Celso de Mello suspende julgamento que poderia afastar Dallagnol da Lava Jato
Deltan seria julgado em processos movidos pelos senadores Renan Calheiros e Katia Abreu, que o acusavam de parcialidade na condução da Operação
O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o julgamento de Deltan Dallagnol no Conselho Nacional de Justiça (CNMP), marcado para esta quarta-feira (18). O processo poderia afastá-lo do comando da Operação Lava Jato de Curitiba.
O magistrado concordou com a alegação do procurador de que seu direito de defesa foi cercado, bem como seu direito à liberdade de expressão e crítica.
Deltan alegava que houve “diversos episódios de violação à ampla defesa” por parte do CNMP.
O acórdão de instauração de procedimento administrativo contra ele teria sido publicado de forma incompleta, houve atropelo ao se marcar o julgamento antes de “finda a instrução, colhido o interrogatório e apresentadas as alegações finais”, além de indeferidas providências por ele considerada críticas.
Deltan seria julgado em processos movidos pelos senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Katia Abreu, que o acusavam de parcialidade na condução da Operação Lava Jato, além de tentativas de interferência no processo político brasileiro.
Eles denunciavam também o uso indevido de redes sociais por parte do procurador, além de atividades dedicadas à sua promoção pessoal.
Em sua decisão, Celso de Mello disse que “ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se estabelece uma relação de polaridade conflitante entre o Estado, de um lado, e o indivíduo ou agentes públicos, de outro”.
Ele afirmou ainda que o Estado, por meio de órgãos como. CNMP, “não pode, em tema de restrição à esfera jurídica de qualquer pessoa, exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois, cabe enfatizar, o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder público, de que resultem consequências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais, exige a fiel observância do princípio do devido processo legal”.
Dallagnol também afirmou que estava tendo seu direito de liberdade de expressão violado.
Celso de Mello concluiu que as alegações assumiam “magnitude inquestionável, pois envolvem alegação de ofensa a um postulado essencial, o postulado da liberdade de expressão ,que constitui nota qualificadora de uma sociedade livre e de um Estado fundado em bases democráticas”.
Para o magistrado, não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão, de comunicação e de informação, mostrando-se inaceitável qualquer deliberação estatal, cuja execução importe em controle do pensamento crítico, com o consequente comprometimento da ordem democrática.”
Ele seguiu: “Sabemos que a liberdade de manifestação do pensamento, revestida de essencial transitividade, destina-se a proteger qualquer pessoa cujas opiniões possam, até mesmo, conflitar com as concepções prevalecentes, em determinado momento histórico, no meio social ou na esfera de qualquer instituição, estatal ou não, impedindo que incida sobre ela, por conta e efeito de suas convicções, ainda que eventualmente minoritárias, qualquer tipo de restrição de índole política, de caráter administrativo ou de natureza jurídica, pois todos hão de ser igualmente livres para exprimir ideias, ainda que estas possam insurgir-se ou revelar-se em desconformidade frontal com a linha de pensamento dominante no âmbito da coletividade ou da corporação a que pertença o agente público”.
“As ideias, ninguém o desconhece, podem ser fecundas, libertadoras, transformadoras ou, até mesmo, revolucionárias, provocando mudanças, superando imobilismos e rompendo paradigmas até então estabelecidos nas formações sociais ou nas instituições estatais existentes”, afirmou Celso de Mello ainda em seu despacho.
“É por isso que se impõe construir espaços de liberdade, em tudo compatíveis com o sentido democrático que anima nossas instituições políticas, jurídicas e sociais, como o Ministério Público, p. ex., para que o pensamento jamais seja reprimido e, o que se mostra fundamental, para que as ideias possam florescer, sem indevidas restrições, em um ambiente de plena tolerância, que, longe de sufocar opiniões divergentes, legitime a instauração do dissenso e viabilize, pelo conteúdo argumentativo do discurso fundado em convicções antagônicas, a concretização de valores essenciais à configuração do Estado democrático de direito: o respeito ao pluralismo político, à tolerância e à liberdade de expressão”, escreveu ele.