SENADO

Alcolumbre fez do Amapá líder de verbas do orçamento secreto

Orçamento secreto é pano de fundo para trava de Alcolumbre à sabatina de André Mendonça ao STF

Senador Davi Alcolumbre, presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado (Foto: Agência Senado)

O controle sobre o orçamento secreto é o pano de fundo da disputa entre o Palácio do Planalto e o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que trava há três meses a indicação do ex-advogado-geral da União André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF). No ano passado, quando presidia o Senado e tinha o controle da fatia dessas verbas reservada para a Casa, Alcolumbre enviou ao menos R$ 320 milhões para o Amapá. O estado do senador foi a unidade da federação com maior repasse proporcional das verbas oriundas das emendas de relator, um sistema criado pelo Congresso, com apoio do governo Bolsonaro, que dificulta a fiscalização dos recursos federais.

Neste ano, privado do poder sobre as indicações orçamentárias, Alcolumbre se distanciou do Palácio do Planalto e, como presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, tem se recusado a pautar a sabatina de Mendonça, indicado para o STF pelo presidente Jair Bolsonaro. É prerrogativa do Senado votar a indicação de autoridades. Alcolumbre tem resistido a pressões do governo, de aliados e de evangélicos que apoiam o nome de Mendonça para a Corte.

O governo tirou de Alcolumbre o poder de mediar os pedidos relativos ao orçamento secreto após constatar que havia senadores de oposição recebendo grandes quantias, além do fato de ele ter deixado de ser presidente do Senado. A articulação foi assumida pelos ministros Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e Ciro Nogueira (Casa Civil), segundo senadores.

Beija-mão de Alcolumbre

A cifra de 2020 que irrigou o reduto eleitoral de Alcolumbre ajudou a divulgar a imagem do próprio senador entre seus eleitores este ano. Em 4 de outubro, o senador posou para fotos ao lado de 78 tratores em Santana (AP). Destinadas a 16 municípios, as máquinas geraram um beija-mão de prefeitos. Os tratores foram comprados com R$ 120 milhões que Alcolumbre enviou via orçamento secreto à Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), uma autarquia federal. O prefeito de Santana, Sebastião Bala Rocha, foi eleito com apoio de Alcolumbre.

A participação da Codevasf nas aquisições só foi possível por iniciativa do próprio senador. Quando ainda presidia o Senado, ele foi autor de um projeto que expandiu a atuação da autarquia federal para seu estado. O Amapá não faz parte da bacia dos rios São Francisco e Parnaíba, que o órgão originalmente se dedica a atender, mas ganhou um escritório estadual, à frente do qual está um aliado do presidente da CCJ.

Alcolumbre é um dos parlamentares que teve direito a indicações mais graúdas no Orçamento em emendas de relator em 2020. Essas emendas são indicações sobre as quais não há transparência dos beneficiários, usadas pelo governo para formar uma base no Congresso. Foram R$ 20 bilhões no ano passado e R$ 16 bilhões previstos neste ano. A execução, porém, está suspensa por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).

O estado de Alcolumbre, o Amapá, recebeu recursos que equivalem a um montante de R$ 427 por habitante. Esse valor é mais que o dobro do segundo colocado, Roraima, segundo o critério de repasse per capita das verbas do orçamento secreto. Foram R$ 203 por habitante para Roraima no ano passado.

Em junho deste ano, a Engefort Construtora firmou dois contratos com a Codevasf, com valor total de R$ 54 milhões, para pavimentação em vias rurais e urbanas do Amapá. A empresa é investigada pelo Ministério Público do Maranhão (MP-MA) por inconsistência na pesquisa de preços e outras irregularidades em um contrato com a prefeitura de Imperatriz (MA).

Sobrepreço

Companhia ligada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, a Codevasf forneceu para o Amapá seis motoniveladoras e dez escavadeiras hidráulicas por R$ 9,9 milhões e dez pás carregadeiras por R$ 3,2 milhões. No início de outubro deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) detectou sobrepreço nesses contratos e mandou suspender essas licitações.

Para a Codevasf, Alcolumbre enviou R$ 120 milhões. Destes, R$ 40 milhões são destinados apenas à compra de maquinário para “obras civis” na região, sem justificativa sobre projetos específicos. São R$ 105 milhões investidos em contratações no estado até agora.

Em 2021, embora tenha perdido o controle sobre as emendas de relator, Alcolumbre segue fazendo indicações. Em outubro, a ONG de Léo Moura, ex-lateral do Flamengo, recebeu R$ 14 milhões do governo federal por indicação do senador. O projeto é para levar atividades a todos os 16 municípios do Amapá, atendendo a crianças entre 5 e 15 anos que desejam se tornar jogadoras de futebol.

Procurado, Alcolumbre não comentou suas indicações às cidades do Amapá. Já Bala Rocha, prefeito de Santana, confirma a atuação do parlamentar e diz que os dois outros senadores do estado, Lucas Barreto (PSD) e Randolfe Rodrigues (Rede), também trabalharam para enviar recursos à cidade.

— A região aqui é muito pobre. Vamos fazer pavimentação em bloquetes e passarelas (pontes estreitas) de concreto. As ruas estão verdadeiras crateras — afirmou Bala Rocha.

Frisando que a população da região precisa das obras porque não há condições básicas de saneamento em alguns locais, ele elogia também a nova atuação da Codevasf no estado:

— A Codevasf foi uma grande conquista para nós do Amapá. O senador Davi está de parabéns.

Da verba enviada diretamente à cidade de Santana, boa parte é usada em obras de pavimentação. Na virada de 2020 para 2021, período da liberação das emendas de relator mirando as eleições para as presidências da Câmara e do Senado, Santana firmou convênios para pavimentar a área urbana. Um deles apenas corresponde a uma obra estimada em R$ 96 milhões. Ao todo, são R$ 116 milhões. Os projetos ainda não passaram pela fase de licitação.

Procurada, a Engefort não se manifestou.