Candidatos fazem anúncios pagos com fake news sobre urnas
A menos de dois meses da eleição, candidatos têm explorado brechas no Facebook e Instagram…
A menos de dois meses da eleição, candidatos têm explorado brechas no Facebook e Instagram para impulsionar mensagens com fake news e ataques ao processo eleitoral brasileiro. Entre 26 de junho e 31 de julho, ao menos 21 anúncios com desinformação sobre o tema foram autorizados pela Meta, empresa que controla as plataformas. Há, por exemplo, conteúdos que põem em dúvida a apuração do pleito de 2020, afirmam que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já conhecem os resultados da votação que ocorrerá em outubro e lançam teorias da conspiração sobre as urnas eletrônicas. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) veda que postulantes a cargos eletivos disseminem fatos “sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados” a respeito do sistema eleitoral.
O levantamento, feito a pedido do GLOBO, foi realizado pelo NetLab, laboratório vinculado à Escola de Comunicação da UFRJ. A circulação dos anúncios é possível porque não há nas regras das redes proibição expressa a alegações falsas de fraude ou a postagens que lancem dúvidas sobre a confiabilidade das urnas, destacam os pesquisadores. Os dados foram levantados por meio da API da biblioteca de anúncios da Meta, que permite a captura das informações de forma automatizada.
A disseminação partiu de perfis de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), que também tem feito seguidos ataques ao sistema eleitoral. A maior parte dos anúncios foi paga por candidatos a deputado federal ou estadual filiados a partidos próximos ao Planalto, como PL, Republicanos, PP, PSC e Patriota. O investimento por anúncio variou em faixas entre R$ 100 e R$ 600, segundo dados da Meta, que trazem estimativas. O alcance total ficou em torno de 500 mil impressões, ou seja, o número de vezes em que as mensagens apareceram para os usuários.
O deputado federal Coronel Armando (PL-SC), por exemplo, declarou apoio a “um plano de fiscalização paralelo às eleições” atribuído às Forças Armadas. No texto, ele afirma que os militares “parecem mais comprometidos com a transparência e lisura das urnas eletrônicas do que os órgãos responsáveis pelas eleições”. Já o ex-deputado federal Evandro Roman (PP-PR) pagou por dois anúncios em que alega que o projeto do voto impresso, derrotado na Câmara, permitiria “uma auditoria para validar os resultados das eleições”. O modelo atual já permite uma série de auditorias, há testes públicos que comprovam a segurança das urnas e nunca houve fraudes desde que o sistema foi implementado, em 1996.
Candidato a deputado estadual pelo Rio Grande do Sul, Mauro Fiuza (PSC) fez uma das postagens patrocinadas mais explícitas com alegações de fraude. No vídeo, ele afirma que o fato de ministros do STF estarem com uma conferência marcada em Nova York, nos EUA, para novembro, depois das eleições, indicaria que sabem previamente o resultado do pleito. Isso porque um dos debates do evento é intitulado “Economia do Brasil com o novo governo”. Fiuza fala em “anunciação de uma fraude, de um golpe nas urnas”.
Já o pré-candidato a deputado estadual por São Paulo Major Ricardo Silva (PRTB), ao comentar o encontro de Bolsonaro com embaixadores, afirmou que percebeu “coisas estranhas” na eleição de 2020, quando concorreu a vereador. Ele diz que havia candidatos comemorando antes da divulgação da apuração e que o resultado “foi estranho”, porque o número de votos que recebeu não acompanhou o engajamento que recebia nas redes.
Outra mensagem conspiracionista foi impulsionada pela pré-candidata a deputada federal Tatiana Mandelli (Republicanos-BA). Na publicação, ela cita um contrato da multinacional Oracle com o TSE para questionar a contagem de votos. “Como proteger nossa cidadania se uma empresa estrangeira, globalista, que pertence aos donos do mundo vai contabilizar nossos votos?”, questiona. A empresa forneceu ao TSE dois supercomputadores que armazenam os dados, mas quem faz a contagem dos votos é o tribunal.
A Meta proíbe anúncios que violem as regras de desinformação, mas ataques às urnas e alegações de fraude não estão entre os itens barrados. A única forma de uma mensagem com esse teor não ser impulsionada é se reproduzir um conteúdo desmentido por checadores de fatos independentes parceiros da empresa. Anúncios classificados como sensíveis, ligados a temas sociais, política e eleições, ganham mais transparência e ficam armazenados na biblioteca pública da Meta. A classificação é feita por cada anunciante e revisada pela plataforma, com um sistema automatizado e curadoria humana, antes de o anúncio ser lançado. Especialistas alertam que não há como garantir que todos os anúncios com ataques ao sistema eleitoral sejam autodeclarados corretamente e revisados pelo sistema automatizado.
— As plataformas não querem investir em transparência nem assumir publicamente nenhum tipo de moderação de conteúdo. Elas são capazes de moderar conteúdo e o fazem rotineiramente, porém os critérios são mantidos em segredo. O respeito às leis locais e a transparência na moderação de conteúdo são fundamentais para a proteção da nossa democracia — avalia a coordenadora do NetLab, Rose Marie Santini.
Norma prevê retirada
No ano passado, o TSE incluiu na resolução que normatiza a propaganda eleitoral o veto à divulgação de mentiras e descontextualizações sobre o pleito. O texto prevê que a Justiça Eleitoral, a partir de requerimento do Ministério Público, determine que o conteúdo desinformativo seja tirado do ar, além de uma apuração sobre a responsabilização penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação.
— Essa investigação depende da verificação dos valores gastos e da origem dos recursos, se configuram abuso de poder econômico, e se podem caracterizar uso indevido dos meios de comunicação. Nesse caso, há discussão se o entendimento sobre meios de comunicação se aplica à internet e se pode ser aplicado antes de as candidaturas serem registradas — explica a vice-presidente da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OAB/RJ, Samara Castro.
Em fevereiro, o TSE firmou um acordo com a Meta que prevê acesso à API da biblioteca de anúncios. O tribunal informou que a equipe técnica está trabalhando para implementar a medida e que não há servidores dedicados especificamente ao monitoramento de anúncios. O jornal O Globo procurou os responsáveis pelos perfis citados para comentarem as alegações de fraude e ataques às urnas, mas não houve resposta. A Meta não quis comentar.