Quem é o brasileiro que inventou currículo para se eleger deputado nos EUA
Com discurso de que representaria o 'sonho americano', republicano admirador de Trump e de Bolsonaro mentiu sobre formação, carreira, patrimônio e ascendência judaica
Primeiro deputado abertamente gay a se eleger nos Estados Unidos pelo Partido Republicano, a história de George Santos já teria sido surpreendente se tivesse parado aí. Ainda mais que a vitória do americano de pais brasileiros ocorreu em Nova York — conhecido reduto democrata — contra outro candidato também assumidamente gay e ajudou a garantir a estreita maioria na Câmara conquistada pelos republicanos na eleição legislativa no mês passado. Antes mesmo da posse marcada para 3 de janeiro, porém, a trajetória de Santos ficou marcada por mentiras, reveladas pelo jornal The New York Times.
Grande parte dos mais de 142 mil votos que recebeu, cerca de 54,1% do eleitorado do distrito pelo qual se elegeu, foi conquistada pela narrativa criada durante a campanha de que Santos era um retrato do “sonho americano”: filho de imigrantes brasileiros e neto de judeus que teriam fugido do Holocausto, ele teria se formado em duas universidades públicas de Nova York e se tornado um financista de sucesso em Wall Street, com 13 propriedades em seu patrimônio e uma instituição de caridade que já teria resgatado mais de 2.500 cães e gatos.
Mas, na última semana, uma reportagem do New York Times revelou diversos furos nessa biografia, como a ausência de registros de que ele havia estudado nas universidades ou trabalhado em duas importantes empresas de Wall Street das quais afirmou ter sido funcionário. Após uma semana de silêncio, Santos admitiu nesta terça-feira ter “floreado” a sua trajetória. Sem explicar todas as invenções reveladas pelo jornal — como o processo do qual é réu por estelionato no Rio de Janeiro — as extensões das mentiras seguem em aberto.
— Meus pecados aqui são florear meu currículo — disse Santos ao jornal New York Post.
Apoiador do ex-presidente Donald Trump e do presidente Jair Bolsonaro (PL), que elogiou pela condução da pandemia de Covid-19, Santos já postou uma foto com deputado Eduardo Bolsonaro em suas redes sociais e passou o penúltimo ano novo na mansão de Trump em Mar-a-Lago, na Flórida, na companhia da família do republicano.
Filho de uma carioca e de um mineiro, George Anthony Devolder Santos nasceu no Queens, em Nova York. Segundo ele, seus avós maternos eram judeus na Europa e emigraram para o Brasil durante o Holocausto, mas reportagens da CNN e do portal judaico americano The Forward revelaram que seus pais nasceram em território brasileiro antes da Segunda Guerra Mundial.
— Eu nunca disse que sou judeu —afirmou ele ao Post, contando que sua avó se converteu do judaísmo para o catolicismo. — Sou católico. Mas porque descobri que a família da minha mãe era judia, disse que era “meio judeu” — completou ele, que disse ser católico, mas que também se identificava como judeu não praticante.
Durante a campanha, ele descreveu uma carreira de sucesso no Citigroup e uma passagem pelo banco de investimentos Goldman Sachs. No entanto, nenhuma das empresas encontrou registros de emprego do deputado. Na mesma época em que ele afirmou estar em Wall Street, há registros de que Santos atuava como telemarketing na Dish Network, no Queens, segundo o New York Times.
Funcionários do Baruch College e da Universidade de Nova York (NYU), onde Santos disse ter se formado em Finanças e em Economia, respectivamente, também não localizaram nenhum registro de alguém com seu nome e data de nascimento que tenha concluído os cursos. Na segunda-feira, ele admitiu nunca ter se formado no ensino superior.
— Eu não me formei em nenhuma instituição de ensino superior. Estou envergonhado e me arrependo de ter floreado meu currículo — disse ao Post. — Nós fazemos coisas estúpidas na vida.
Além disso, o New York Times informou que a sua instituição de resgate de animais, a Friends of Pets United (Amigos de Animais de Estimação Unidos, em tradução livre), não consta na Receita Federal americana, que mantém os registros de organizações isentas de impostos.
O jornal americano também revelou incongruências quanto ao patrimônio de George Santos, que inicialmente havia declarado uma fortuna imobiliária com 13 propriedades, mas nesta terça-feira confessou não possuir nenhuma. Em setembro, contudo, ele disse ao Congresso americano que tinha um apartamento no Rio de Janeiro.
Seus formulários de divulgação financeira ainda sugerem uma vida de riquezas, como um salário de US$ 750 mil (R$ 4 milhões) e mais de US$ 1 milhão (R$ 5 milhões) em dividendos de sua empresa, a Devolder Organization. No entanto, a empresa, descrita como uma consultoria familiar para a abertura de novos negócios, que administrava US$ 80 milhões (cerca de R$ 416 milhões) em ativos, não tem site público, página no LinkedIn ou clientes.