Bolsonaro pressionou Moro em mensagem: “Tenha dignidade para se demitir”
Então ministro tinha concedido entrevista sobre possibilidade de polícias imporem isolamento social coercitivamente na quarentena do coronavírus
Em relatório entregue ao STF (Supremo Tribunal Federal) nesta quarta-feira (2), a PF (Polícia Federal) incluiu uma troca de mensagens inédita, por telefone, entre Jair Bolsonaro e o então ministro da Justiça Sergio Moro na qual o presidente diz que os ministros que contrariam o presidente devem se demitir, sugerindo que era o caso do ex-juiz federal.
Na tarde do último dia 12 de abril, segundo o relatório da PF, Bolsonaro encaminhou para Moro a cópia de uma reportagem publicada pelo jornal “Valor Econômico” na qual o então ministro aparece dizendo que a polícia poderia impor coercitivamente medidas de isolamento social e quarentena na crise do novo coronavírus.
A reação de Bolsonaro foi furiosa e ameaçadora, como se vê pela mensagem enviada ao então ministro.
Bolsonaro: “Se esta matéria for verdadeira: Todos os ministros, caso queira [sic] contrariar o PR [presidente da República], pode fazê-lo, mas tenha dignidade para se demitir. Aberto para a imprensa”.
Moro respondeu que “O que existe é o artigo 268 do CP [Código Penal]. Não falei com a imprensa”.
O relatório analisou as conversas trocadas entre Bolsonaro e Moro durante o mês de abril, do dia 12 ao 23. Elas foram entregues pelo ex-ministro à PF no inquérito que apura suposta intervenção indevida de Bolsonaro na cúpula da Polícia Federal. O presidente tem negado interferência indevida na corporação.
Em 6 de abril, Moro havia dito a mesma coisa publicamente, em uma videoconferência de uma corretora de valores. “A lei [relativa ao novo coronavírus] não foi muito clara quanto ao descumprimento da quarentena. Mas a polícia pode impor coercitivamente essas medidas. Já vi polícia pedindo decisão judicial para agir, mas a Justiça não tem condições de atender a essa demanda.”
Em relatório, agente da PF endossa versão de Moro sobre demissão de Valeixo
Na parte das “considerações finais” do relatório, o agente da PF que analisou as mensagens apontou que o então diretor-geral do órgão, Maurício Valeixo, foi exonerado do cargo a partir de determinação de Bolsonaro.
“Em relação às conversas entre o ex-ministro Sergio Moro e o Exmo. sr. presidente da República Jair Bolsonaro, observa-se que a determinação emanada por este último no dia 22/04/2020 àquele se concretizou, tendo o Delegado de Polícia Federal Maurício Valeixo sido exonerado do cargo de Diretor-Geral da PF.”
A PF ressaltou uma série de mensagens na mesma linha enviadas pelo presidente no dia 22 de abril: “Moro, o Valeixo sai essa semana”, “Isto está decidido”, “Você pode dizer apenas a forma”, “A pedido ou ex oficio [sic]”.
O ex-ministro anunciou sua demissão no dia 24 de abril, quando acusou o presidente de interferir na escolha de nomes para chefiar a Polícia Federal.
Documento analisou ainda diálogos sobre fronteira com Uruguai
O relatório também menciona uma segunda mensagem relacionada à crise do novo coronavírus, mas ela não foi transcrita no relatório.
“Em sua totalidade, a conversa entre ambos [Moro e Bolsonaro] se restringe a assuntos afetos à gestão pública, discutindo sobre decisões a serem tomadas na esfera internacional, como por exemplo a atitude de prorrogar ou não o decreto de fechamento da fronteira com o Uruguai durante a crise do coronavírus (proibição de entrada de uruguaios em território brasileiro). Não há registros de conversas afetas à vida pessoal.”
No dia 17 de abril, em uma cerimônia no Palácio do Planalto, Bolsonaro disse em público que conversara com Moro e defendera a reabertura de fronteiras terrestres do Brasil, então fechadas pela emergência sanitária. “Na minha opinião, começar a abrir as fronteiras. Por que está fechada com o Paraguai? É uma fronteira seca e não temos como fiscalizar. O mesmo com Uruguai”.
O relatório tratou ainda das mensagens trocadas pelo telefone celular de Moro com Bolsonaro e também com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), em sua maioria já divulgadas pela imprensa.
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