Bolsonaro usa PIB para defender gestão sem respaldo científico na pandemia
Fala do presidente foi recebida em diversas cidades do país com um panelaço e críticas
Pressionado pela CPI da Covid, pelas quase 500 mil mortes decorrentes da doença e pelas manifestações em diversas cidades no último sábado, o presidente Jair Bolsonaro fez ontem um pronunciamento em rede nacional de rádio e TV para defender a gestão de seu governo na pandemia destacando os bons números divulgados nesta semana sobre a retomada da economia — e voltou a incorrer num discurso sem respaldo científico. O pronunciamento, de cinco minutos, foi recebido em diversas cidades do país com um panelaço e críticas ao presidente.
Porta-voz desde o início da crise de uma linha de enfrentamento da pandemia sem amparo da ciência, o presidente dobrou a aposta contra o isolamento social, uma das principais medidas preventivas segundo organizações médicas. Ao defender a tese de que o PIB brasileiro teve um bom resultado na última semana porque seu governo estimulou as pessoas a não ficarem em casa, Bolsonaro desenvolveu um raciocínio impreciso não apenas em termos sanitários, mas também na economia. Conforme mostraram os números do Produto Interno Bruto, a retomada no primeiro trimestre se deveu mais à alta internacional de commodities, que impulsionaram setores como o agronegócio, do que a um aumento do consumo que estaria, segundo a tese, mais relacionado à maior circulação de pessoas.
Na prática, o que se percebeu quanto ao PIB foi um cenário em que a população de alta renda conseguiu ter sobras no orçamento para poupar mais, enquanto a população mais pobre sofreu com o desemprego e a falta de renda. Apesar do consumo das famílias ter ficado praticamente estável no trimestre, com queda de 0,1% em relação ao trimestre anterior, a redução foi maior, de 1,7%, na comparação com o mesmo período de 2020.
O presidente usou o pronunciamento ainda para defender a realização da Copa América no Brasil — medida criticada devido aos números atuais da pandemia — e prometer a vacinação de todos os brasileiros até o final do ano, reforçando a recente adesão ao apoio à imunização.
A celebração dos números econômicos foram o ponto principal. Ele afirmou que a previsão é de que o PIB irá crescer ao menos 4% neste ano, recuperando o nível pré-pandemia. O presidente voltou a criticar medidas restritivas adotadas por governadores e prefeitos. E reafirmou que joga “dentro das quatro linhas da Constituição”, expressão que costuma usar para criticar o lockdown e outras políticas contra o coronavírus.
— O nosso governo não obrigou ninguém a ficar em casa, não fechou o comércio, não fechou igrejas ou escolas e não tirou o sustento de milhões de trabalhadores informais. Sempre disse que tínhamos dois problemas pela frente, o vírus e o desemprego, que deveriam ser tratados com a mesma responsabilidade e de forma simultânea — afirmou.
O presidente prometeu ofertar vacinas a todos os brasileiros até o fim do ano. Afirmou que o Brasil é o quarto país que mais aplicou vacinas no mundo, mas omitiu o fato de que o país tem desempenho muito pior no ranking proporcional à população. A CPI da Covid no Senado tem investigado a omissão da gestão federal na compra dos imunizantes, e o principal episódio demonstrado até agora foi a demora a concretizar a compra de doses da Pfizer.
— O Brasil é o quarto país que mais vacina no planeta. Neste ano, todos os brasileiros, que assim o desejarem, serão vacinados. Vacinas essas que foram aprovadas pela Anvisa — destacou, lembrando ainda da aquisição de imunizantes e a celebração de contrato para a produção do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) no país.
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O texto do pronunciamento foi preparado com a ajuda do ministro das Comunicações, Fábio Faria, e do Secretário de Comunicação, André Costa. Em março deste ano, quando os casos e óbitos por Covid-19 aumentaram de forma exponencial, o presidente moderou seu discurso e passou a afirmar que 2021 seria o “ano da vacinação”, sem nunca responder diretamente aos questionamentos de porque seu governo não respondeu a ofertas de milhões de doses de imunizantes no ano passado.
Protestos pelo país
O pronunciamento ocorre em meio a um momento em que seu governo é atingido pelos níveis mais baixos de aprovação, de acordo com pesquisas de opinião.
Durante o discurso, foram registrados panelaços em protesto à forma como o presidente tem lidado com a pandemia. A manifestação, realizada nas janelas, ocorreu em várias cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, Niterói, Vila Velha, Campinas, São Paulo, Brasília, Salvador, João Pessoa, entre diversas outras.
No Rio, vídeos postados em redes sociais registraram o momento em que o panelaço começou em bairros como Laranjeiras, Leblon, Copacabana, Botafogo e Humaitá, na Zona Sul da cidade. Além das panelas, manifestantes também gritaram palavras de ordem contra Bolsonaro. Na capital paulista também foram registrados panelaços em vários bairros como Vila Mariana, Moema, Pinheiros e Santana, entre outros.
Nas redes sociais, a hashtag #panelaço rapidamente alcançou o topo dos assuntos do momento no Twitter, ultrapassando 30 mil menções em apenas 15 minutos.