Centrão articula pena branda a Daniel Silveira após Câmara confirmar prisão
Deputados reconhecem que momento é contrário a Daniel Silveira, mas apostam que prolongamento de processo vai contribuir para diminuir a pressão
Apesar da votação expressiva para manter a prisão de Daniel Silveira (PSL-RJ), deputados ligados ao centrão e aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) apostam e articulam uma punição mais branda no Conselho de Ética da Câmara.
Em reservado, congressitas próximos ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), trabalham para que o conselho decida pela suspensão, em vez da cassação do colega bolsonarista.
A estratégia pró-Silveira dependeria, argumentam, de um processo longo no colegiado. Isso contribuiria para diminuir a pressão da sociedade, mas exigiria também um comportamento mais reservado do próprio deputado.
Silveira está preso desde terça-feira (16), após ter publicado um vídeo com ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal) e com apologia da ditadura militar. A prisão em flagrante foi ordenada por Alexandre de Moraes.
O foco maior dos ataques de Silveira foi Edson Fachin. Ele ainda usou palavras de baixo calão contra ministros e os acusou de vender sentenças.
A prisão do bolsonarista foi confirmada por unanimidade no plenário da corte na quarta-feira (17). Na sexta-feira (19), o plenário da Câmara decidiu por 364 votos contra 130 manter a prisão do parlamentar.
A Mesa Diretora da Casa já determinou a reativação do Conselho de Ética —que se encontrava parado em razão da pandemia do novo coronavírus. Foi apresentada representação por quebra de decoro contra Silveira.
O colegiado se reúne nesta terça-feira (23) para instaurar o processo.
Uma radiografia momentânea do órgão poderia sugerir uma situação adversa a Silveira, principalmente inflada pela decisão de sexta.
Dos 19 deputados do conselho —que está incompleto, seriam 21 ao todo—, 12 votaram pela manutenção da prisão no plenário, 4 foram contrários e 3 não votaram.
A votação no plenário, no entanto, não significa garantia de que a posição deve se repetir no conselho, para um lado ou para outro. A reportagem ouviu seis integrantes do colegiado.
O deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) votou contra a manutenção da prisão de Silveira, mas afirma que sua posição se deu após uma análise técnica do ato do Supremo e não do caso específico do bolsonarista.
“O guardião da Constituição agiu contra o texto que ele deveria proteger. Não foi uma análise sobre o Daniel. Foi uma análise sobre a decisão do STF o meu voto”, afirmou à Folha.
“Eu vou ter de julgar o caso. Não quero me colocar aqui numa posição de antecipar o julgamento, sem ter acesso a todo o devido processo. Na votação, a minha visão foi técnica do contexto da prisão. Mas as atitudes do Daniel são graves a ponto de acharmos que ele tem de ser sim julgado no conselho”, disse.
Outros integrantes do conselho também apontam uma situação difícil para Silveira, mesmo com o pedido de desculpas feito no dia da votação no plenário.
“O pedido de desculpas dele é indiferente. O que o Conselho de Ética vai analisar é a conduta praticada por ele. Pedir desculpas não reflete na dosimetria da pena, porque existem vários fatos praticados, já existem outros processos contra ele no conselho, então o que vai ser analisada é a conduta”, afirma o deputado Delegado Waldir (PSL-GO).
Em reservado, porém, deputados apontam uma forte articulação para que o colega não perca o mandato. Eles apontam que a resposta para a sociedade já foi dada com a decisão plenária —por ampla margem de votos— de manter a prisão.
Para congressistas, a cassação é apontada como uma pena excessiva e que poderia provocar um racha na própria base de apoio do presidente. Hoje esse grupo é formado pela ala ideológica e também pelos deputados do centrão.
Silveira foi abandonado pelo Palácio do Planalto antes da votação de sexta na Câmara —aconselhado por assessores a não se envolver no caso, Bolsonaro se calou e não manifestou apoio ao aliado publicamente, mas foi cobrado por grupos bolsonaristas.
Um congressista próximo a Lira que votou pela manutenção da prisão de Silveira disse que já há acordo entre partidos do bloco de sustentação do governo para que o caso resulte apenas na suspensão do deputado.
Ele aponta que a estratégia principal será deixar o caso esfriar diante da opinião pública, dirimindo a pressão que existe atualmente.
Segundo ele, a defesa de Silveira deverá usar ao máximo os prazos regimentais e adotar artifícios —como testemunhas de defesa solicitarem adiamento de depoimentos— e ainda recorrer à Justiça para adiar sessões.
Outro ponto considerado fundamental é o comportamento do próprio Silveira. O bolsonarista já se desculpou, em defesa apresentada por vídeo na sexta, durante a sessão que manteve a prisão ordenada pelo STF.
Um dos entraves, no entanto, é a ala ideológica na Casa próxima ao Palácio do Planalto. Esse grupo pretende continuar fazendo barulho em torno do caso.
O deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ) passou o fim de semana publicando em redes sociais declarações de políticos contra Bolsonaro e contra outras autoridades, prometendo levá-las ao Conselho de Ética.
“Estou fazendo pesquisa minuciosa (vídeos e postagens) sobre todos os deputados do PT, PSOL, PC do B e demais partidos de esquerda que ofenderam a honra do PR Bolsonaro e deputados aliados. Levarei tudo ao Conselho de Ética já que agora será ferro e fogo. Pau que dá em Chico dá em Francisco”, escreveu.
Por outro lado, como a Folha mostrou, o próprio Conselho de Ética apresenta um histórico corporativista, com lentidão nos processos e penas brandas
Desde 2002, por exemplo, das 170 representações que chegaram ao colegiado, em apenas 7 casos o deputado perdeu o mandato. O último deles foi o ex-presidente da Casa Eduardo Cunha (MDB-RJ), cassado em 2016.
Após a instauração do processo no conselho e a designação do relator, a defesa terá dez dias para apresentar argumentos por escrito. O relator terá então 40 dias para conduzir a apuração e outros 10 para apresentar o parecer.
Após a conclusão do processo, o acusado poderá recorrer à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Se a decisão for por suspensão ou cassação do mandato, a decisão final caberá ao plenário da Casa.
Números do Conselho de Ética
132
número de representações contra deputados arquivadas desde 2002
19
número de casos em que o conselho recomendou perda do mandato; desses, o plenário cassou efetivamente 7 parlamentares:
– Roberto Jefferson (2005, mensalão)
– José Dirceu (2005, mensalão)
– Pedro Corrêa (2005, mensalão)
– André Luiz (2005, tentativa de extorsão do empresário Carlos Cachoeira
– Natan Donadon (2014, desvio de verbas da Assembleia de Rondônia)
– André Vargas (2014, intermediação de negócios do doleiro Alberto Youssef)
– Eduardo Cunha (2016, Lava Jato)