Brasil é condenado por assassinato de Vladimir Herzog
O caso Herzog foi apurado pela primeira vez por um Inquérito Policial-Militar e o Exército concluiu na época que o jornalista se matou
A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou, por unanimidade, o Brasil pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog. O tribunal determinou que o Estado brasileiro deve “reiniciar com a devida diligência, a investigação e o processo penal cabíveis pelos fatos ocorridos em 25 de outubro de 1975”.
Naquele dia, Herzog morreu após ser submetido a tortura no Destacamento de Operações de Informações (DOI), do 2º Exército (SP), que apurava a relação de jornalistas com o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
A sentença determina ainda a adoção de medidas para que “se reconheça, sem exceção, a imprescritibilidade das ações emergentes de crime contra a humanidade” e que a União pague US$ 180 mil à família Herzog – os representantes haviam pedido US$ 4,9 milhões. Também determinou que o Brasil pague US$ 25 mil de custas processuais. O País terá um ano para cumprir a decisão.
Este é o segundo caso em que a Corte condenou o País por fatos ocorridos no regime militar – o primeiro foi sobre a repressão à guerrilha do Araguaia. Para a Corte, o Brasil “descumpriu a obrigação de adequar seu direito interno” à Convenção Interamericana de Direitos Humanos – da qual é signatário – “em virtude da aplicação da Lei de Anistia”.
O Palácio do Planalto informou nesta quarta-feira, 4, que caberia ao Ministério das Relações Exteriores se pronunciar sobre a condenação. Por meio de nota, o Itamaraty afirmou que “reconhece” a competência da Corte Interamericana” e “encaminhará” ao órgão, no prazo de um ano, um relatório com as medidas que serão tomadas.
O Ministério dos Direitos Humanos disse que “dará cumprimento integral à sentença, bem como articulará com outros órgãos e entidades públicas o seu cumprimento”. “Este ministério reafirma o seu compromisso com as políticas públicas de direito à memória, à verdade e à reparação, reconhecendo a sua importância para a não repetição, no presente, de violações ocorridas no passado.” A nota diz que Herzog foi reconhecido como vítima pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. Procurado, o Exército não se manifestou.
Inquérito militar
O caso Herzog foi apurado pela primeira vez por um Inquérito Policial-Militar (IPM). O Exército concluiu na época que o jornalista se matou. Em 1979, em ação movida pela família de Herzog, a Justiça Federal decidiu que o jornalista morrera em razão de “causas não naturais”, que sua prisão havia sido ilegal e que a perícia feita para o IPM havia sido falsificada”.
Em entrevista, o general Ernesto Geisel, então presidente na época dos fatos, afirmou que a morte de Herzog foi um assassinato. Em 1992, o Ministério Público pediu a reabertura do caso, mas a Justiça determinou o seu encerramento por considerar que os autores do crime – agentes do DOI – haviam sido anistiados.
Dezessete anos depois, a Justiça Federal mandou arquivar nova apuração criminal sob as alegações de que se tratava de coisa julgada e de que os crimes estariam prescritos. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional a Lei de Anistia.
No processo, aberto na Corte Interamericana pela família de Herzog, a defesa do Brasil alegou em sua defesa que a prescrição do crime, o fato de ele ser “coisa julgada” e os princípios de irretroatividade da lei penal e de non bis in idem (princípio pelo qual uma pessoa não pode ser punida duas vezes pelo mesmo fato) estavam de acordo com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
Mas, para a Corte, a decisão do STF não considerou a imprescritibilidade dos delitos contra a humanidade. Além disso, por força do tratado, o Brasil seria obrigado a cumprir as decisões da Corte. “É uma decisão importante e histórica. E um passo para que a nossa sociedade decida se vai ou não respeitar os tratados internacionais que assina”, disse Ivo Herzog, filho do jornalista morto. Ele quer entregar cópia da decisão à ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo.
Paulo Stuart Wright
Pela primeira vez um militar do Exército admitiu que Paulo Stuart Wright, deputado estadual de Santa Catarina cassado em 1964, esteve preso no Destacamento de Operações de Informações (DOI), do 2º Exército.
Dirigente da Ação Popular (AP), grupo que se opunha à ditadura, Wright desapareceu em 1973. Foi visto pela última vez ao sair de um trem no ABC paulista. O sargento Massayuki Gushiken trabalhou no DOI de 1971 a 1975. Contou ao Ministério Público Federal que Wright estava na lista de presos do DOI e que ele foi levado a Brasília. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo