Mercado de seguros

Câmara debate legalidade da proteção veicular

Deputados discutem a regulamentação e até a criminalização das associações e cooperativas que comercializam esse tipo de contrato que parece seguro, mas é ilegal

Parece uma apólice, mas, ao invés de transferir o risco para uma empresa você acaba dividindo um eventual prejuízo. Essa é a lógica da proteção veicular, um produto que se popularizou no Brasil por oferecer uma espécie de seguro a preços acessíveis aos motoristas, e que agora está na mira da lei. Deputados discutem a regulamentação e até a criminalização das associações e cooperativas que comercializam esse tipo de contrato securitário.

Apesar de a atividade não ser prevista em lei, funcionam hoje no País 1,7 mil entidades de proteção veicular, segundo dados da Agência de Auto Regulamentação das Associações de Proteção Veicular (AAAPV). O Congresso quer agora criar regras para evitar o prejuízo de consumidores e pôr fim a guerra travada no judiciário entre as seguradoras e associações.

Apenas na Superintendência de Seguros Privados (Susep), que é a autarquia responsável pela fiscalização do setor de seguros no Brasil, há cerca de 180 ações civis públicas. O Ministério Público Federal (MPF) também é autor de outros processos e até a Polícia Civil de alguns estados já indiciou diversas entidades, como aconteceu em julho deste ano em Minas Gerais, quando foi realizada uma operação na Associação de Proteção a Motos e Veículos (APM), que é suspeita de adulterar chassis e facilitar a venda de carros roubados.

Em Brasília, quatro propostas diferentes sobre a proteção veicular tramitam atualmente na Câmara de Deputados (veja quadro no final da matéria). Três deles tratam basicamente da regulamentação do setor, mas o Projeto de Lei 3139/2015, do goiano Lucas Vergilio (SD), é mais radical: propõe multa às entidades e criminalização dos responsáveis que comercializam o produto.

Para Vergilio, as entidades que vendem proteção veicular criaram um mercado marginal no setor de seguros e o maior prejuízo é do consumidor. “O meu projeto visa criminalizar essas associações de proteção veicular. Elas fingem não fazer seguro e quem sai lesado é o consumidor, porque ele adquire um produto para ter tranquilidade, mas acaba pagando caro depois, além dos problemas legais porque a proteção veicular não tem regulamentação nem supervisão”, destaca o deputado.

Defesa do consumidor

A falta de regras e fiscalização na comercialização da proteção veicular é uma das principais preocupações do deputado e dos corretores de seguros. Há 15 anos trabalhando na área, o corretor Amaury Cunha diz que não seria ruim concorrer com essas associações e cooperativas, desde que seja regulada da mesma forma que as seguradoras, que seguem rígidos critérios da Susep. “Operar de forma ilegal é colocar o patrimônio do consumidor em risco. O leigo não tem o conhecimento necessário para não ser ludibriado”, argumenta o profissional.

Corretor Amaury Cunha acredita que entidades de proteção veicular precisam ser reguladas para não lesar o consumidor. (Foto: Arquivo pessoal)

O maior problema do mercado marginal, segundo o corretor, é a falta de solvência das associações e cooperações e a falta de proteção ao consumidorr. “Quando eu contrato um seguro eu posso reclamar nos órgãos de defesa do consumidor, mas se você é um associado, não é consumidor, então não pode ir no Procon”, frisa Cunha.

Já o vice-presidente da AAAPV, Cleiton Campos, afirma que o projeto de Vergilio tem o objetivo de marginalizar as associações e cooperativas. Em relação às regras e fiscalização do setor, ele acredita que as próprias entidades podem autorregular-se por meio da agência e rebate as ações civis da Susep. “A proteção veicular é totalmente legal! Ela está [contida] nos artigos 53 do Código Civil e 5º, inciso 7, da Carta Magna. A Susep não tem autoridade para intervir em associações”, defende o associado.

Campos ainda ressalta que a proteção veicular não concorre com o mercado de seguros porque atinge um público-alvo diferente. “São carros com mais de 10 anos de uso, de periferias, motos, ou clientes com menos de 25 anos de idade, que tem um perfil mais ‘caro’ nas seguradoras. Esse mercado ninguém explora”, salienta.

Os artigos citados pelo representante das associações e cooperativas tratam, no entanto, apenas do direito ao associativismo e não regula a atividade no País. Sobre a autorregulação, Lucas Vergilio acredita ser absurda a proposta da AAAVP. “Como é que um mercado vai ser autorregulamentar?”, questiona.

O deputado ainda aponta para o falso discurso das associações e cooperativas, que afirmam vender contratos que as seguradoras não comercializam. “Eles começaram sim com veículos de risco para as seguradoras, mas, hoje eles fazem para todo tipo de automóvel. MPF e Susep estão em cima disso, porque isso pode ser considerado estelionato.”

Propaganda enganosa

Foi na expectativa de economizar que a auxiliar de secretaria, Meire Jane Sampaio, acabou ficando no prejuízo. Dona de um Chevrolet Celta, ela tinha um seguro para o veículo, mas depois que ele venceu, a mulher optou por fazer um contrato com a Magna Proteção Automotiva. “Eles abordaram meu pai na rua e oferecem a proteção veicular. O rapaz disse que tinha muitas vantagens em relação à seguradora normal, que podia cancelar e que não tinha a fidelidade. Meu pai então fez [o contrato] para mim e eles vieram apenas para fazer a vistoria”, relata.

Três dias depois de contratada a proteção veicular, em 3 de junho, Meire sofreu um acidente na BR-153, em Itumbiara. “Meu namorado estava dirigindo o carro e ele tentou desviar de um bicho na pista, mas acabou perdendo o controle da direção e bateu em uma árvore no acostamento”, lembra ela.

As dificuldades de Meire com a associação começou na hora de chamar o guincho, que foi solicitado às 4 horas da manhã e só chegou 12 horas depois. Depois de recolher o carro, a entidade demorou 15 dias para entrar em contato com a auxiliar de secretaria. “Eles me ligaram e informaram que meu carro tinha conserto e que havia sido levado para Uberlândia, que esse era um procedimento deles.”

O problema é que o carro de Meire não tinha possibilidade de conserto. “Ele tinha dado perda total, mas eles falaram que iam consertar. Eles disseram que ia ter que trocar o chassi, as quatro rodas, mas que o carro ‘estava bom’. Ainda exigiram que eu pagasse a franquia para começar a mexer no carro”, recorda a auxiliar de secretaria.

Carro da auxiliar de secretaria, Meire Jane Sampaio, ficou completamente destruído, mas associação queria consertá-lo. (Foto: Arquivo pessoal)

Meire foi salva pelo seu antigo corretor de seguros, que encontrou ocasionalmente quando ia ao banco pagar a fatura da associação. “Ele me alertou que aquilo estava errado e que era para eu procurar meus direitos.”

Após procurar o Procon e uma advogada, Meire não pagou o que a associação pediu e exigiu que seu carro fosse consertado em uma oficina da cidade dela, em Itumbiara. “O responsável pela empresa então me disse que havia uma divergência nas informações e que o carro não tinha conserto, que era perca total,”diz.

A associação pagou, depois de 65 dias, o valor do carro à Meire. Contudo, a entidade descontou nesse montante a quantia referente ao IPVA, licenciamento e seguro obrigatório afirmando que a documentação havia sido paga junto ao Detran-GO. Mas, ao verificar sua situação junto ao Departamento de Trânsito, a auxiliar verificou que a dívida ainda estava em aberto. “Eu tive que pagar o IPVA integral e não fui ressarcida até hoje. Eu realmente não indico para ninguém a proteção veicular, porque acho que eles usaram de má fé comigo o tempo inteiro. Se eu não tivesse ido atrás dos meus direitos eu teria que ficar com o carro estragado que nem conserto tinha”, lamenta.

O Mais Goiás tentou contato com a Magna Proteção Automotiva, mas as ligações não foram atendidas até o fechamento desta matéria.

Projetos de Lei em debate na Câmara