Turquia barra porta-aviões brasileiro após denúncias de exportação de resíduos tóxicos
Brasil é acusado por ambientalistas de enviar ilegalmente amianto a bordo de navio vendido pela Marinha
O governo da Turquia decidiu nesta sexta-feira (26) vetar o acesso do porta-aviões brasileiro São Paulo ao país, em resposta a denúncias de organizações ambientalistas sobre exportação ilegal de resíduos tóxicos na embarcação, vendida pela Marinha a uma empresa de desmanche de navios.
O porta-aviões deixou o Brasil no início do mês, pouco antes de liminar judicial que impedia sua saída, e vem sendo acompanhado em tempo real pelo Greenpeace. Na Turquia, sua iminente chegada era alvo de protestos.
O Ministério do Meio Ambiente da Turquia disse que a decisão foi tomada diante de negativa do governo brasileiro de fazer nova análise sobre a existência de amianto e outras substâncias perigosas no navio.
O pedido foi feito no início do mês, mas governo brasileiro, por meio do Ibama, alegou que a embarcação já está em águas internacionais. “Assim, não será permitida a entrada do navio nas águas territoriais turcas”, diz a Turquia, em comunicado divulgado nesta sexta. Procurado, o instituto não respondeu.
A análise inicial, feita pela empresa norueguesa Grieg Green, é questionada por organizações ambientalistas, pois indicou uma quantidade de amianto bem inferior à encontrada em um porta-aviões gêmeo, o Clemenceau, que pertencia à marinha francesa.
O Clemenceau, diz a ONG Shipbreaking Platform, tinha 760 toneladas de amianto. O relatório sobre o São Paulo estima pouco menos de 10 toneladas. A Shipbreaking afirma que a própria empresa responsável pela análise reconheceu que não teve acesso a todas as áreas da embarcação.
O porta-aviões São Paulo foi vendido por R$ 10,5 milhões ao estaleiro Sök Denizcilik and Ticaret Limited, especializado em reciclagem de material naval. Nesta sexta, ele estava próximo às Ilhas Canárias, na costa da África, segundo o monitoramento do Greenpeace.
A embarcação era o maior navio de guerra brasileiro, com 31 mil toneladas, 266 metros de comprimento e capacidade para até 40 aeronaves. Seu armamento era composto por três lançadores duplos de mísseis e metralhadoras de grosso calibre.
Construído no fim dos anos 1950, foi batizada inicialmente de Foch e, após integrar a esquadra francesa, chegou ao Brasil em 2001. Operou até 2017, quando a Marinha decidiu vender a embarcação.
O imbróglio envolvendo a venda do São Paulo vem desde essa época. Primeiro, organizações ambientalistas conseguiram convencer o governo a restringir participação de estaleiros asiáticos no leilão, limitando a disputa a empresas que cumprem normas europeias de manuseio de resíduos tóxicos.
Depois, o Instituto São Paulo-Foch, associação criada pelo militar Emerson Miúra, tentou disputar o navio, com o objetivo de transformá-lo em um museu flutuante, inspirado no porta-aviões USS Intrepid, ancorado em Nova York.
Miúra diz que conseguiu financiamento para o projeto, mas a Marinha não permitiu a participação do instituto no leilão. “A gente estaria preservando o último porta-aviões do Brasil e o único da Marinha”, defende ele.
O navio deixou o Brasil no último dia 4. No mesmo dia, Miúra obteve na Justiça Federal do Rio de Janeiro liminar impedindo a viagem. Ao ser notificada, a Marinha informou que o pedido não poderia ser acatado porque a embarcação já estava em águas internacionais.
Nicola Mulinares, diretor de Comunicação e assessor político da Shipbreaking Platform, diz que o transporte do navio desrespeita regras do acordo de Basileia, pelas falhas na caracterização dos resíduos tóxicos e por falta de aviso aos países em cujas águas ele vai navegar até chegar à Turquia.
A exportação foi autorizada pelo Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), em processo que também é questionado. “Há anos que estamos nos comunicando com as autoridades brasileiras, incluindo o Ibama e a Marinha, sobre esse tema”, diz Mulinares.
“Eles estavam e estão bem cientes das quantidades significativas de tóxicos localizados dentro das estruturas no porta-aviões, que não chegam nem perto dos números indicados no inventário de materiais perigosos mais recente”, afirma. “O São Paulo deve voltar imediatamente ao Brasil.”
Advogado da Cormack Marítima, que atuou como representante da Sok após a compra do navio, Alex Christo Brahov diz que a quantidade de amianto na embarcação é irrelevante, já que a convenção da Basileia proíbe a exportação do material.
“Não importa se são 9 ou 900 toneladas. Teria que ser retirado aqui e dado destinação aqui”, afirma. O texto determina, por exemplo, que países signatários garantam que a exportação de resíduos tóxicos seja reduzida ao mínimo possível e que os materiais tenham destinação adequada.
Responsável pelo inventário de resíduos tóxicos do navio, a Grieg Green diz que normalmente há restrições de acesso para análise em navios fora de operação, devido a riscos de gases perigosos ou falta de oxigênio.
“Como o São Paulo ficou fora de operação por cerca de dez anos, várias áreas estavam fechadas ou inacessíveis aos pesquisadores”, afirmou, em nota enviada à Folha. No texto, a empresa diz que não consegue especificar quanto da área do navio foi inspecionada.
Segundo a Grieg Green, a análise foi prejudicada pela limitação de acesso a documentação original do navio, dada a sua idade. “Embarcações militares geralmente têm restrições sobre o compartilhamento de documentação”, acrescenta.
A Folha tentou contato por email e telefone com a Marinha e com o Ibama, mas não teve reposta até a publicação. A Sok foi contatada por email e também não respondeu.