NOVO MUNDO

Seis forças que moldarão o futuro depois do coronavírus

Distanciamento social, tecnologia e austeridade serão as marcas do pós-pandemia, avaliam especialistas e empresários

Cuidado com assepsia é uma tendência que chegou para ficar, dizem especialistas (Foto: Reprodução/Internet)

Lamenta-se informar, mas o mundo pós-coronavírus terá muito a ver com… a quarentena. Impostas pelo trauma sanitário, soluções que viabilizaram o consumo, o trabalho, o ensino e o transporte durante o isolamento social devem moldar o futuro, após a pandemia, com o planeta ainda obcecado por assepsia, fragilizado pela recessão e habituado à comodidade da casa.

Educação, saúde e trabalho serão cada vez mais remotos. O consumo será intermediado por tecnologias que reduzem o contato ao mínimo, como e-commerce, realidades virtual e aumentada, pagamentos por aproximação e até drones.

As viagens de avião serão cada vez mais raras, caras, curtas e penosas, interrompendo a popularização do turismo. Nos restaurantes, os garçons mais parecerão enfermeiros, servindo mesas distantes umas das outras, e sempre reservadas com antecedência.

Essas são algumas das tendências identificadas por empresários e especialistas em meio ao exercício que estão fazendo para imaginar quais transformações no cotidiano serão legadas pela maior crise em várias gerações.

Confira as seis forças que já estão moldando esse futuro em vários setores, na visão deles:

  • Distanciamento e assepsia: A necessidade de reduzir os riscos de uma nova pandemia nas proporções da atual aumentará os cuidados com limpeza e contato pessoal.
  • Austeridade e senso de prioridade: As previsões são de uma recessão global sem precedentes este ano. O mundo pós-pandemia será mais pobre e demandará melhor uso dos recursos.
  • Tecnologia e conectividade: No cenário de imobilidade global, a internet e outras inovações tecnológicas conseguiram manter atividades econômicas e até acelerar a produtividade.
  • Planejamento urbano: O risco sanitário no transporte público e nas periferias pede um novo desenho na infraestrutura das cidades em direção à redução de desigualdades.
  • Responsabilidade social: A crise exige das empresas maior compromisso com a segurança de empregados, mas também com a da sociedade, atuando de forma complementar ao Estado.
  • Capital humano: O coronavírus deixará mudanças profundas na realidade econômica e social dos países. As pessoas terão de ser preparadas para essa nova realidade.

Algumas mudanças serão estruturais. Se a peste acelerou o fim da Idade Média e a epidemia de SARS normatizou a tecnologia na China da década passada, o novo coronavírus marcará a reversão da globalização e o aumento das desigualdades, avalia Alfredo Pinto, chefe da Bain & Company na América do Sul:

— Estamos convictos de que o coronavírus será a pá de cal (sobre a globalização). Se ela já vinha se desacelerando com a guerra comercial entre EUA e China, agora passará por uma reversão. Com as dificuldades nas cadeias de suprimento hoje, muitas empresas buscarão alternativas mais locais. A disponibilidade ganhará ascendência sobre a eficiência.

O comportamento das pessoas é o que move a economia. Com mais gente trabalhando, estudando, cozinhando e comprando de casa, a tendência é de desestímulo ao adensamento urbano. Isso mudará, portanto, a cara das cidades, o que embute risco de aumento da exclusão social.

Na hora de comprar, preço e eficiência

Aumentará o clamor por uma solução para o saneamento básico. Os meios de transporte terão que ser repensados com passageiros mais avessos a aglomerações.

Para que isso não estimule o veículo individual, modais públicos terão que receber investimentos e se tornar mais eficientes enquanto alternativas sustentáveis, como a bicicleta, ganharão impulso.

Mais pobres e sensibilizados pelo drama coletivo da pandemia, os consumidores serão mais assertivos na hora de comprar, privilegiando produtos e serviços que conjuguem preço, eficiência e responsabilidade social.

Ainda assim, muitas vezes, o consumo será sacrificado pelo “faça você mesmo” de uma classe média reconciliada, a contragosto ou não, com o lar, o fogão e a vassoura.

Muitas empresas não terão fôlego para atravessar a crise, mas as mais engajadas com a sociedade, da qual dependem, têm mais chance de sobreviver.

Num mundo cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo (conceito que executivos no meio corporativo resumem na sigla VUCA), as empresas não poderão mais pensar só nos interesses dos acionistas, como reza a cartilha dos conselhos de administração.

Terão que cooperar com os outros atores de sua área de influência: clientes, fornecedores, comunidade local e os próprios funcionários, em ação complementar ao Estado. A cobrança tende a crescer, principalmente nas frentes social e ambiental.

— A crise é o momento da verdade, quando se percebe se as boas intenções eram de fato verdadeiras — diz a economista Eliane Lustosa, ex-diretora do BNDES e que hoje integra conselhos de grandes empresas.

Ela continua:

— Os consumidores da nova geração já têm essa preocupação ambiental muito forte. Mas quando os investidores institucionais aderem, que é o que está acontecendo agora, você muda o jogo. A Covid-19 pode ser um divisor de águas. Será cada vez mais fácil identificar o que é marketing e o que é compromisso de verdade.