Sobreviventes vão a Auschwitz celebrar 75 anos da liberação do campo nazista
Vindos de diversos países, os mais de 200 sobreviventes se encontraram no antigo campo de concentração nazista no sul da Polônia
Passados 75 anos da libertação de Auschwitz, sobreviventes do Holocausto se reuniram nesta segunda-feira (27) para homenagear a memória de mais de 1,1 milhão de vítimas e lançar um alerta ao mundo.
Vindos de diversos países, os mais de 200 sobreviventes se encontraram no antigo campo de concentração nazista no sul da Polônia para compartilhar seus testemunhos e chamar a atenção para a recente onda de ataques antissemitas dos dois lados do Atlântico –alguns deles letais.
Com gorros e lenços com listas azuis e brancas, simbolizando os uniformes que usavam, eles atravessaram, com tristeza, o portão de ferro com a inscrição “Arbeit macht frei” (“o trabalho liberta”).
Acompanhados do presidente polonês, Andrzej Duda, eles depositaram coroas de flores perto do Muro da Morte, onde os nazistas mataram milhares de pessoas.
Retornando ao local onde seus parentes foram assassinados, Yvonne Engelman, 92, sobrevivente do Holocausto que hoje vive na Austrália, relembrou os horrores que viveu.
“Ouvíamos crianças tossindo, chorando, sufocando com o gás e também com o cheiro da carne humana. O grande medo era o de que nós seríamos a próxima vítima”, disse ela.
“Queremos que a próxima geração saiba o que nós vivemos e que isso não aconteça nunca mais”, declarou com a voz embargada pela emoção David Marks, 93, que perdeu 34 familiares no campo –sua família é de judeus romenos.
Criado em 1940 pela Alemanha nazista na Polônia ocupada, a princípio para abrigar prisioneiros políticos poloneses, o campo se tornou o maior dos centros de extermínio onde o plano de Adolf Hitler de matar todos os judeus –a “Solução Final”– foi colocado em prática.
A partir de meados de 1942, os nazistas deportaram sistematicamente judeus de toda Europa para seis grandes campos de extermínio: Auschwitz-Birkenau, Belzec, Chelmno, Majdanek, Sobibor e Treblinka.
Para muitos poloneses não judeus, o campo de concentração, hoje convertido em museu, é um local onde os nazistas prenderam e mataram combatentes da resistência polonesa, intelectuais, padres católicos romanos e civis inocentes.
“Observamos o impulso do antissemitismo, e não queremos que o passado [dos sobreviventes] seja o futuro de seus filhos, ou o futuro de seus netos”, disse Ronald Lauder, presidente do Congresso Judaico Mundial.
O presidente de Israel, Reuven Rivlin, condenou o aumento do sentimento contra judeus em todo o mundo.
“Hoje ouvimos vozes que espalham ódio, na internet, nas ruas e nos centros de poder político. Nosso dever é combater o antissemitismo, o racismo e a nostalgia fascista, males doentes que ameaçam corroer as fundações de nossas democracias “, disse ele, que viajou até a Polônia para participar da solenidade.
Estudos mostram que, apesar das experiências daqueles que sofreram e morreram no Holocausto, atitudes antissemitas persistem.
Uma pesquisa de 2019 da Liga Anti-Difamação dos EUA mostrou que cerca de um em cada quatro europeus tem atitudes “perniciosas e difundidas” em relação aos judeus, em comparação com 19% dos norte-americanos.
Na Alemanha, 42% concordaram que os judeus ainda falam demais sobre o que aconteceu com eles no Holocausto, segundo a enquete. Duas pessoas foram mortas em um tiroteio perto de uma sinagoga no leste da Alemanha em outubro, no que as autoridades classificaram como um ataque antissemita.
Mais de 60 autoridades participam da solenidade desta segunda-feira, incluindo membros de famílias reais e chefes de Estado e de governo.
Os organizadores da cerimônia insistem no fato de que o evento deve se concentrar no que os sobreviventes têm a dizer, e não nas divergências políticas que marcaram os preparativos da data.
Na última quinta-feira (23), líderes mundiais participaram de uma cerimônia semelhante no Memorial do Holocausto, em Jerusalém.
O presidente polonês se recusou a comparecer depois de tomar conhecimento de que não poderia fazer um pronunciamento junto com as demais autoridades.
Já o presidente russo, Vladimir Putin, teve um papel de protagonismo –em seu discurso, ele afirmou que os cúmplices europeus do regime eram piores que os próprios nazistas.
“Nós não devemos esquecer que esse crime [o Holocausto] também teve cúmplices. Eles eram geralmente mais cruéis que seus mestres. Fábricas da morte e campos de concentração eram operados não só pelos nazistas, mas também por seus cúmplices em muitos países europeus”, disse Putin na ocasião.
Em dezembro, o russo causou indignação na Polônia e no Ocidente após afirmar que Varsóvia foi conivente com Hitler e contribuiu para a deflagração da Segunda Guerra Mundial.
Duda agradeceu a Rivlin por comparecer a Auschwitz. “Sua presença é um sinal de lembrança, é um sinal visível de oposição ao tratamento desumano, ao ódio, contra todas as formas de ódio, especialmente o racismo”, disse.
Críticos dizem que o governo nacionalista do partido de Duda, o Lei e Justiça (PiS), não está fazendo o suficiente para combater o antissemitismo.
Em vez disso, a legenda estaria focando o que vê como heroísmo polonês durante a guerra e subestimando os pedidos de indenizações dos judeus que perderam bens e propriedades por causa do conflito.