Após entrevista, Mandetta perde apoio entre ministros do governo
Bolsonaro se incomodou com fala do titular da Saúde
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, tem hoje menos apoio no governo para a sua permanência no cargo. A entrevista concedida ao Fantástico, da TV Globo, no último domingo, pedindo uma unificação do discurso no combate ao novo coronavírus foi interpretada por interlocutores do presidente Jair Bolsonaro como uma provocação, o que resultou em novo desgaste na relação.
A ala de ministros considerados técnicos do governo, como Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Paulo Guedes (Economia), se surpreendeu com a entrevista. Segundo aliados, esse grupo espera que Mandetta continue, mas não haverá exposição em sua defesa. O ministro da Saúde não avisou a Bolsonaro nem aos colegas ministros que daria a entrevista. Após assistir à gravação, ainda no domingo, Bolsonaro demonstrou incômodo com uma fala de Mandetta criticando quem fazia fila em padarias. O presidente esteve em uma padaria na semana passada e avaliou a fala do ministro como “desnecessária”.
Parte da ala militar do Planalto entende que Mandetta não poderia ter criticado publicamente o presidente. Esse grupo considerou a entrevista como uma tentativa de “forçar a sua demissão”. Mandetta tem repetido que não vai pedir para sair porque “médico não abandona paciente”. Ministros passaram a avaliar que as ações de Mandetta eram premeditadas. Para os militares, é inaceitável qualquer atitude de insubordinação e de desobediência hierárquica. O governo já fez recomendações para que entrevistas coletivas do ministro da Saúde ocorram só no Palácio do Planalto, sob o comando de Braga Netto (Casa Civil). Mandetta deveria ter participado ontem, mas não apareceu. Apesar de sua assessoria ter alegado apenas problema de agenda, houve ordem do Planalto para que o ministro não comparecesse, como revelou a colunista Bela Megale, no site do GLOBO.
O cálculo de Bolsonaro sobre uma demissão, porém, leva em consideração também a popularidade de Mandetta, inclusive nas redes sociais, onde o presidente costuma medir o sentimento da população. O ministro tinha pouco mais de 3 mil seguidores no Twitter em janeiro. No início de abril, chegou a 300 mil. Agora, dez dias depois, quase dobrou o número de apoiadores, acumulando 510 mil. O ministro ainda é mais bem avaliado pela população do que o presidente no combate ao coronavírus, de acordo com a última pesquisa Datafolha.
Segundo aliados, enquanto ainda avalia o futuro do auxiliar, Bolsonaro continuará com sua rotina de tentar convencer as pessoas a sair do isolamento social e voltar ao trabalho por meio de seus exemplos. A previsão, no entanto, é que as próximas “saídas” do presidente ocorram de forma “mais consciente”. Ele tem sido orientado a usar máscaras, por exemplo.
Dois nomes são cotados para substituir Mandetta: a cardiologista e pesquisadora Ludhmila Hajjar, diretora de Ciência e Inovação da Sociedade Brasileira de Cardiologia, e Claudio Lottenberg, presidente do Conselho do Hospital Israelita Albert Einstein.
A intenção é encontrar um nome que tenha respaldo na classe médica, para tentar minimizar eventual má repercussão da demissão de Mandetta. Hajjar é integrante de grupos de pesquisa sobre o uso da cloroquina. Embora não defenda o uso indiscriminado da droga, a cardiologista tem dito que é necessário acelerar os estudos. Procurados, ambos disseram não ter recebido convite de Bolsonaro. O ex-ministro e deputado federal Osmar Terra e a médica Nise Yamaguchi foram descartados, segundo interlocutores do presidente, por não terem apoio da classe médica.
Pela manhã, ao deixar o Palácio da Alvorada, Bolsonaro evitou comentar a entrevista do ministro, limitando-se a dizer que não “assistiu”.