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Aras sugere ‘correções’ à Lava Jato e é aprovado em comissão do Senado

Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) para comandar a PGR (Procuradoria-Geral da República), o subprocurador…

Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) para comandar a PGR (Procuradoria-Geral da República), o subprocurador Augusto Aras disse nesta quarta-feira (25), em sabatina no Senado, que a Operação Lava Jato tem excessos e está passível de correções.

Ele teve seu nome aprovado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) por 23 a 3 e agora precisa ser aprovado pelo plenário da Casa para assumir a vaga deixada por Raquel Dodge na PGR.
“Sempre apontei os excessos, mas sempre defendi a Lava Jato, porque a Lava Jato não existe per se. A Lava Jato é o resultado de experiências anteriores, que não foram bem-sucedidas na via judiciária”, disse Aras diante de senadores da CCJ.

Na sabatina, Aras citou uma série de operações que antecederam a Lava Jato, como a Satiagraha, a Castelo de Areia. “Esse conjunto de experiências gerou um novo modelo, modelo esse passível de correções, e essas correções eu espero que possamos fazer juntos, não somente no plano interno do Ministério Público, mas com a contribuição de vossas excelências”, disse o subprocurador.
No plenário do Senado, Aras precisará de maioria absoluta (41 de 81 senadores). Se a indicação for aprovada no plenário, caberá ao presidente da República nomeá-lo em seguida, por meio de um decreto.

Ainda falando sobre a Lava Jato, Aras disse que pretende estender o que chamou de boas práticas da operação a todo o Ministério Público, nos estados e municípios. “A chamada Operação Lava Jato representou importante marco no combate à corrupção. As boas práticas ali desenvolvidas devem ser estendidas a todo o Ministério Público e a todos os níveis da esfera política, aprimorando-se métodos e sistemas, sempre dentro da ordem jurídica”, afirmou.

Ao mencionar problemas da Lava Jato, Aras defendeu que agentes públicos se manifestem apenas nos autos e somente na fase de ação penal. Também afirmou que faltaram “cabeças brancas” na operação. “Talvez tenha faltado nesta Lava Jato a cabeça branca para dizer que tem muitas coisas que pode, mas que tem muitas coisas que não podemos fazer”, afirmou.
Ele disse que “o PGR pode muito, mas não pode tudo”, que “281 dias de prisão provisória não é razoável” e criticou vazamentos.
Aras foi abordado especificamente sobre a atuação do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, e que teve sua conduta exposta em trocas de mensagens hackeadas.

“Em relação ao colega Deltan, não há de se desconhecer o grande trabalho que ele fez em busca dos resultados que foram apresentados. Mas, talvez, se houvesse lá alguma cabeça branca e dissesse para ele e para os colegas jovens, como ele, que nós poderíamos ter feito tudo como ele fez, mas com menos holofote, com menos ribalta, com menos curso, posto de outra forma, nós poderíamos ter feito tudo do mesmo jeito”, afirmou.

O subprocurador negou o tempo todo que haja corporativismo no Ministério Público e que não haja punição a seus quadros. Deltan é alvo de ação no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público). Aras tem dito que, embora seja um marco da atuação de procuradores no combate à corrupção, a Lava Jato não é a única operação em andamento no Ministério Público Federal e que, assim como as outras, ela tem de ser incorporada e prestar contas à Procuradoria. ​

Sem citar nomes, disse que o Ministério Público não pode ter projeto político e que o integrante que tiver este interesse deve renunciar ao cargo e disputar uma eleição. Na sabatina, Aras disse que terá uma atuação independente garantida pela Constituição, livro que segurou e mostrou aos senadores. Foi uma tentativa de rebater críticas de opositores que apontam risco de tutela da PGR por Bolsonaro, a quem agradeceu publicamente nesta manhã pela indicação.

Aras também defendeu a lei de abuso autoridade, um dia depois de o Congresso derrubar 18 vetos que haviam sido feitos pelo Executivo. “Não há alinhamento, no sentido de submissão, a nenhum dos Poderes, mas há, evidentemente, o respeito que deve reger as relações entre os Poderes e suas instituições.” Questionado se considerava a chegada dos militares ao poder, em 1964, um golpe, ele se esquivou e disse entender que houve um “endurecimento” e “cerceamento de liberdades” em 1968. Alguns senadores reagiram negativamente à resposta de Aras.

O subprocurador se disse contrário ao ativismo judicial, mas cobrou ao Congresso que cumprisse seu dever constitucional de legislar. “Não poderiam ser objeto de ativismo judicial, entre as quais o aborto, a descriminalização da maconha, que são temas caros, relevantes, que devem merecer a apreciação do Congresso Nacional e não devem ser objeto de ativismo judicial”, afirmou.

Aras disse que, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) analisa e se manifesta sobre temas como criminalização da homofobia, casamento homoafetivo e descriminalização de drogas, “é preciso saber em que nível está operando o Supremo, se está no nível da interpretação, se está no nível da mutação ou se está usurpando as competências do Senado e da Câmara Federal”.

Ao falar de meio ambiente, disse que o Brasil tem uma legislação moderna e abraçou o conceito de desenvolvimento sustentável e que, sob tais premissas, é preciso que o Ministério Público busque “múltiplas respostas certas”.

Afirmou também que o Ministério Público “moderno e desenvolvimentista” deve atuar com respaldo de meios técnicos, “afastando-se de caprichos pessoais que caracterizam o arbítrio e a ilegalidade”. Aras foi questionado por senadores sobre a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho de Jair Bolsonaro, como embaixador em Washington. Resumidamente respondeu que a súmula que disciplina o nepotismo não o estende a agentes políticos. Caso a indicação seja oficializada pelo governo e haja questionamento na Justiça, a PGR terá que se manifestar.

O momento mais tenso da sessão foi quando Aras foi interpelado pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES). Homossexual assumido, o senador indagou o procurador sobre os motivos que o levaram a se comprometer com uma carta da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), segundo a qual “a instituição familiar deve ser preservada como heterossexual” e também defende o tratamento de reversão sexual, a chamada cura gay.

“O senhor não reconhece a minha família como família? Eu tenho subfamília?”, indagou o senador. “Eu sou doente, senhor procurador?”, insistiu Contarato. Aras disse não ter lido a pauta e que o item que trata de “sexualidade, valorização da família e preservação da vida” tem “um enfoque que está superado pelas decisões do Supremo Tribunal Federal”. Ele afirmou também não acreditar em cura gay.

“Não posso deixar de compreender todos os fenômenos sociais e humanos. Posso dizer que respeito muito vossa excelência”, disse o subprocurador, destacando que sua única ressalva é de ordem formal. “Me sentiria muito mais confortável, por mim e pelos meus amigos e amigas que têm casamento em todos os sentidos com pessoas do mesmo sexo, com uma legislação, com uma norma constitucional em que eu não lesse, nesta Constituição, homem e mulher, mas em que eu lesse pessoa, cidadão ou cidadã”, afirmou.

Na área de direitos humanos, o sabatinado defendeu estado laico e a liberdade de expressão como algo fundamental à democracia. Ao falar da questão indígena, falou da importância de preservar costumes e tradições, mas defendeu a possibilidade de que os índios possam, dentro da legalidade, produzir em suas terras. “Índio também quer vida boa, compatível com suas necessidades. Não quer pedir esmola, viver ao lado de quem produz e ter cem mil hectares disponíveis e não poder produzir porque tem dever de continuar como caçador e coletor”, afirmou.

Logo no início da sessão, apresentou à comissão documentos que comprovam que devolveu sua carteira da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e se retirou da sociedade do escritório Aras e Advogados Associados, com sede em Salvador.

TRAJETÓRIA

​Antônio Augusto Brandão de Aras, 60, nasceu em Salvador e é professor da UnB (Universidade de Brasília) e da Escola Superior do Ministério Público da União. Ingressou no Ministério Público Federal em 1987 e desde 2011 é subprocurador-geral da República.

Esta é a primeira vez, em 16 anos, que um presidente desprezou a lista tríplice, formada a partir de uma eleição interna no Ministério Público Federal, e indicou para o comando da instituição alguém que não teve o voto dos colegas. Aras não disputou o pleito.

A categoria reagiu com uma enxurrada de queixas nas redes sociais e uma nota da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), que classificou a indicação como um “retrocesso democrático e institucional”, por causa do desrespeito à lista tríplice.

O presidente da República não é obrigado a seguir a lista, mas isso havia se tornado uma tradição. Defensores da eleição interna argumentam que a lista ajuda a garantir a independência da PGR em relação ao Executivo. Para Aras, diferentemente, a disputa levou para o Ministério Público Federal todos os vícios de uma eleição, como o clientelismo e o toma lá dá cá.

ENTENDA O PROCESSO DE APROVAÇÃO

– Sabatina: para ser oficializado no cargo, Aras precisa ser sabatinado na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. O nome dele foi aprovado na comissão na tarde desta quarta, por 23 a 3;
– Votação no plenário: o parecer da CCJ é agora encaminhado ao plenário, onde Aras precisará de maioria absoluta (41 de 81 senadores) para ser aprovado;
– Nomeação: se a indicação de Aras for aprovada no plenário do Senado, caberá ao presidente da República nomeá-lo, por meio de decreto.