SEM INTERFERÊNCIA POLÍTICA

Câmara aprova projeto de autonomia do Banco Central; texto vai para sanção

​A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (10) o projeto de lei complementar que estabelece…

​A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (10) o projeto de lei complementar que estabelece mandatos fixos para o presidente e diretores do Banco Central, o que reduziria as chances de interferência política na autoridade monetária, de acordo com os defensores da proposta.

O texto-base foi aprovado, por maioria, sem mudanças em relação ao que saiu do Senado. O placar da votação foi 339 a favor e 114 contrários. Os deputados rejeitaram sugestões de mudanças ao projeto. O texto segue para sanção presidencial.

O projeto foi aprovado no Senado em novembro e está entre as prioridades do governo federal. No entanto, era visto como secundário pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), que defendia a votação de pautas consideradas mais urgentes, como a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, que traz mecanismos de ajuste fiscal, e a reforma tributária.

A autonomia era uma promessa de campanha de Jair Bolsonaro (sem partido) e também é tema de diversas propostas que tramitam no Congresso desde 1989.

A ideia inicial era que a proposta do Senado fosse apensada a outra, de autoria do Executivo, antes de ser votada. O parecer do relator escolhido por Lira, o deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), no entanto, foi feito em cima apenas do texto do Senado —ele rejeitou um projeto de lei complementar enviado pelo governo à Câmara em 2019.

Segundo o projeto, a prioridade do Banco Central será assegurar a estabilidade dos preços. A autoridade monetária terá como objetivos secundários perseguir o pleno emprego, zelar pela estabilidade do sistema financeiro e suavizar oscilações da atividade econômica.

O texto prevê que a autoridade monetária tenha mandatos fixos de quatro anos para o presidente e os diretores da instituição. Com isso, a demissão por iniciativa do presidente da República seria dificultada.

Atualmente, além de não haver mandato, os dirigentes podem ser demitidos por iniciativa do presidente da República.

De acordo com o projeto, as demissões podem ocorrer no caso de solicitação dos próprios dirigentes, por enfermidades, em casos de condenações transitadas em julgado ou proferida por órgão colegiado ou por comprovado e recorrente desempenho insuficiente. No caso de baixo desempenho, a dispensa precisará de aval do Senado.

O argumento é que esse procedimento tem como objetivo blindar a instituição de interferência políticas.

Pela proposta, o presidente do BC iniciará seu mandato no primeiro dia útil do terceiro ano do mandato do presidente —ou seja, os mandatos não serão coincidentes. Para que possa assumir, o nome precisa ter sido aprovado pelos senadores em votação secreta no plenário da Casa.

A diretoria colegiada do Banco Central será formada por nove integrantes, incluindo o presidente do órgão. Os oito diretores terão mandatos que iniciarão de maneira escalonada —renovação de dois a cada ano.

Estabeleceu-se que haverá um prazo de 90 dias após a vigência da lei para a nomeação dos próximos presidente e diretores.

Com 339 votos, seria possível aprovar inclusive uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), que exige apoio de 308 dos 513 deputados. As reformas tributária e administrativa (que reformula o funcionalismo público), por exemplo, dependem desse quórum.

O placar, primeira vitória do governo após as eleições na Câmara, foi expressivo, mas não reflete a base de apoio do presidente Jair Bolsonaro na casa legislativa.

A autonomia do Banco Central foi aprovada com votos do DEM e MDB, partidos independentes ao governo e que foram derrotados na disputa pelo comando da Câmara pelos próximos dois anos. Além disso, o projeto teve votos de integrantes da oposição, de siglas como PSB e PDT. Um exemplo é a deputada Tábata Amaral (PDT-SP).

Também houve traições do outro lado. Apesar de o PL ser da base do governo, o deputado Tiririca (PL-SP) votou contra a proposta. O deputado Aécio Neves (PSDB-MG) também se posicionou contra a medida, embora o partido tenha sido favorável ao texto.

A votação foi marcada por atritos entre a oposição e deputados que defendem a autonomia do BC. O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) afirmou que a intenção da esquerda era “impedir que a ‘bolsa banqueiro’” fosse aprovada.

“No momento em que o Brasil precisa discutir claramente as suas prioridades, que são o auxílio emergencial e a pandemia, nós estamos votando a autonomia do Banco Central”, criticou.

Já Leo de Brito (PT-AC) criticou a votação da autonomia e disse que os deputados estavam discutindo o auxílio banqueiro, para os banqueiros tomarem conta do Banco Central do Brasil”.

Relator do texto, o deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) defendeu o projeto. “Tenha a certeza de que os objetivos que nós buscamos foram construir na direção de que possamos ter um Banco Central autônomo e independente e que de fato ele cumpra seu papel primário, que é controlar a inflação e manter o equilíbrio da taxa de juros”, disse.

Em discurso, o deputado Paulo Ganime (Novo-RJ) lembrou que a autonomia era um tema debatido há 30 anos. “Quando falamos do Banco Central, o seu principal papel, na verdade, o que deveria ser talvez o seu único papel, é justamente a contenção da inflação”, disse.

Ele defendeu ainda os mandatos de presidente e diretores do BC. “Isso traz segurança para o Brasil, para os brasileiros, para quem quer investir, quem vai trazer, sim, a retomada econômica”, afirmou.

“O brasileiro quer trabalhar, o brasileiro quer ter oportunidade, quer ter emprego, quer ter renda própria, quer correr atrás de seus sonhos e poder fazer isso. E, sem as reformas necessárias, como a autonomia do Banco Central, reforma tributária, reforma administrativa, nós não vamos chegar lá.”

O ministro Paulo Guedes (Economia) se empenhou para que a proposta de autonomia do BC fosse aprovada. O assunto foi tratado com Lira pouco depois que o novo presidente da Câmara assumiu o cargo.

Cabe a Lira decidir o que será votado no plenário da casa legislativa. A escolha, portanto, foi em linha com o defendido pela equipe econômica.O Ministério da Economia contava com a vitória de Lira para que a pauta de Guedes fosse destravada.

Foi o primeiro projeto aprovado por Lira na sua Presidência. Ao deixar a sessão, antes do fim, Lira elogiou o gesto do presidente Jair Bolsonaro em abrir mão da nomeação do presidente do BC e de seus diretores.

“Passamos dois dias para votar a matéria. Mas, ao final, entregamos um Banco Central independente para que o Brasil possa ser visto também como um país que tem uma seriedade monetária e que pensa no futuro de desenvolvimento para a sua nação”, disse.

Em uma rede social, o líder do centrão afirmou que a aprovação do BC representa “a blindagem da instituição de quaisquer ingerências políticas, uma conquista histórica do país, longamente acalentada e finalmente alcançada agora.”

“É fruto de uma postura republicana de desprendimento do Executivo e de engajamento do Legislativo, emitindo um sinal claro para o mundo de que o Brasil está avançando em sua governança e previsibilidade”, escreveu.

Lira se aproximou do governo após a liberação de cargos e emendas do Orçamento federal. A candidatura dele foi fortalecida com a atuação do Palácio do Planalto, atendendo a pedidos de partidos políticos.

Além do projeto de autonomia do BC, o presidente da Câmara ainda espera concluir, nesta semana, a votação do novo marco legal do câmbio. Os temas, além das reformas tributária e administrativa, estão entre as prioridades do governo para o ano.

Em nota, o BC considerou que a aprovação do texto é “um passo importante”. “Essa mudança é o resultado de um longo processo de amadurecimento institucional, onde os benefícios de um banco central autônomo, transparente e responsável foram ficando claros para a sociedade”, afirmou.

De acordo com a autoridade monetária, uma das principais razões para a autonomia do BC é separar o ciclo político do ciclo de política monetária. “Por sua própria natureza, a política monetária requer um horizonte de longo prazo, por conta da defasagem entre as decisões de política e seu impacto sobre a atividade econômica e a inflação. Em contraste, o ciclo político possui um horizonte de prazo mais curto”, destacou.

Além disso, o BC afirmou que a literatura econômica e a experiência internacional mostram que um maior grau de autonomia está associado a níveis mais baixos e menor volatilidade da inflação, sem prejuízo ao crescimento econômico. “As evidências também indicam que a maior autonomia do banco central contribui para a estabilidade do sistema financeiro. Portanto, essa é uma mudança que trará benefícios importantes ao País no médio e longo prazos”, ressaltou.

A autarquia disse ainda que a mudança proporcionará maior confiança e credibilidade. “É importante ressaltar, portanto, que a autonomia diz respeito à liberdade para utilização dos instrumentos para o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo CMN [Conselho Monetário Nacional]”.

Autonomia do Banco Central

  • O Banco Central tem como objetivo principal assegurar a estabilidade de preços
  • Também terá como meta zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego
  • Diretoria terá nove membros, sendo um o presidente
  • O presidente e os diretores serão indicados e nomeados pelo presidente, após aprovação dos nomes pelo Senado
  • Mandato do presidente e dos diretores terá duração de 4 anos
  • Todos poderão ser reconduzidos uma vez, por decisão do presidente
  • O presidente e os diretores do BC podem ser exonerados a pedido ou caso sejam acometidos de uma doença que incapacite o exercício do cargo
  • Também podem ser exonerados se condenados, mediante decisão transitada em julgado –quando não cabem mais recursos– ou proferida por órgão colegiado, pela prática de improbidade administrativa ou de crime cuja pena proíba, temporariamente, o acesso a cargos públicos. E quando apresentarem desempenho insuficiente para alcançar os objetivos do BC
  • O presidente do BC perde o status de ministro e é vedado de exercer outro cargo, emprego ou função, públicos ou privados, exceto o de professor, e de ter participação acionária, direta ou indireta, em instituição do sistema financeiro sob supervisão do BC, restrição que se estende a cônjuges e parentes até o segundo grau.
  • O presidente do BC não poderá participar do controle societário ou exercer qualquer atividade profissional direta ou indiretamente, com ou sem vínculo empregatício, junto a instituições do sistema financeiro nacional, após o exercício do mandato, exoneração a pedido ou demissão justificada, por um período de seis meses.