Atraso nas reformas, ciumeiras e avanço militar desgastam Guedes
O ministro da Economia, Paulo Guedes, vive dias estressantes. Publicamente, teve de contornar a repercussão…
O ministro da Economia, Paulo Guedes, vive dias estressantes. Publicamente, teve de contornar a repercussão de duas falas desastradas -ter chamado o servidor público de parasita e associar a festa do dólar barato à ida de domésticas à Disney.
Nos bastidores, ainda precisou suportar mais um adiamento no envio da reforma administrativa para o Congresso e o avanço da influência dos militares nas decisões do Executivo.
Consolida-se a percepção de que o próprio presidente Jair Bolsonaro e o núcleo militar não querem a reforma que mexe com os servidores. Cogitou-se, a contragosto de Guedes, que a proposta até fosse para a gaveta.
Após pressão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o governo voltou atrás. Mas o texto vem sendo revisto desde a sua entrega a Bolsonaro, em novembro, e o que se espera é uma versão final desidratada.
O pano de fundo do vaivém é um realinhamento no jogo de forças do governo.
Em termos de estrutura de comando, Guedes é um superministro. A Economia, que reuniu praticamente cinco pastas de governos anteriores, ficou ainda maior neste mês com a incorporação da secretaria especial do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos, antes na Casa Civil).
A avaliação de assessores presidenciais é que, apesar de já ter tantas áreas, o ministro tenta elevar sua ascendência sobre outros ministérios para aumentar a rede de aliados e de se blindar de críticas.
Guedes tentou, por exemplo, emplacar Rogério Marinho na Casa Civil. Mas Bolsonaro preferiu o general Braga Netto, candidato defendido pelos generais Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, e Augusto Heleno, do Gabinete da Segurança Institucional. Marinho ficou, então, com o posto de ministro do Desenvolvimento Regional.
Essa escalação, no entanto, também não foi serena.
O ex-ocupante do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, que foi deslocado para a estatal Dataprev, era próximo do então ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e tinha uma boa relação com o titular da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira.
Na semana anterior à mudança ministerial, Guedes e Onyx tiveram outro desgaste, com a transferência do PPI da Casa Civil para a Economia. Na transição de governo, Guedes defendia a mudança, mas Bolsonaro resistiu por uma questão hierárquica, já que cabe à Casa Civil coordenar atividades interministeriais.
Em janeiro, no entanto, o presidente se irritou com os custos de viagens internacionais feitas por assessores do programa e decidiu atender ao pleito da Economia.
Na época, auxiliares da Casa Civil acusaram Guedes de ter se aproveitado da crise para transferir a estrutura e se fortalecer com o presidente.
As críticas ao ministro da Economia são feitas ainda no Ministério do Meio Ambiente. A avaliação, também compartilhada pelo Planalto, é que Guedes errou ao ter querido ser o único protagonista da comitiva brasileira e não ter escalado o ministro Ricardo Salles para participar do Fórum Econômico Mundial, em Davos.
A presença de Salles poderia ter poupado Guedes de causar polêmica ao relacionar desmatamento e pobreza quando tentava sublinhar, de forma considerada desajeitada, que países ricos desmataram e poluíram mais do que os emergentes.
Mesmo sem Salles, a equipe econômica informou que o CBA (Centro de Biotecnologia da Amazônia), gerenciado pela Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus), será transformado em um centro de negócios sustentáveis.
No Meio Ambiente, o diagnóstico é que o anúncio foi apressado, uma vez que a ideia é embrionária e que a meta de cumprimento em abril não deve ser atendida.
Em meio a todos os questionamentos, Bolsonaro revelou, em janeiro, movimentos para separar a pasta da Economia. Segundo ele, a maior pressão é pela volta do Planejamento e da Fazenda. “Se isso [a pressão] se tornar público, vão dizer que estou querendo enfraquecer o Guedes”, disse.
A ideia da separação é cogitada pelo núcleo militar do governo, mas ainda está em estudo. Pesa na avaliação o fato de a campanha de Bolsonaro ter defendido redução da quantidade de ministérios.
No Ministério da Economia, os integrantes defendem a estrutura atual. Em 2019, afirmam, as equipes ainda estavam sendo formadas e se adaptando aos novos processos e funções. A visão é que a dinâmica tende a ficar mais fluida no segundo ano e conforme o tempo avança.
A principal vantagem do superministério, segundo seus membros, é a coerência nas decisões. Resultado do alinhamento, mencionado por Guedes a interlocutores, é o acordo entre Mercosul e União Europeia (que antes tinha oposição de certas pastas).
A Economia reúne os antigos ministérios da Fazenda, do Planejamento, da Indústria, do Trabalho e da Previdência (que foi incorporada à Fazenda no governo Temer).
Com a divisão de poderes entre várias pastas, avaliam, os embates na Esplanada poderiam ser ainda maiores e não contribuir para o avanço da agenda das reformas.
Brigas em torno de medidas econômicas eram comuns, como aquelas entre Fazenda e Planejamento em decisões, por exemplo, do Conselho Monetário Nacional.
Também fonte de conflitos era o extinto Ministério da Indústria, que recebia demandas da iniciativa privada e travava embates com o titular da área econômica em torno de medidas para empresas.
Outro argumento da equipe econômica é que Guedes quer empreender uma profunda mudança no Estado, e, assim, o ministério deve ser do tamanho do desafio proposto.
No dia a dia, Guedes ainda é visto como alguém sobrecarregado. Auxiliares e parlamentares disputam a agenda dele, e quem consegue um horário brinca que tem que ocupá-la, tal como movimentos sociais, e resistir a qualquer movimento de alteração.
Pessoas próximas dizem que o setor privado tem tido menos atenção do ministro do que no passado. Os antecessores, Henrique Meirelles e Eduardo Guardia, tinham uma gama maior de encontros.
Os compromissos de Guedes são vistos quase todos como internos. A secretaria especial de Produtividade ficou responsável pelo diálogo com a iniciativa privada. Nas tradicionais sextas-feiras do ministro no Rio de Janeiro é que empresas e associações têm mais chances de encontrá-lo.
Há relatos de que o tamanho do ministério gerou ruídos entre gabinetes. Paralelamente, Guedes precisa administrar o mencionado ego de parte da equipe, que tem disputas internas de poder.
As dificuldades na pasta chegaram a ser mencionadas por ele há cerca de dois meses, embora não tenha entrado em detalhes. “Fizemos uma junção de cinco ministérios, e não é nada trivial carregar isso. É muito difícil enquanto está tudo girando”, disse.