Caso Flordelis: denúncias apontam envenenamento de pastor desde 2018
Ele cita que 'Ao assumir como deputada federal, ela se sentiu mais empoderada para realizar o assassinato'
Representantes da Polícia Civil e do Ministério Público estadual detalharam, em entrevista na manhã desta segunda-feira, na Cidade da Polícia, Zona Norte do Rio, as investigações sobre a morte do pastor Anderson do Carmo. A denúncia do Ministério Público estadual do Rio aponta que a deputada federal Flordelis dos Santos de Souza (PSD) arquitetou a morte do marido, o pastor Anderson do Carmo, além de ter arregimentado, incentivado e convencido os demais denunciados a participarem do crime. Cinco filhos e uma neta da parlamentar foram presos nesta segunda (entenda por que Flordelis não pode ser presa na operação de hoje).
— As denúncias apontam que, em maio de 2018, tiveram início seis tentativas de envenenamento, de forma gradual. O arsênico era colocado na comida do pastor. Ele teve várias passagens em hospitais de Niterói, com diarreia, vômitos, sudorese. O tratamento era feito como se fossem outras coisas. Ao assumir como deputada federal, Flordelis se sentiu mais empoderada para realizar o assassinato — destacou o promotor Sérgio Luiz Lopes Pereira, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP estadual.
Pereira disse também que a família chegou a fazer buscas na internet sobre cianeto depois que o uso de arsênico não trouxe o resultado esperado pelos autores do crime. O MP-RJ não sabe, no entanto, se a segunda substância chegou a ser utilizada.
— A estrutura familiar foi se desafazendo, e houve uma quebra da convivência familiar, que ficou rachada. Não pedimos a prisão da deputada por conta do cargo ocupado por ela, que impede a prisão preventiva. Os indiciamentos são importantes na desconstrução da imagem de decência e pessoa caridosa, que vendia essa imagem para alcançar os objetivos — explicou ele, apontando que o plano de executar Anderson do Carmo em junho do ano passado, na casa da família, era fazer com que o caso parecesse um latrocínio, tese que foi descarta pela polícia conforme o andamento das investigações.
Segundo o promotor, a deputada federal estava ainda na cama quando a equipe chegou à casa dela, em Pendotiba, Niterói, na Região Metropolitana do Rio, nas primeiras horas da manhã. Flordelis dormia ao lado dos filhos e não mostrou reação e nem revolta.
— A equipe que chegou à casa dela teve a impressão de que a deputada achou que seria outra ação de busca e apreensão, mais uma. A família só reagiu um pouco diferente ao descobrir que também existiam mandados de prisão. Mas foi tranquilo, sem reações. Ela chorou um pouco mas não se mostrou indignada ou revoltada.
‘Organização criminosa intrafamiliar’
Para o delegado Allan Duarte, titular da Delegacia de Homícios de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá (DHNSGI), os depoimentos contraditórios de Flordelis foram indicativos muito importantes para a solução do crime. Ele detalha que a deputada foi a autora intelectual: financiou a compra da arma, convenceu as pessoas a praticarem o crime, incentivou o assssinato, avisou aos envolvidos sobre a chegada da vítima ao local e ocultou várias provas importantes no caso.
— Foram dois indiciados na primeira fase: um filho como o autor dos disparos e outro que prestou auxílio material na compra da arma. Descobrimos que, além dos dois já presos, mais pessoas do núcleo familiar participaram do crime. Ao final, chegamos à conclusão de que isso se tratava de uma organização criminosa intrafamiliar — disse.
O delegado titular da especializada lembrou que Anderson do Carmo era o responsável pela gestão de carreira artística e religiosa da deputada federal e solucionava os conflitos dentro da família de Flordelis, o que acabou gerando a revolta de todos na residência.
— Havia a nítida diferença de tratamento entre os filhos adotivos e os de sangue. Como o pastor funcionava como o fiel da balança para reestabelecer o equilíbrio, isso causou a ira da deputada para que o crime ocorresse — afirmou o titular da DHNSGI. — A gestão financeira e a forma rigorosa de solucionar os conflitos geraram a revolta na primeira geração, que foi presa hoje. Muitas testemunhas foram ouvidas, o que tornou possível chegar à conclusão final do crime.
Segundo as investigações, havia duas geladeiras na casa, onde uma tinha alimentos especiais destinados apenas aos filhos que apoiam a Flordelis. O delegado disse ainda que não havia outra pessoa no local do crime, apenas Flávio, apontado como atirador. Durante a coletiva, Allan Duarte explicou o motivo de Flordelis não ter sido presa:
— Há apenas duas possibilidades de prisão para a deputada federal: a primeira seria em caso de flagrante de crime inafiançável, o que não aconteceu, ou então se a Câmara determinar que ela perca o seu mandato. Ela não tem foro privilegiado, mas tem imunidade formal.
O nome da operação foi denominado Lucas XII, em referência a uma pasagem biblica que diz: “Não há nada escondido que não venha a ser descoberto ou oculto que não venha a ser conhecido. O que disseram nas trevas será ouvido à luz do dia. O que sussurraram aos ouvidos dentro de casa será proclamado dos telhados”.
Outras tentativas
O delegado, que hoje está à frente da investigação, contou ainda que Flordelis havia articulado a execução de Anderson outras duas vezes:
— Na primeira, ele foi comprar um carro na Barra da Tijuca (Zona Oeste), e Flordelis planejou para que o marido fosse então morto na volta, como se fosse um latrocínio. Mas, no dia, havia outro parente no carro e desistiram. Já no outro caso, ele seria executado na saída da igreja, mas uma troca do carro utilizado por Anderson causou certa confusão no executor, e o plano não foi então realizado. Problemas mecânicos no veículo o levaram a mudar de carro naquele dia.
O celular desaparecido de Anderson ficou em poder da família pelo menos dez dias após o crime e foi descartado por ordem de Flordelis, apontam as investigações. O aparelho não chegou a ir para Brasília.
Investigação chega a rachadinha e nepotismo
As investigações chegaram a casos de rachadinha e nepotismo. Segundo o inquérito, Rayane (uma das netas de Flordelis) foi para Brasília com a promessa de ganhar R$ 15 mil pra trabalhar com a avó. Mas, segundo a polícia, ela estaria recebendo apenas R$ 2,5 mil. Ainda segundo a polícia, o restante provavelmente iria para o pastor ou para a deputada. O inquérito traz vários exemplos de nepotismo em Brasilia. As informações obtidas durante a investigação do assassinato foram repassadas para a Procuradoria Geral da República (PGR).
Indiciamento por cinco crimes
Segundo a Polícia Civil, Flordelis foi indiciada por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio, falsidade ideológica, uso de documento falso e organização criminosa majorada. O pastor Anderson do Carmo foi assassinado em casa no bairro Badu, em Niterói, no dia 16 de junho de 2019. Na ocasião, Flordelis relatou que o pastor teria sido morto durante um assalto e que eles tinham sido seguidos por suspeitos em uma moto quando voltavam para casa.
Os denunciados
• Flordelis dos Santos de Souza (viúva): por homicídio triplamente qualificado; tentativa de homicídio duplamente qualificado; associação criminosa majorada; uso de documento ideologicamente falso e falsidade ideológica, não foi presa por ter imunidade parlamentar;
• Marzy Teixeira da Silva (filha adotiva): homicídio triplamente qualificado; tentativa de homicídio duplamente qualificado e associação criminosa majorada, presa nesta segunda-feira;
• Simone dos Santos Rodrigues (filha biológica): homicídio triplamente qualificado; tentativa de homicídio duplamente qualificado e associação criminosa majorada, presa nesta segunda-feira;
• André Luiz de Oliveira (filho adotivo): homicídio triplamente qualificado; tentativa de homicídio duplamente qualificado e associação criminosa majorada, preso nesta segunda-feira;
• Carlos Ubiraci Francisco Silva (filho adotivo): homicídio triplamente qualificado, preso nesta segunda-feira;
• Adriano dos Santos (filho biológico): associação criminosa e uso de documento falso, preso nesta segunda-feira;
• Flavio dos Santos Rodrigues (filho biológico): Associação criminosa e uso de documento ideologicamente falso, já estava preso;
• Lucas Cezar dos Santos (filho adotivo): associação criminosa, já estava preso;
• Rayane dos Santos Oliveira (neta): homicídio triplamente qualificado e associação criminosa majorada, presa nesta segunda-feira;
• Marcos Siqueira (ex-policial): associação criminosa e uso de documento falso, já estava preso;
• Andreia Santos Maia (mulher do ex-policial): associação criminosa e uso de documento falso, presa nesta segunda-feira.