Apesar de maioria, candidaturas negras recebem só 18% das verbas de fundo
Em uma eleição de maioria negra, o montante já deveria ter atingido cerca de 40% dos repasses
Faltando menos de duas semanas para as primeiras eleições com a divisão proporcional do Fundo Eleitoral entre candidatos autodeclarados negros e brancos, dados coletados pela plataforma 72horas no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) já revelam uma disparidade na distribuição dos recursos.
Até o último domingo (1º), apenas 18% do total da verba foi para candidaturas a prefeito e vereadores pretas e pardas pelo país.
A regra em vigor prevê que os partidos têm de adotar a proporcionalidade dos recursos do fundo primeiro pensando o gênero dos candidatos e depois a cor e raça. Ou seja, a verba deve ser distribuída proporcionalmente entre as concorrentes mulheres negras e brancas, e entre os homens negros e brancos.
Na prática, isso significa que, em uma eleição de maioria negra, o montante já deveria ter atingido cerca de 40% dos repasses.
Fefa Costa, jornalista cofundadora da plataforma, diz que não é isso o que está acontecendo. Dos mais de R$ 2,34 bilhões destinados pelo TSE aos partidos, apenas R$ 1,88 bilhão já foi declarado, ou pouco mais da metade do que foi distribuído para o financiamento das campanhas.
Quando se faz um recorte por cor ou raça, essa discrepância fica mais evidente: R$ 645 milhões foram repassados para candidatos brancos ao passo que R$ 344,66 chegaram para candidatos pardos e apenas R$ 88,95 para candidaturas pretas. “Esses valores vieram de apenas 86 mil candidaturas dentro de um universo de mais de 545 mil candidatos”, diz.
O que se observa é que existe um subfinanciamento enquanto o jogo está sendo jogado. Além de candidaturas negras serem subfinanciadas, recebem mais tarde esse dinheiro. Passamos da metade do processo eleitoral e temos muitas candidaturas, principalmente de mulheres pretas, que não receberam quase nada.
Fefa Costa, cofundadora da plataforma 72Horas
É o caso, por exemplo, da candidata a vereadora Raimundinha HBB, do Republicanos, que recebeu apenas R$ 3.000 para custear sua campanha em Teresina, no Piauí.
A também candidata a vereadora Keit Lima, em São Paulo, recebeu do PSOL R$ 9.000. Já o gaúcho Roberto Robaina, homem e branco, é o candidato a vereador que recebeu a maior fatia do Fundo Eleitoral pela mesma legenda: R$ 151 mil.
Integrante do movimento negro Uneafro Brasil e da Coalizão Negra por Direitos, Douglas Belchior reconhece como uma vitória do movimento negro a utilização do critério racial na divisão de recursos eleitorais, mas diz que a falta de regulamentação sobre como esse dinheiro deve ser distribuído dentro dos partidos mantém a estrutura de prioridades que privilegia pessoas brancas.
“Temos partidos que fingem obedecer à regra, que criam artifícios para aparentemente obedecê-la sem ter que distribuir como deveriam esses recursos. Há, por exemplo, filtros que definem quais candidaturas são prioridades na distribuição de recursos: capitais, aqueles que já têm mandato ou com grande visibilidade. Somente depois é pensada a política de distribuição racial. Ou seja, só aí já se exclui a maioria dos negros”, diz.
Concorrendo à Prefeitura do Rio de Janeiro, Benedita da Silva (PT) é a candidata autodeclarada preta que mais recebeu recursos do Fundo Eleitoral: R$ 3,18 milhões. Pouco se comparado ao candidato branco que recebeu a maior verba. Em São Paulo, Bruno Covas (PSDB) tem 85% de sua campanha à prefeitura custeada pelo fundo, já tendo recebido mais de R$ 10,8 milhões.
Para Frei David, coordenador da ONG Educafro, a nova regra passou a valer em um momento em que a comunidade negra está mais potente e organizada para denunciar tentativas de burlar a divisão dos recursos. Ele critica o aumento de mulheres e negros como vices nas chapas por todo o país. “O dinheiro está indo para o vice, mas só entre aspas.”
Para amparar candidatos negros nos casos de descumprimento da regra, a ONG tem se mobilizado juridicamente. Disponibilizou um modelo de ação civil pública com pedido de liminar para quem quiser fazer uma denúncia na Justiça Eleitoral. O objetivo é que, com a petição, os partidos sejam responsabilizados por discriminação e preconceito no ambiente eleitoral, podendo acarretar até a cassação da chapa.