos que os dos países da Otan. Se a integridade territorial de nosso país for ameaçada, certamente usaremos todos os meios à nossa disposição para proteger a Rússia e nosso povo. Isso não é um blefe.

No domingo, em entrevista à emissora CBS, o presidente americano, Joe Biden, havia alertado Putin contra o uso de “armas não convencionais” para tentar virar a guerra em seu favor, dizendo que tal ação “mudaria a face da guerra em sentido diferente de tudo [que já aconteceu] desde a Segunda Guerra Mundial”.

Em seguida ao pronunciamento de Putin, o ministro da Defesa Shoigu detalhou que a “mobilização parcial” envolve 300 mil reservistas, o que, em suas palavras, representa apenas “1,1% dos recursos que podem ser mobilizados”. O decreto, que vale já nesta quarta-feira, foi publicado na página do Kremlin na internet.

— Considero necessário apoiar a proposta (do Ministério da Defesa) de mobilização parcial dos cidadãos na reserva, aqueles que já serviram e que têm experiência pertinente — afirmou Putin, deixando claro que não se trata de uma mobilização geral. — Estamos falando apenas de uma mobilização parcial.

Segundo ele, a convocação é necessária porque, embora o objetivo primário da Rússia seja “libertar a região de Donbass”, no Leste da Ucrânia, o país tem que lutar em mais de mil quilômetros de frente nos quais as forças ucranianas “operam na realidade sob o comando de assessores da Otan”.

— A Otan realiza reconhecimento em todo o Sul da Ucrânia em tempo real, utilizando sistemas modernos, aviões, barcos, satélites, drones estratégicos — acrescentou.

Não há um número oficial de quantos militares a Rússia já enviou à Ucrânia. No início da guerra, a estimativa era que havia cerca de 100 mil soldados mobilizados na fronteira ucraniana. O governo vinha até agora recorrendo a uma campanha agressiva de alistamento voluntário e a mercenários, como os do Grupo Wagner, próximo ao Kremlin e que também atua na Síria e em vários países da África. Também conta com as forças dos separatistas ucranianos pró-Moscou, especialmente no Donbass.

Nesta quarta, o ministro Shoigu disse que o Exército russo perdeu 5.937 soldados desde o início da ofensiva, um balanço oficial muito superior ao anterior, que punha a cifra de mortos em pouco mais de 3 mil, mas bem muito abaixo das estimativas ucranianas e ocidentais, que citam dezenas de milhares de baixas.

Na terça-feira, já prenunciando uma escalada significativa da guerra, as administrações pró-Rússia em quatro regiões ocupadas no Leste e no Sul da Ucrânia haviam anunciado a realização de referendos entre os próximos dias 23 e 27 sobre a anexação desses territórios à Federação Russa. Analistas e autoridades pró-Kremlin afirmam que, se os territórios forem formalmente anexados, qualquer ação militar ucraniana nessas áreas pode ser considerada um ataque à própria Rússia.

Os parlamentares russos, por sua vez, aprovaram também na terça uma lei para criminalizar a deserção “durante períodos de lei marcial, conflito armado e mobilização” — o que já antecipava a mobilização anunciada por Putin.

‘Sinal de fraqueza’, dizem EUA

Após o pronunciamento de Putin, a embaixadora dos Estados Unidos na Ucrânia, Bridget Brink, disse que a mobilização representa um “sinal de fraqueza” da Rússia, que precisa lidar com uma escassez de militares em sua ofensiva, que completa sete meses nesta semana.

Já o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, disse que os EUA levam a sério a ameaça “irresponsável” de Putin de “usar armas nucleares na guerra na Ucrânia”.

— Estamos monitorando a postura estratégica deles da melhor forma possível para que possamos modificar a nossa, se necessário. Não vimos nenhuma indicação de que isso seja necessário neste momento — disse Kirby à emissora ABC.

O Reino Unido seguiu a mesma linha. O ministro da Defesa, Ben Wallace, afirmou que a decisão de Putin mostra que sua ofensiva “está fracassando” e destacou que “a comunidade internacional está unida, enquanto a Rússia está virando um pária global”.

O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, acusou Putin de pôr a paz mundial em perigo. “Ameaçar com armas nucleares é inaceitável e um perigo real para todos. A comunidade internacional deve se unir para impedir tais ações. A paz mundial está em perigo”, disse no Twitter.

Já a China, que evitou condenar a ofensiva russa, mas demonstra estar crescentemente preocupada com o prolongamento da guerra, pediu que todas as partes “alcancem um cessar-fogo por meio do diálogo”, e “encontrem uma solução que responda às preocupações legítimas de segurança de todas as partes o mais rápido possível”.

— A integridade territorial e a soberania de todos os países deve ser respeitada, os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas devem ser cumpridos, as preocupações legítimas de segurança de todos os países devem ser levadas a sério e apoiar todos os esforços — disse Wang Wenbin, porta-voz da Chancelaria chinesa.

Troca de acusações em Zaporíjia

As forças russas sofreram diversos reveses nas últimas semanas nas contraofensivas ucranianas nas regiões de Kherson, no Sul, e de Kharkiv, no Nordeste, onde os russos foram obrigados a ceder território.

Os combates prosseguiam nesta quarta-feira e as autoridades ucranianas voltaram a acusar a Rússia de atacar Zaporíjia. O ataque teria danificado uma linha de energia. Os dois lados vêm há meses trocando acusações sobre bombardeios na região.

“Nem mesmo a presença de inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) parou os russos”, afirmou a estatal nuclear ucraniana, a Energoatom, que pediu ao órgão da ONU que tome “medidas mais decisivas” contra Moscou.