Política

Bolsonaro recua e diz ter zero chance de esvaziar agora ministério de Moro

O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta sexta-feira (24) na Índia que há “zero chance” de…

O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta sexta-feira (24) na Índia que há “zero chance” de um Ministério da Segurança Pública ser criado “no momento”, o que esvaziaria a pasta da Justiça, que abriga as pautas de segurança e tem no comando o ex-juiz federal Sergio Moro. Ao chegar a seu hotel, Bolsonaro afirmou que “a chance no momento [de criar um ministério da Segurança Pública] é zero, não sei o amanhã, porque na política tudo muda, mas a intenção não é criar “.

Conforme o jornal Folha de S.Paulo revelou um dia antes, o pedido de recriação da Segurança foi articulado com Bolsonaro antes de sua reunião com secretários estaduais da área, ocorrida na quarta (22) e que reacendeu o processo de fritura de Moro. A discussão sobre o desmembramento da Justiça para criar um Ministério da Segurança Pública criou um mal-estar com Moro, que disse a aliados que poderia deixar o governo caso isso acontecesse. Na Índia, o presidente disse que não se manifestou antes sobre a questão de forma mais enfática porque estava em voo, que levou 25 horas.

“Há interesse de setores da política [na criação do ministério], simplesmente recolhemos as sugestões educadamente e dissemos que vamos estudá-las”, disse.
Conforme aliados do ex-juiz, a sinalização dada por Bolsonaro é de desgosto pelo desempenho do ministro em sua entrevista na segunda (20) ao programa Roda Viva (TV Cultura), na qual não teria sido enfático na defesa do chefe ante críticas de jornalistas.

Críticos do ministro no governo viram na entrevista a figura de um candidato a presidente, e não a de um servidor do governo -ou da “causa”, como gostam de dizer bolsonaristas mais fiéis.
Bolsonaro disse que não chegou a falar com Moro sobre o assunto porque não era necessário. “Não preciso falar com ele, nos entendemos muito bem. Ele tem o seu perfil, outros ministros têm os seus próprios, Brasil está indo muito bem”, disse. “Números de segurança pública estão muito bem, e é a minha máxima, em time que está ganhando, não se mexe.” O presidente disse ainda que a maior pressão que existe é para a volta dos mistérios do Planejamento e da Fazenda, que foram fundidos para criar o Ministério da Economia. “Se isso [a pressão] se tornar público, vão dizer que eu estou querendo enfraquecer o [Paulo] Guedes.”

Antes de embarcar para a viagem à Índia, Bolsonaro havia voltado a falar sobre a possibilidade de recriação do Ministério da Segurança Pública.
Nesse caso, Moro permaneceria à frente da pasta da Justiça e perderia a sua principal bandeira até aqui: a queda nas taxas de homicídios, tendência iniciada ainda na gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB) e acelerada agora. O flanco de ataque de Bolsonaro ao ex-juiz é o mesmo do ano passado, quando Moro quase foi demitido no segundo semestre. O presidente ensaiou remover o diretor da Polícia Federal, e Moro se colocou frontalmente contra a ideia.

Agora, se o ministério for recriado, a Polícia Federal e outras estruturas automaticamente saem do controle do ex-juiz símbolo da Operação Lava Jato.
Isso tem implicações diversas. A PF acompanha direta ou indiretamente investigações politicamente sensíveis, como aquelas sobre o filho senador de Bolsonaro, Flávio (sem partido-RJ), ou a do assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista. Então juiz da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal em Curitiba, Moro foi convidado por Bolsonaro logo após sua vitória. Ele chegou ao governo com a promessa de que assumiria um “superministério” com a missão de reforçar o combate à corrupção.

Apesar do desgaste, segundo o Datafolha, Moro se consolidou como o ministro mais bem avaliado no primeiro ano do governo Bolsonaro, com apoio popular maior do que o do próprio presidente.
Entre os que dizem conhecê-lo, 53% avaliam sua gestão no ministério como ótima/boa. Outros 23% consideram regular, e 21%, ruim/péssima. Já Bolsonaro tem indicadores mais modestos, com 30% de ótimo/bom, 32% de regular e 36% de ruim/péssimo. Nos bastidores do Planalto o nome do ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF) começou a ser cotado para assumir uma eventual pasta de Segurança. Com discurso pró-armas e ex-integrante da bancada da bala da Câmara, Fraga é amigo pessoal de Bolsonaro desde os tempos em que ambos eram parlamentares e com quem mantém estreita relação até hoje.

CONTRARREAÇÃO

Antes de recuar, Bolsonaro tentou conter a reação pró-Moro nas redes sociais e buscou minimizar a eventual recriação do Ministério da Segurança e o consequente desmembramento da Justiça.
A ideia de dividir o atual ministério gerou uma onda de manifestações espontâneas de apoio ao ministro nas redes sociais. Moro, o mais popular dos titulares do primeiro escalão do atual governo, pareceu fragilizado pelo presidente perante a opinião pública e a classe política em Brasília. A repetição por dois dias seguidos de que a segurança poderia ser retirada de Moro teve forte repercussão. As redes sociais, altamente sensíveis para Bolsonaro, advogaram pelo ministro.

O nome do ministro ficou entre os temas mais comentados do Twitter. As publicações, em sua maioria, tinham tom crítico a eventuais articulações do presidente. O assunto ainda contaminou o mundo político. Bolsonaro e sua equipe então entraram em ação para desenhar uma resposta à militância virtual -base tanto de Bolsonaro como de Moro. O presidente recorreu a Augusto Heleno, ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), para sair em sua defesa publicamente. Também nas redes sociais, o general cumpriu a missão dada pelo capitão. Heleno deu início a uma série de publicações para contrapor o movimento de desagravo a Moro.

Moro passou o dia em silêncio e sem agenda pública, mas deixou chegar a aliados o desconforto com as declarações de Bolsonaro. Por um lado, o bom andamento do governo depende da permanência do ministro, que se tornou um ícone popular após seu desempenho como juiz na condução da Operação Lava Jato em Curitiba. Por outro, o papel de destaque de Moro incomoda Bolsonaro, que vê nos gestos públicos do ministro a intenção de disputar a eleição presidencial de 2022.

METAS DA SEGURANÇA

Após pouco mais de um ano no Palácio do Planalto, Bolsonaro ainda não tirou do papel mais da metade das promessas que fez para reduzir a violência e a criminalidade no país.
A segurança pública foi a grande aposta da campanha bolsonarista e é um de seus trunfos para alavancar uma reeleição em 2022. Até agora, no entanto, só foram cumpridas 4 das 18 metas para a área anunciadas por Bolsonaro. Outras três começam a ser postas em prática. Continuam na gaveta propostas como acabar com as audiências de custódia (que garantem o encontro entre a pessoa presa e um juiz em até 24 horas); reduzir a maioridade penal para 16 anos; construir presídios; tipificar ações do MST como terrorismo; usar as Forças Armadas contra o crime organizado; e gravar no Panteão da Pátria e da Liberdade, em Brasília, o nome de policiais mortos.

Outras metas estão travadas no Congresso, como diminuir de 25 para 21 anos a idade mínima para obter acesso a armas. Por enquanto, os parlamentares só permitiram a aquisição de armamento mais cedo em área rural. Outra pauta emperrada é a do excludente de ilicitude para policiais, que apareceu no pacote anticrime, apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. O trecho que isentava policiais que matassem em serviço de responder à Justiça em caso de “medo ou violenta emoção” foi retirado pelos deputados antes de o projeto ser aprovado no Congresso sem as principais bandeiras bolsonaristas.

A atual gestão tem destacado a aceleração na tendência de queda no índice de homicídios nos primeiros oito meses do ano. Dados preliminares do governo indicam que a redução está na casa de 20%. Se confirmados esses dados quando houver consolidação das ocorrências no ano, isso significa que deixaram de ser mortas 7.000 pessoas em comparação com 2018. Caíram também latrocínios, roubos de carga, veículos e a banco. Os índices têm sido comemorados por Moro como mérito da gestão bolsonarista.

ATRITOS DE MORO NO GOVERNO

– Ministério da Segurança
Bolsonaro afirmou que pode recriar a pasta da Segurança Pública, que hoje integra o Ministério da Justiça. Com isso, a área sairia da alçada de Moro. O ministro, contudo, tem usado como principal vitrine da sua gestão a redução de homicídios, que foi iniciada no governo de Michel Temer (MDB).

– Mensagens da Lava Jato
A divulgação de mensagens trocadas entre o então juiz da Lava Jato e procuradores da operação colocou em dúvida a imparcialidade de Moro como magistrado.

– Pacote anticrime
A lei sancionada por Bolsonaro foi um tanto diferente do projeto apresentado por Moro à Câmara no início de 2019. Foi removida pelo Legislativo, por exemplo, a ampliação das causas excludentes de ilicitude (que abria espaço para a isenção de agentes que cometessem excessos por “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”). Das 38 sugestões de vetos que constavam em parecer do Ministério da Justiça enviado ao Planalto, cinco foram atendidas por Bolsonaro (uma de forma parcial). Uma das indicações ignoradas era o veto ao juiz das garantias, que divide a condução do processo penal entre dois magistrados.

FOLÊGO DO SUPERMINISTRO
– Popularidade e confiança
Moro tem melhor avaliação e mais credibilidade junto à população que Bolsonaro, segundo levantamentos do Datafolha. Na última pesquisa, realizada em dezembro, o ministro era aprovado por 53% dos entrevistados. No caso do presidente, o índice é de 30%.

– Prisão após 2ª intância
Após decisão do Supremo que barrou a execução antecipada da pena, o ministro tem liderado esforço no Congresso para criar nova legislação que permita a prisão de condenados em segunda instância.

– Apoio nas ruas
Manifestações de rua têm sido convocadas desde a metade do ano em todo o país para demonstrar apoio ao ex-juiz e à Operação Lava Jato.