Tóquio inaugura banheiros públicos de paredes transparentes
Eficácia do 'Vidro inteligente' usado nos toaletes divide opiniões na capital do Japão
No mundo todo, os banheiros públicos têm fama de ser escuros, sujos e perigosos. Com o objetivo de acabar com essas preocupações, a prefeitura de Tóquio recentemente inaugurou novas instalações em dois parques públicos.
Para começar, são coloridos e feericamente iluminados; para terminar, são transparentes. Assim, segundo a lógica, quem precisar usá-los pode conferir a limpeza e a segurança das cabines sem precisar entrar nem tocar em nada.
Há tempos, os japoneses fazem experimentos nessa área, o que resultou em tampas de vaso que abrem e fecham automaticamente e assentos aquecidos, mas as novas cabines — criadas por Shigeru Ban, arquiteto vencedor do Prêmio Pritzker — são feitas de um “vidro inteligente” de opacidade variável já em uso em escritórios e outros prédios para oferecer privacidade quando necessário.
Os banheiros foram instalados na capital nipônica em agosto, coincidindo com uma campanha nacional para a desativação gradativa dos toaletes públicos antiquados às vésperas do que seriam os Jogos Olímpicos, agora adiados. Montadas em frente a um grupo de árvores no bairro de Shibuya, as cabines se destacam como uma pintura de Mondrian, com paredes em amarelo-ouro, vermelho melancia, verde limão, violeta e azul esverdeado.
Quando a cabine é ocupada e fechada corretamente, o vidro das paredes “congela” e fica opaco; assim que a porta é destrancada, uma corrente elétrica realinha os cristais do material para permitir uma passagem maior de luz, criando um efeito de transparência. Os banheiros foram apresentados como outro exemplo futurista e esteticamente agradável dos avanços tecnológicos do país.
As opiniões foram as mais variadas. “O que me preocupa é dar defeito com alguém lá dentro”, admite @yukio, em um tuíte que circulou bastante.
“Vai demorar para eu me acostumar com a ideia”, tuitou Ming Cheng, arquiteto de Londres. Mas ele curtiu a postagem.
Serah Copperwhite, de 28 anos, funcionária de uma empresa de tecnologia situada na região sul da Grande Tóquio, admite normalmente evitar os banheiros públicos.
— Mas, se tiver de ir, acho que ficarei mais inclinada a optar pela novidade, pois parece bem iluminada e limpa — comenta ela em entrevista por telefone quando pergunto da preocupação estampada nas redes sociais sobre a confiabilidade da tecnologia do vidro.
Muita gente há tempos vem pedindo ao governo federal que torne os banheiros dos locais públicos mais atraentes e acessíveis a moradores e turistas; alguns, em Tóquio mesmo, principalmente nas estações de metrô, não têm sabonete. Uma pré-escola no sul do país parou de levar as crianças para um parque da cidade por causa da quantidade de moscas nas cabines em que o vaso é instalado no chão (squat stall). Acabou optando por outro espaço verde próximo com a versão com pé, como nos toaletes ocidentais.
Segundo a Agência de Turismo do Japão, mais de 300 banheiros foram reformados entre 2017 e 2019; antes disso, 40% de todas as instalações públicas japonesas obrigavam o usuário a se agachar em vez de se sentar. A intenção do governo era desativá-las antes da Olimpíada, que acabou adiada por causa da pandemia.
Mas, enquanto alguns apreciaram a tecnologia avançada da novidade, outros acharam que ela não pertence aos locais públicos, muitos expostos, e que talvez devesse ter sido instalada em outro lugar.
— Não estou disposta a arriscar minha privacidade só porque alguém quis fazer um banheiro descolado — dispara Sachiko Ishikawa, escritora e tradutora de 32 anos, em entrevista por telefone de Tóquio.
Ela prossegue:
— Minha preocupação é que um erro humano facilite a exposição dos usuários sem que eles tenham consciência do que está acontecendo. A estrutura transparente talvez também a torne mais vulnerável a agressores; a pessoa fica ali na porta, só esperando você sair. Para mim, o argumento da proteção não se sustenta.
Antes da inovação de Tóquio, cabines semelhantes apareceram na Suíça em 2002 e 2015, quando o designer Olivier Rambert inaugurou dois banheiros translúcidos em Lausanne. A funcionalidade de segurança era um tanto polêmica, pois abria a porta automaticamente e tornava o vidro transparente se os sensores não detectassem nenhum movimento em dez minutos. “A intenção é de ajudar o usuário que desmaie ou perca a consciência, por exemplo, e necessite de ajuda médica”, explicou o inventor na época.
Outros países enfrentaram problemas com os banheiros públicos.
Na Coreia do Sul, por exemplo, câmeras minúsculas proliferam feito pragas, dispostas clandestinamente nas cabines e nos vestiários de lojas e hotéis. O problema ficou tão sério que a Prefeitura da capital, Seul, teve de indicar oito mil funcionários, em 2018, para fazer a inspeção.
Dois bilhões de pessoas, ou o equivalente a um quarto da população mundial, não têm acesso a toaletes ou latrinas, segundo dados publicados pela Organização Mundial de Saúde em 2019. No Dia Mundial do Banheiro de 2015, uma ONG de Nova York instalou um vaso com descarga cercado de espelhos de dupla face dando para o Washington Square Park para quem quisesse simular a experiência de se aliviar em público.
Segundo a organização, 200 pessoas usaram a instalação ao longo do dia, com algumas confessando seu desconforto, mesmo sabendo que não podiam ser vistas de fora.
No Japão, a Fundação Nippon pretende instalar os banheiros projetados por outros arquitetos famosos em 17 locais até o ano que vem — mas Thalia Harris, de 29 anos, escritora freelancer que mora em Tóquio há sete, não considera o projeto uma solução prática para a questão da segurança.
— Pessoalmente, acho que vai fazer as pessoas se sentirem mais desconfortáveis, principalmente as mulheres. Vou continuar usando os banheiros das estações, mesmo que não tenha sabonete. Ando com o meu mesmo, por causa da pandemia… Mas bem que a Prefeitura podia ter resolvido essa questão primeiro, antes de inventar a história de banheiro mágico — diz ela em entrevista por telefone.