Veteranos dos EUA veem colapso do Afeganistão com angústia, raiva e alívio
Na segunda vez em que Javier Mackey foi para o Afeganistão, um de seus amigos…
Na segunda vez em que Javier Mackey foi para o Afeganistão, um de seus amigos recebeu um tiro numa emboscada e sangrou até a morte em seus braços. Ele viu oficiais afegãos de alta patente vendendo equipamento militar para ganho pessoal e soldados locais fugindo durante tiroteios.
Ele então começou a se perguntar o que os Estados Unidos realmente poderiam conquistar enviando milhares de militares para uma terra distante que parecia nunca ter vivido em paz. Isso foi em 2008.
Mackey, um soldado das Forças Especiais do Exército, foi enviado para lá mais cinco vezes, levou dois tiros e, segundo disse, ficou mais descrente a cada viagem, até que decidiu que a única coisa sensata para os EUA seria diminuir suas perdas e ir embora. Mesmo assim, ver o colapso rápido e caótico do governo afegão nos últimos dias o atingiu com a intensidade de uma explosão.
“É doloroso —uma dor a qual eu achava que tinha me acostumado”, disse Mackey, que se aposentou como sargento de primeira classe em 2018 e hoje vive na Flórida. “Sacrifiquei-me muito, vi a morte todos os anos. E os caras com quem eu servi, nós sabíamos que provavelmente terminaria desse jeito. Mas ver isso acabar em caos nos deixa enraivecidos. Eu apenas queria que tivéssemos uma saída honrosa.”
Colapso do Afeganistão não é novidade para veteranos
Nos 20 anos em que os americanos estiveram no Afeganistão, mais de 775 mil soldados foram enviados ao país, a bases aéreas semelhantes a cidades e postos avançados cercados de sacos de areia no topo de montanhas isoladas. Enquanto o Taleban invadia Cabul no domingo (15), eliminando todos os ganhos obtidos, os veteranos disseram em entrevistas que observaram com uma mistura de tristeza, raiva e alívio.
Alguns estavam agradecidos porque o envolvimento dos EUA no país parecia terminado, mas também estavam decepcionados porque o progresso duramente conquistado foi jogado fora. Outros temiam por amigos afegãos que deixaram lá. Em entrevistas, mensagens de texto e no Facebook, homens e mulheres que coletivamente passaram décadas no Afeganistão disseram estar enraivecidos porque, apesar de um recuo que durou anos, os EUA não conseguiram sair do país com mais dignidade.
A angústia pode ser especialmente dura porque os veteranos muitas vezes trabalharam lado a lado com afegãos durante os anos de tentativa de construir uma nação, e hoje, no colapso dessa nação, eles veem os rostos de amigos que foram engolidos pela anarquia.
Veteranos dos EUA de “coração partido”
“Estou de coração partido pelo povo afegão”, disse Ginger Wallace, uma coronel aposentada da Força Aérea que em 2012 supervisionou um programa que treinava combatentes talebans de baixo nível para eliminar minas terrestres e trabalhar em outros serviços que ofereciam uma alternativa ao combate.
À época, ela pensou que os esforços para estabilizar o Afeganistão estavam tendo êxito e que as tropas dos EUA um dia deixariam o país um lugar melhor. Mas seu otimismo lentamente se desgastou enquanto o Taleban ganhava terreno. “É de partir o coração. Detesto ver isto terminar assim, mas a gente não sabe o que mais poderia ter sido feito”, disse ela, de sua casa em Louisville, no Kentucky. “Achamos que os militares americanos deveriam ficar e lutar contra o Taleban enquanto o exército afegão não o faz?”
Wallace conheceu sua mulher, Janet Holliday, enquanto estava no Afeganistão. As duas assistem ao noticiário todas as manhãs, mas na segunda-feira, enquanto cenas da confusão se desenrolavam no aeroporto de Cabul, Holliday, uma coronel aposentada do Exército, mudou para o canal de culinária.
“Foi difícil demais assistir”, disse ela, pedindo desculpas, pois ficou aborrecida. “Não consigo deixar de pensar que foi um grande desperdício. Não posso nem pensar como, depois de tanto sangue e dinheiro, tudo acabou assim.”
Mais do que em qualquer outra guerra na história dos EUA, os americanos ficaram muito isolados da luta no Afeganistão. Não houve recrutamento ou mobilização em massa. Menos de 1% do país serviu, e um número desproporcional de tropas veio de zonas rurais do sul e do oeste, distantes dos locais de poder.
Mas os veteranos disseram em entrevistas ao longo dos anos que estavam cientes dos desafios representados pela guerra, talvez mais do que o restante do país. Eles viram em primeira mão as culturas tradicionais profundamente arraigadas, as alianças tribais e a corrupção endêmica que constantemente bloqueavam os esforços dos EUA. Mackey concordou com a decisão do presidente Joe Biden de se retirar, mas considerou o modo como o processo foi feito de forma descuidada e antiprofissional.
“Nós treinamos para ter contingências. O modo como foi conduzido foi simplesmente irresponsável”, disse Mackey. “Nós não queríamos ter mais um Vietnã, queríamos fazer melhor.”
Jake Wood tinha 25 anos quando foi enviado para um canto esquecido do Afeganistão em 2008. Lá, ele, um atirador dos fuzileiros navais, começou a ver quanta diferença havia entre os pronunciamentos otimistas dos líderes americanos e a realidade de servir com afegãos em campo.
Os moradores de aldeias no distrito de Sangin, onde ele serviu em um posto avançado, pareciam ter pouca fidelidade com o governo afegão em Cabul ou com a visão de democracia dos EUA.
“Nós não tínhamos ideia de qual era nossa missão, mesmo naquela época”, disse Wood, que hoje dirige a rede nacional de voluntários veteranos Team Rubicon. “Estávamos tentando derrotar o Taleban? Estávamos construindo uma nação? Acho que não sabíamos.”
Os afegãos com quem ele serviu pareciam aceitar a incerteza com um fatalismo cansado que era estranho para os jovens fuzileiros. A certa altura, lembra ter conversado com um jovem afegão, que lhe disse que o Afeganistão só conhece a guerra, e quando a guerra dos EUA terminasse haveria outra.
“Ele me disse que talvez os americanos voltassem”, afirmou Wood. Então recordou o que o afegão disse: “Mas se voltarem não sei se seremos amigos ou inimigos.”