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Recibos falsificados com Photoshop fazem Warren Buffett cair em armadilha milionária

Enganados, executivos de uma subsidiária da empresa do megainvestidor americano foram levados a comprar uma metalúrgica alemã à beira da falência por € 800 milhões

Warren Buffett (Foto: Divulgação)

Apenas algumas semanas depois de a Berkshire Hathaway, empresa de participações do megainvestidor americano Warren Buffett, comprar o que parecia um exemplo das proezas de que é capaz a engenharia alemã, um gerente da admirada companhia, nos Estados Unidos, recebeu um e-mail perturbador.

“Tenho que contar sobre uma coisa que testemunhei nos últimos meses”, disse o autor anônimo em um inglês esquisito. “Há uma falsificação de dados em curso”.

A dica do denunciante acabou levando à descoberta de uma elaborada conspiração envolvendo recibos de compras falsas, clientes fantasmas e sistemas de computadores hackeados, de acordo com depoimentos em uma disputa judicial.

O caso mostrou como até mesmo Buffett, um dos mais astutos investidores do mundo, pode ser enganado.

O que parecia uma lucrativa fábrica de tubos para a indústria de óleo e gás, a Wilhelm Schulz estava, de fato, perto da falência, segundo o processo de um painel de arbitragem nos EUA.

Dessa forma, de acordo com as evidências do processo, a Precision Castparts, uma subsidiária da Berkshire Hathaway, pagou € 800 milhões (cerca de R$ 4,8 bilhões) por uma companhia que valia apenas um quinto daquele preço.

Aquisição custa caro

A aquisição da Wilhelm Schulz foi um erro que custou caro à holding de Buffett, que também tem sido atingida pelos efeitos da pandemia nos negócios.

O caso também revela o mito das “Mittelstands”, as empresas de médio porte que sustentam a economia alemã. Promotores alemães abriram uma investigação criminal focando em oito suspeitos da Wilhelm Schulz, todos ex-executivos de alto escalão ou especialistas em Tecnologia da Informação.

Nenhum foi indiciado. A investigação foi revelada pelo jornal alemão Handelsblatt.

As circunstâncias que permitiram que a organização de Buffett caísse na armadilha de uma fábrica alemã pouco conhecida foi detalhada pelo painel de arbitragem que apreciou a reclamação feita pela Precision Castparts, a subsidiária da Berkshire, que fica baseada em Portland, nos EUA.

O tribunal privado concluiu que os executivos da Wilhelm Schulz e empregados da empresa “se associaram em um esquema abrangente” para ocultar as condições financeiras da companhia para que a Precision Castparts fosse adiante com a aquisição.

“As evidências fortemente apontam para fraude, e há pouco nos registros para sugerir outra coisa”, concluíram os árbitros.

Advogados que representam os interesses dos que venderam a empresa para Buffett, três empresas de investimentos alemãs originalmente controladas por membros da família Schulz negam irregularidades. E pediram à Justiça de Nova York que invalidade as conclusões da arbitragem.

Aparentemente, a Wilhelm Schulz parecia o tipo de companhia industrial que tem feito da Alemanha uma potência exportadora. Sediada em Krefeld, a norte de Düsseldorf, no coração industrial da Alemanha, a Schulz parecia ter uma posição forte no seu nicho de mercado: dutos especializados para a indústria de óleo e gás.

O diretor executivo, Wolfgang Schulz, de 73 anos, é filho de Wilhelm Schulz, que deu seu nome à companhia quando a fundou apenas alguns meses depois do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945.

Wolfgang também é bem conhecido localmente como o dono de um time de hóquei no gelo, o Krefeld Penguins. Ele nega qualquer irregularidade e promete limpar o seu nome.

A Precision Castparts começou a avaliar a aquisição da fábrica depois de ser abordada por um intermediário, em 2016. A Berkshire Hathaway tinha comprado a Precision Castparts apenas alguns meses antes, por US$ 37 bilhões, a maior aquisição já feita por Buffett.

Embora fosse bem conhecida por produzir componentes de aviões, a Precision Castparts também fabrica produtos para a produção de petróleo, uma indústria que estava sofrendo já antes da pandemia que fez despencar os preços da commodity.

Wilhelm Schulz parecia uma forma de a Precision Castparts aumentar a sua presença fora dos EUA e uma rara oportunidade de comprar uma companhia alemã. Muitas fábricas alemãs de médio porte são controladas por famílias que são relutantes em vender.

Precision Castparts despachou executivos para Krefeld, onde eles passaram seis meses avaliando os registros contábeis da empresa. Eles também checaram listas dos maiores clientes da companhia, entrevistaram os executivos e funcionários e visitaram as instalações.

Mas mal sabiam os executivos de Buffett que, por pouco, a Schulz havia evitado a falência pouco antes da chegada deles. A companhia não conseguiu pagar dívidas de € 325 milhões de uma linha de financiamento do banco Commerzbank, de acordo com o relatório da arbitragem.

Um advogado contratado pela Schulz alertou a companhia de que, sob as leis alemãs, era obrigada a pedir insolvência. Mas a empresa evitou esse caminho porque conseguiu persuadir o Commerzbank a lhe emprestar mais € 8 million euros, dizendo que estava esperando pelo pagamento de um grande cliente.

O empréstimo-ponte veio com uma condição: se a Schulz não pudesse pagar, o Commerzbank assumiria efetivamente o controle da empresa.

Prática de ‘factoring’

A Schulz também estava levantando dinheiro emitindo títulos lastreados em recebíveis, o dinheiro que os clientes ainda estavam por pagar, uma prática conhecida como factoring.

Mas alguns dos documentos que a Schulz apresentou para os que emprestaram o dinheiro (e mais tarde conferido pela Precision Castparts antes da aquisição) foram manipulados com o uso de Photoshop, um programa de computador capaz de criar recibos falsos de encomendas, apontou a arbitragem.

Como os auditores da Precision Castparts não perceberam sinais tão flagrantes de falsificação? Um incidente descrito pela arbitragem ilustra como os funcionários da Schulz fizeram a companhia parecer mais saudável do que realmente era.

Em outubro de 2016, enquanto a Precision Castparts revisava os registros financeiros da companhia alemã, um funcionário de TI projetou uma interrupção de cinco dias no sistema de computador usado para organizar vendas e pedidos.

Uma equipe da Schulz usou o tempo de inatividade do sistema para produzir quase 50 pedidos, no valor de dezenas de milhões de euros, que foram organizados de forma a parecer que haviam sido registrados em 2014 e 2015, de acordo com o relatório dos árbitros.

Os pedidos foram atribuídos a empresas com as quais Schulz não fazia mais negócios, de acordo com testemunhos. Uma suposta cliente era uma companhia que havia efetivamente deixado de existir anos antes.

A compra da empresa pela companhia de Buffett foi fechada em fevereiro de 2017. O email do denunciante anônimo chegou no início de março do mesmo ano. Mais tarde, foi identificado na investigação como alguém que trabalhou na área de TI da Schulz.

Alertada, a Precision Castparts convocou consultores especializados em fraudes contábeis para trabalhar com seus próprios auditores.

Após meses de investigação, um deles descobriu os recibos alterados. Confirmaram com funcionários não envolvidos no esquema que aqueles pedidos não existiam. E acharam e-mails dos envolvidos aparentemente discutindo como fariam para inflar artificialmente as vendas.

Em 2018, numa tentativa de recuperar parte do dinheiro investido, a Precision Castparts provocou a arbitragem. Em abril, um tribunal de Nova York concluiu que Wolfgang Schulz e seus funcionários armaram um plano para disfarçar a real condição financeira da empresa. Um perito concluiu que a empresa alemã inflou seus lucros em € 160 bilhões com as transações falsas.

Wolfgang não quis responder sobre as acusações em detalhe, alegando que a investigação criminal continua em curso, mas afirmou que rejeita acusações de fraude. No ano passado, autoridades alemãs fizeram buscas na casa dele.

Má gestão?

Os advogados dele argumentam que a fábrica valia mais de € 800 milhões quando foi vendida e que qualquer perda era fruto de má gestão após a aquisição pela empresa de Buffett. E incluem nisso a demissão de cinco altos executivos depois que as irregularidades foram descobertas.

A empresa alemã afirmou que sua controladora Precision Castparts “continua a usar a marca Schulz para disputar mercado de forma agressiva, ainda que demande recuperar parte do que pagou pela empresa.

O tribunal de arbitragem deu à subsidiária da Berkshire o direito de receber € 643 milhões por danos, o preço pago pela aquisição menos o verdadeiro valor estimado da Wilhelm Schulz: € 157 milhões.

É incerta a capacidade de a Precision Castparts conseguir receber esse dinheiro. As três companhias de investimento que venderam as suas ações para a empresas de Buffett declararam insolvência.

Wolfgang Schulz vendeu quase tudo o que tinha no time de hóquei, o Krefeld Penguins, em abril, por um preço não informado. Jan-Philipp Hoos, um advogado de Düsseldorf lawyer que é o administrador da massa falida das empresas não quis comentar.

“Nós vemos essa como uma situação única, envolvendo circunstâncias individuais”, afirmou David Dugan, um porta-voz da Precision Castparts em um e-mail. Ele também afirmou que a experiência da empresa com a Wilhelm Schulz “não impacta nossa visão da indústria alemã”, cuja capacidade sempre foi elogiada por Buffett.