‘A morte da Marielle é um atestado de óbito do Rio de Janeiro’, diz Freixo
Responsável pela CPI das Milícias, em 2008, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) fez um…
Responsável pela CPI das Milícias, em 2008, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) fez um balanço do que representa os mil dias de investigação para se chegar aos mandantes das mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Freixo diz que a morte da parlamentar “é uma atestado de óbito do Rio de Janeiro”, referindo-se à falência da área de segurança pública no estado. Na opinião do parlamentar, o assassinato tem um mandante e critica o tempo que os investigadores estão levando para elucidar o caso.
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O que representa esses mil dias sem Marielle para você?
— Mil dias sem Marielle é uma dor muito profunda. Eu acompanho de perto tanto a investigação, quanto a família de Marielle. A irmã dela, Anielle, foi minha aluna de história e responsável por me apresentá-la. Depois disso, a Mari trabalhou 10 anos comigo na Comissão de Direitos Humanos na Alerj. Falo com a família praticamente todos os dias. Tenho uma relação de afeto com a Dona Marinete (Silva, mãe de Marielle) e o Toinho (Antonio Francisco da Silva Neto, pai da vereadora). Até hoje tenho uma dificuldade de entender o que aconteceu. Tem horas que eu paro e vejo a imagem da Marielle muito forte na minha cabeça. A gente foi muito parceiro na vida e na política.
Como estão as investigações?
— Quando vejo para onde caminha a investigação, me relembro do trabalho que fizemos ao listar os milicianos do Rio. Passa um filme na minha cabeça. A Marielle foi no enterro do meu irmão, assassinado pelas milícias em 2006. Olha que loucura! A gente ganha as eleições naquele ano, organiza a CPI das Milícias. Então, imaginar que a Mari pode ter sido assassinada por esses grupos de milicianos, tantos anos depois, é de uma tristeza pessoal muito grande. A minha grande parceira de trabalho foi levada por uma violência atroz que nenhum de nós esperávamos. Um sinal de uma falência completa da área de segurança pública. A morte da Marielle é um atestado de óbito do Rio de Janeiro. É uma aposta de que o crime vale à pena e que a milícia é quem manda na cidade. Os prefeitos e os governadores se adaptam, dependendo de quem tem o controle do território. O Rio tem que ser refundado. Isso passa por saber quem matou Marielle. Tem que se aprofundar neste caso. Não é a investigação de um homicídio. É a investigação de quem não deixa uma cidade funcionar. A reação das pessoas diante da imagem de Marielle, é sinal de quem não quer abrir mão de uma democracia. A forma como ela foi assassinada colocou a vida de todo mundo em xeque.
Quem teria motivos para matar Marielle?
— Foi um crime muito sofisticado e bem planejado para uma pessoa que nunca recebeu uma ameaça. Agenda dela foi estudada, um crime praticado por profissional. Isso não é normal. Um crime que ocorre tipicamente no mundo da contravenção. Não era contra uma vereadora. Não tinha razão de ser. Por trás daquele assassino frio há um mandante de grandes negócios no Rio, que viu na Marielle uma forma de se vingar.
O tempo de elucidação do crime é razoável para uma investigação considerada tão complexa?
— A gente sabe que não é um crime fácil, mas mil dias é muita coisa. Tenho acompanhado de perto as investigações e sei que em nenhum momento elas pararam. Sei que eles têm mania de investigação e estão produzindo provas. Mas o que mais a gente espera é que os investigadores cheguem, o mais breve possível, no mandante. Sei que existem informações novas, como a quebra de senhas de telefones, e é nisso que a gente espera que surjam novas informações para se chegar no mando.
Marielle virou um símbolo de lutas?
— É importante enfatizar o efeito social da morte da Marielle. A gente decidiu, ainda no local do crime, que o velório seria na Câmara dos Vereadores. No dia seguinte ao crime, havia uma multidão na porta do Palácio Pedro Ernesto. Ninguém convocou ninguém. Aquela cena foi espontânea. Eu lembro que os corpos de Marielle e Anderson teriam que passar pela praça, na Cinelândia, pois não tinha como atravessar de carro. Nós não prevemos isso. Eu me lembro que o povo abriu caminho espontaneamente. Os caixões passaram no meio do mar de gente que se formou ali. Pessoas em pranto. Naquele momento, era a memória da Marielle conquistando um mundo de seguidores. Quem achou que estava silenciando uma mulher vereadora, lhe deu muito mais voz. Neste sentido, o crime cometido contra ela deu errado.
Com a investigação do caso Marielle foi possível a prisão de integrantes do crime organizado, o que não vinha acontecendo. Como você vê isso?
— De um lado surge uma força política muito grande como forma de reação à violência. De outro, grupos criminosos muito bem-estruturados, como, por exemplo, o Escritório do Crime (grupo de matadores de aluguel), foram desmontados. A força dela foi muito maior do que os seus assassinos poderiam calcular.
Qual a sua expectativa para a elucidação do crime?
— As investigações têm que ser concluídas. A gente tem que transformar essa cicatriz em tatuagem.
Você acha possível que o miliciano Cristiano Girão, listado na CPI das Milícias, seja o mandante da morte de Marielle?
— Não tenho dúvidas, pelas investigações, de que a milícia está por trás do crime. Dizer qual milícia e por quais interesses, seria preciso que a investigação fosse concluída para ter mais clareza. O trabalho da CPI foi muito forte, gerou várias prisões. É preciso saber se isso foi suficiente como motivação. Que a milícia é capaz de cometer um crime desta natureza, zero dúvidas. Ao mesmo tempo, a gente não quer antecipar culpas e responsabilidades sem provas. É possível que a vingança tenha sido direcionada a mim, tendo em vista que Marielle era uma grande parceira. Até porque, outras pessoas ligadas a mim, também foram pesquisadas pelos autores do crime (o sargento reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio de Queiroz, presos na Penitenciária Federal de Porto Velho, em Rondônia). Essa é uma suspeita que faz sentido para a polícia. Independente da resposta, isso tudo deixa claro que o Rio não pode continuar convivendo com as milícias como se fosse inevitável. O Rio precisa somar todas as forças: prefeito, governador, Ministério Público e sociedade para o enfrentamento dessa máfia que está estabelecida no Rio. O estado não pode mais conviver com o crime organizado.