Canais no YouTube que atacam STF e pedem intervenção militar receberam verbas estatais
Alguns dos donos dos canais e sites são alvo da investigação em andamento no STF que apura a existência de uma rede de divulgação de fake news e de ataques aos ministros da Corte
Canais no YouTube que veiculam notícias falsas, defendem o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) e pedem uma intervenção militar no Brasil são abastecidos por verbas publicitárias de estatais, aponta levantamento feito pelo O Globo com base em dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação. Alguns dos donos dos canais e sites são alvo da investigação em andamento no STF que apura a existência de uma rede de divulgação de fake news e de ataques aos ministros da Corte.
Ao todo, 28.845 anúncios da Petrobras e da Eletrobras foram veiculados nestes canais entre janeiro de 2017 e julho de 2019, antes e durante o governo Bolsonaro. Uma outra base de dados, da Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência, aponta que 390.714 anúncios do governo federal tiveram como destino 11 sites e canais com o mesmo perfil entre junho e agosto do ano passado. A verba foi destinada para a campanha sobre a Reforma da Previdência.
As estatais e a Secom alegam que não direcionaram as verbas para os veículos, embora seja possível impedir que um determinado canal receba publicidade.
Embora o levantamento se restrinja ao período entre 2017 e 2019, a prática continua. Na última semana, o Tribunal de Contas da União mandou suspender campanhas do Banco do Brasil em sites que veiculam notícias falsas. O banco havia decidido por conta própria bloquear a publicidade ao tomar conhecimento do destinatário, mas decidiu manter os anúncios após protesto do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro.
O sistema de publicidade digital utilizado por Petrobras e Eletrobras é conhecido como programático. Funciona assim: as empresas definem um público-alvo e contratam agências para executar as campanhas. As agências, por sua vez, repassam a verba das ações para intermediárias, conhecidas no mercado publicitário como “redes de conteúdo”. No caso das estatais, a empresa contratada foi a multinacional Reachlocal, que foi a responsável por pagar o YouTube, que pertence ao Google. A própria plataforma de vídeos distribui anúncios pelos canais de acordo com seu algoritmo que combina elementos como o perfil desejado pelo cliente — a Petrobras e a Eletrobras — e os canais com mais audiência dentro deste perfil.
Entre os blogueiros que receberam verba publicitária da Petrobras e que são investigados pelo STF estão Allan dos Santos, do canal “Terça Livre”, Enzo Leonardo Suzi Momenti, do canal “Enzuh”, e Bernardo Pires Kuster. Os três foram alvos de mandados de busca e apreensão na última quarta-feira. O “Terça Livre”, de Santos, veiculou 3.490 anúncios pagos pela Petrobras. Já o canal de Kuster no YouTube veiculou 3.602 anúncios pagos pela estatal, enquanto o canal de Momenti veiculou 1.192. A Eletrobras também teve propagandas divulgadas nesses três canais. Foram 536 no de Kuster, 398 no “Terça Livre” e 273 no de Momenti.
Canal que mais veiculou anúncios da Petrobras, com 10.027, “O Giro de Notícias” é ancorado pelo youtuber Alberto Silva. Com 1,15 milhão de inscritos, o canal é conhecido por criticar o STF e por defender a intervenção militar. Em sua descrição, o veículo afirma que é “independente” e que “não recebe dinheiro de empresas públicas”.
Intervenção militar
O youtuber faturou em dose dupla com a Eletrobras. Seu canal “O Giro de Notícias” veiculou 2.355 anúncios da estatal. Já seu canal pessoal, “Alberto Silva”, recebeu 1.950. Ambos publicam vídeos com ataques ao STF e defendendo a intervenção militar.
— O STF brinca com a nossa população. Acha que nós somos trouxas, que nós somos idiotas, um bando de paspalhos. Fazem o que quiser, fazem banquetes, festas, arruaça com o nosso dinheiro, mas está chegando a um ponto que o Brasil não aguenta mais. Está chegando a um ponto em que teremos que falar, sim, numa possível intervenção, num possível estado de sítio defendendo o nosso povo, defendendo a nossa lei — disse o youtuber em um vídeo.
Outros canais que defendem abertamente uma intervenção militar também veicularam anúncios das duas estatais. O “Intervenção Militar Ceará” recebeu por 693 anúncios da Petrobras e 24 da Eletrobras. O “Intervencionistas do Brasil News” recebeu por 101 anúncios da Petrobras e 56 da Eletrobras. A lista de vídeos do veículo é repleta de postagens defendendo intervenção militar e com ataques ao STF e ao Congresso. Em um deles, o título é: “Queremos a cabeça do STF”. Já o “Novo Brasil”, com o mesmo perfil, tem 361 mil inscritos e, no ano passado, postou vídeos com ataques ao STF e defendendo intervenção. Ao todo, 4.112 anúncios da Eletrobras foram veiculados lá.
— Apoia a intervenção militar dentro do STF e do Congresso também? São ali (sic) que está travando o nosso país de ir pra frente — diz o jovem apresentador.
Anúncios da Petrobras também foram parar no canal do YouTube do site “Jornal da Cidade On Line”, que publicou notícias falsas durante as eleições de 2018 e, na última semana, foi alvo da medida do TCU para o bloqueio de comerciais do Banco do Brasil. O caso veio à tona por meio do perfil Sleeping Giants Brasil, especializado em rastrear esse tipo de publicidade. De acordo com os relatórios obtidos pelo GLOBO, a Petrobras pagou por 36 anúncios no “Jornal da Cidade On Line”.
Responsabilidades
Procuradas, as estatais alegaram que não fizeram indicação direta de quais sites ou canais deveriam receber a verba destinada pela empresa para mídia digital. De acordo com a Petrobras, são os algoritmos das redes de conteúdo contratadas por ela que fazem a distribuição da verba e a companhia disse que utiliza ferramentas “para identificar conteúdos impróprios para a marca”e que, “se durante a campanha houver a constatação de veiculação em canais inadequados, é solicitada a exclusão deles”.
Já a Eletrobras responsabilizou o Google e o YouTube pela veiculação de anúncios pagos pela empresa em canais com esse perfil. A empresa afirma ainda que, após tomar conhecimento dos fatos, deixou de contratar a Reachlocal e de veicular anúncios nas plataformas do YouTube e do Google.
A Reachlocal, por meio de nota, também responsabilizou o YouTube pela distribuição da verba das estatais para os canais mencionados nesta reportagem.
“O critério de seleção para a exibição de anúncios em determinados canais é definido por meio de algoritmo do próprio YouTube, com base no comportamento, temas de interesse e navegação dos usuários. Pagamos diretamente ao YouTube pela veiculação das campanhas de marketing on-line contratadas por nossos clientes”, disse a Reachlocal.
Procurado, o Google, que é dono do YouTube, disse que anunciantes têm mecanismos para impedir a veiculação de em canais que avaliem negativamente. “Nossas plataformas oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos”, diz a empresa.