Assessor do presidente usa lema da ditadura espanhola para saudar Carlos Bolsonaro
Expressão é fortemente ligada ao franquismo, regime autoritário de direita que se instalou no país ibérico após o fim da Guerra Civil Espanhola
O assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins, usou um lema associado à ditadura da Espanha de Francisco Franco (1939-1975) em uma publicação nas redes sociais. Ao responder na quarta-feira (11) uma mensagem de feliz aniversário do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, Martins concluiu seu texto com o lema “¡ya hemos pasao!” (nós já passamos!, em português). “Valeu, irmão! É uma honra fazer parte deste momento e lutar ao lado de gente que está disposta a morrer pelo nosso país e a sacrificar tudo em nome do que é justo e bom. Que a escória continue se mordendo de raiva. ¡Ya hemos pasao!”, publicou o assessor.
“¡Ya hemos pasao!” é uma expressão fortemente ligada ao franquismo, regime autoritário de direita que se instalou no país ibérico após o fim da Guerra Civil Espanhola (1936-39). Procurado, o Palácio do Planalto disse que não se manifestaria sobre a publicação do assessor especial. Martins não retornou o contato feito pela reportagem.
Segundo Enrique Moradiellos, catedrático de história contemporânea da Universidade de Extremadura (Espanha), o lema citado pelo assessor se transformou em uma espécie de resposta oficial dos aliados de Franco ao “¡no pasarán!” (não passarão!, em português), mais famoso grito de guerra do grupo derrotado. “O ‘¡No pasarán!’ surgiu em novembro de 1936, quando começa o cerco franquista a Madri. O governo republicano se transfere para Valência no começo do mês, e Madri fica sob controle de uma junta presidida por militares leais, com o apoio do PCE [Partido Comunista Espanhol] e anarquistas”, explica.
“Daí surge o lema mobilizador para combater o pessimismo derrotista. ‘¡No pasarán!’ é uma tradução da frase em francês que pronunciou o [general] Philippe Pétain na defesa de Verdun em 1914”, afirma. Com a vitória de Franco, “¡ya hemos pasao!” se transformou em uma provocação àqueles que foram derrotados. “É uma das frases feitas do léxico franquista da pós-guerra mais difundidas e conhecidas. Com um toque nada sutil de humilhação e represália”, diz Moradiellos.
O seu uso foi tão difundido à época que virou música. Em 1939, a cantora Celia Gámez lançou a música “¡Ya hemos pasao!”, que naquele ano se converteu em uma das mais populares do país. A letra afirma que os marxistas diziam e gritavam pelas ruas “não passarão!”. “Nós já passamos! / E nós estamos nas cavas / Nós já passamos! / Com alma e coração / Nós já passamos! / E estamos esperando para ver descer o bastão do governo / Nós já passamos!”, responde a cantora.
A Guerra Civil Espanhola e a ditadura franquista que a sucedeu são consideradas os eventos mais traumáticos da história contemporânea da Espanha. De acordo com Moradiellos, além dos cerca de 300 mil mortos em combates e as outras centenas de milhares de vítimas que morreram de fome, frio e doença em decorrência da guerra, houve ainda um imenso número de mortes causadas por repressão política.
A estimativa, diz o professor, é que o grupo de Franco tenha matado cerca de 100 mil pessoas durante a guerra, além de outras 30 mil no pós-guerra. As cifras indicam ainda que cerca de 60 mil pessoas foram mortas pelos republicanos, também devido a represália política.