CABUL

Silêncio paira em volta da casa onde líder da al-Qaeda foi morto: ‘saiam daqui e parem de perguntar’

Talibã acusa os EUA de quebrar acordo de Doha ao matar líder da al-Qaeda

Silêncio paira em volta da casa onde líder da al-Qaeda foi morto: 'saiam daqui e parem de perguntar' (Foto: Pixabay)

Poderia o líder da al-Qaeda, um dos terroristas mais procurados do mundo, viver no centro de Cabul sem o consentimento de seus aliados talibãs? A pergunta retórica paira na manhã desta terça-feira na cidade. A tensão ronda o prédio em Sherpur, bairro rico da capital afegã, no qual os EUA afirmam ter matado com um drone no domingo Ayman al-Zawahiri, sucessor em 2011 de Osama Bin Laden à frente da organização terrorista. Militares armados ameaçam repórteres que rondam a sede do banco Ghazanfer, perto do local, mas não há um forte esquema de segurança.

— Saiam daqui e parem de perguntar! — exigiu, minutos depois, numa estrada próxima, um homem vestido à paisana com um walkie-talkie, enquanto tentava desobstruir o portão de metal que dá acesso ao terreno em que supostamente está a casa atacada.

Esta não é uma terça-feira qualquer em Cabul. A morte do terrorista está na boca de muitos, mas quase ninguém se atreve a falar na frente de um repórter. Menos ainda de um repórter estrangeiro. No início da manhã, antes de as lojas abrirem e o trânsito se intensificar, um grupo de homens se aglomerava com alguns jornalistas em frente a um conjunto de casas cercado por um muro. É o ponto bombardeado no domingo, aquele lugar onde, segundo a mídia local, ninguém morava. É uma das poucas coisas que um jovem chamado Noor Ahmad, originalmente da província de Kandahar, mas que agora trabalha em Cabul, comenta. Outros homens, como ele, entram e saem do terreno, mas permanecem em silêncio. Momentos depois, o homem com o walkie-talkie chega e encerra a conversa.

As autoridades do Emirado Islâmico do Afeganistão, como os talibãs chamam o país, condenaram o ataque, mas sem citar vítimas — a suposta morte de al-Zawahiri não é mencionada — ou alvos específicos. É claro que o atentado, realizado com um drone, segundo Washington, é uma “flagrante violação dos princípios internacionais e do acordo de Doha”, diz o porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid, em comunicado divulgado na noite de segunda-feira em sua conta no Twitter. Ele também disse que a ação de domingo confirma a “repetição da experiência fracassada dos últimos 20 anos”, referindo-se à presença no Afeganistão de tropas internacionais lideradas pelos EUA de 2001 a 2021.

O acordo a que se refere Mujahid, assinado em janeiro de 2020 na capital do Qatar entre o governo do ex-presidente Donald Trump e o Talibã, inclui, entre outros pontos, que o Afeganistão não servirá de base para terroristas que ameaçam os EUA. Washington insinua, por sua vez, que é o Talibã que está quebrando esse acordo ao dar abrigo a al-Zawahiri.

Essa assinatura em Doha deveria abrir o caminho para a paz com o fim da presença de duas décadas de tropas internacionais no Afeganistão, um país que continua atolado em violência e subdesenvolvimento. Mas tudo veio à tona há um ano: diante da passividade das tropas locais e em plena desordem do Exército americano, o Talibã começou a ganhar poder. Como dominós, as 34 províncias afegãs caíram sem muita luta e no domingo, 15 de agosto de 2021, os rebeldes tomaram Cabul e estabeleceram o atual Emirado.

Onde mora ‘ninguém’

Vários meios de comunicação afegãos relataram no domingo explosões no bairro de Sherpur, além do movimento de ambulâncias. Imagens da fumaça preta que subiu pelo céu da capital circularam nas redes. Era, eles disseram, um prédio que estava vazio. Nada de extraordinário em uma cidade de cerca de quatro milhões de habitantes acostumada a violências de todos os tipos, já que há mais de quatro décadas o país entrou em guerra com a invasão russa. Mas ninguém imaginava que o alvo fosse, nada mais, nada menos, do que o chefe da al-Qaeda, sucessor de Osama Bin Laden, que os EUA mataram em maio de 2011 no Paquistão. Al-Zawahiri, um egípcio acusado de planejar os ataques de 11 de setembro de 2001, era um dos terroristas mais procurados do mundo. Uma recompensa de US$ 25 milhões pesava sobre sua cabeça.

As tropas americanas já não põem os pés no Afeganistão mas, de uma forma ou de outra, continuam no país.